A retórica dos extremos e as ameaças à regionalização
Uma discussão geral sobre a regionalização poderá ficar fora do alcance deste texto, mas pistas de reflexão sobre o assunto são particularmente relevantes para se identificar e compreender os principais problemas políticos, culturais, sociais e individuais com que nos confrontamos ainda nos dias de hoje.
Os paradoxos da sociedade crioula
Recorde-se, desde logo, que Cabo Verde foi apresentado como uma colónia modelo, isto é, um extraordinário exemplo de excelência do colonialismo português. Uma das temáticas mais controversas no debate teórico e pragmático em torno da caboverdianidade, desde o período colonial à pós-independência, tem sido o papel da mestiçagem na transformação social e cultural no arquipélago. Ainda hoje, a retórica da excepcionalidade caboverdiana sedimenta-se numa narrativa de amor luso-tropical. Segundo a mitografia dominante, as ilhas estavam desabitadas aquando do seu achamento, entre 1460 e 1462. E assim, a partir do encontro entre Europa e África num meio pequeno, sem o tipo de casa‑grande afastada da senzala e sem o trauma das grandes plantações, surgiria um povo diferente, com uma nova cultura, enquanto “adaptação de motivos europeus” ou expressão de “uma experiência românica nos trópicos”. Tal mistificação do processo histórico assenta-se numa narrativa romanceada no contexto da colonização europeia, marcada igualmente pela escravatura sexual, cujo presumível impulso aventureiro de homens brancos europeus (Senhor-Pai-Europa) se sobrepôs à suposta passividade de mulheres escravas negras africanas (Escrava-Mãe-África).
Essa miscigenação étnico-cultural (enquanto temática) constituiu-se, desde a década de 1930, como característica fundacional da comunidade arquipelágica caboverdiana. À volta de uma revista moderna, Claridade (1936-1960), que se apropriou da teoria da identidade brasileira de Gilberto Freyre (Casa-Grande & Senzala [1933]), abriu-se um dos grandes debates sobre a caboverdianidade, destacando-se, para além do poeta Jorge Barbosa, alguns ensaístas caboverdianos e portugueses, como Baltasar Lopes, Manuel Lopes, João Lopes, Félix Monteiro, José Osório de Oliveira, Pedro de Sousa Lobo, Teixeira de Sousa ou Manuel Ferreira. À luz dos pressupostos teóricos elaborados por ideólogos brasileiros, como Gilberto Freyre ou Artur Ramos, defendia-se que, em Cabo Verde, o contacto entre duas culturas – “uma mais adiantada (a europeia) e outra mais atrasada (a africana)” – teria dado origem a “um espectacular caso aculturativo nos trópicos”, “salvo uma ou outra ilha sociológica destinada a desaparecer”. Tais ressalvas pesavam sobre as ilhas de Santiago e de Fogo, embora mais gravemente sobre àquela, a maior e a primeira ilha povoada no arquipélago, a qual ocupou, por isso, a posição de entreposto nas rotas transatlânticas do tráfico negreiro, tendo-se doravante a sede do poder político constituído nessa ilha.
Embora comparando com a formação social do nordeste brasileiro, a explicação evolucionista da época não se fundamentava na História, limitando-se às exíguas e vagas informações etnográficas de determinadas ilhas, com a pretensão de as mesmas representarem todo o universo arquipelágico. Tal debate, eminentemente etnocêntrico, apontava indícios de racialismo, estruturando as estratégias de dominação cultural e política, de resto utilizadas tanto no arquipélago como nas restantes colónias portuguesas em África. Assim, o pensamento mestiço edificava-se a partir de uma dupla alteridade: no plano externo, o Outro africano; no plano interno, o Outro santiaguense. Embora, de forma polémica, nesse projecto histórico político-cultural de edificação de uma imagética mestiça e de hierarquização cultural, persistia uma clara convergência entre as características fenotípicas e a categorização intelectual, comportamental ou moral dos diferentes grupos regionais. Paradoxalmente, o arquipélago era ostentado como uma unidade étnico-cultural.
É nesta linha de ideias que Santiago foi enunciada como a “ilha mais negra” do arquipélago e, por isso mesmo, considerada como um caso à parte. Em relação à herança africana, constata-se que o discurso do tempo apontava em dois sentidos: por um lado, a ideia de que no arquipélago teria ocorrido a “diluição de África”, num processo de “esfacelamento de culturas não europeias”; por outro, em flagrante discurso contraditório, a imputação do elemento afro-negro à ilha de Santiago. Num artigo intitulado «Apontamento», no programa inicial da geração claridosa, defendia-se uma espécie de bipolaridade e uma divisão civilizacional entre duas culturas, que resultariam das diferenças ecossistémicas num quadro arquipelágico de dualidade económico-agrícola: o regime de latifúndio aplicado à ilha de Santiago e o regime de minifúndio aplicado às outras ilhas.
Rebatendo a teoria freyriana, segundo a qual o mundo luso-tropical emergia da inter-relação entre casa-grande e senzala, afirmava-se que tal prodígio não teria ocorrido no caso santiaguense, corroborando, por essa via, do discurso colonial racialista, para sustentar que foi precisamente por causa do regime de latifúndio que a ilha de Santiago “não benificiou na mesma medida dos seus irmãos das outras ilhas das consequências da miscegenação e da interpenetração de culturas que marcaram a acção do colonizador português.”
Em contrapartida, para fundamentar ainda mais a diferenciação bipolar do arquipélago, defendia-se complementarmente que, uma vez “colonizadas por gente modesta, sem grandes recursos para aquisição de vasta mão‑d’obra escrava, não havendo depósitos que lhes facultassem a compra imediata de escravos, as ilhas de Barlavento particularizaram-se, transformando-se todos, senhores e escravos, numa família. A profunda interpenetração dos dois tipos étnicos obedeceu à necessidade de obviar à escassez do capital escravo. Daí a miscigenação em grande.” Na esteira do ideário dessa elite intelectual, sempre sob a capa do registo racialista, rematava-se que “o habitante de Sant’Iago é o de menor desenvolvimento intelectual, por ser mais puramente africano, por ser menor nessa ilha a obra de miscigenação, por aí ainda influir o ‘éthos’ da África negra.” Debaixo de uma máscara identitária homogeneizadora, assente na exaltação das pretensas virtualidades da mestiçagem, seriam impostos os termos de distinção social, cultural e política dos agrupamentos regionais e, concomitantemente, do silenciamento dessas diferenças no arquipélago.
Assim, estabeleciam-se divisões internamente, isto é, as ditas “ilhas sociológicas”. Isso já deixava transparecer o essencial do pensamento racialista e do espírito dessa época. Tratava-se, portanto, de uma espécie de racialização das diferentes ilhas do arquipélago. É deste modo que os sanpadjudus, especialmente os da ilha de São Vicente (que foi a última a ser povoada), passariam a ocupar uma posição modelar no imaginário claridoso, em contraposição aos badius da ilha de Santiago. Surpreendentemente, a partir desse pensamento racialista ou culturalista dos claridosos, opunha-se uma certa imagem erótica de mulatas, sobretudo da ilha de São Vicente, ao retrato exótico e boçal de badias ou negras, particularmente da ilha de Santiago. Isso notava-se, inclusive, na poética ou nos contos e crónicas de alguns naturais de Santiago, que nem por isso deixavam de colocar em evidência uma interiorização dos preconceitos rácicos e, por conseguinte, de alinhar com a sua intensiva reprodução ideográfica. Daí a violência não apenas verbalizada, mas também simbólica e generalizada, que foram transpostas sintomaticamente para o campo da exotização da imagem de badius/badias, mormente pela via depreciativa e estereotipada da sua representação (desde a cor da pele, a textura do cabelo, a estatura ou o modo de ser, agir e falar) e da sua constante inserção em territórios racializados, como os subúrbios urbanos ou o interior profundo (quase sempre) da ilha de Santiago. Isso indicia que sobretudo o interior profundo – povoado inicialmente por escravos fujões – seria o tal “compartimento estaque”, com os seus vilarejos nas montanhas ou quilombos (usando um termo brasileiro).
Entretanto, partindo da premissa de que a modéstia de recursos nas ilhas do Barlavento era uma forte condicionante para a total inexistência da discriminação e distinção social e racial, defendia-se que nas ilhas haveria uma exemplar harmonia/democracia racial e social, ainda que na situação colonial de matriz escravocrata e perante a indigenização de parte do povo induzido à emigração forçada para as roças coloniais em África, sendo apontada até como mais harmoniosa/perfeita do que no Brasil de Gilberto Freyre. Afiançava-se que “Cabo Verde é um caso mais significativo do que o Brasil, sempre apontado como paradigma do processo de criação de sociedades tropicais resultantes da expansão portuguesa […]. [Na medida em que, no arquipélago], a condição de pequeníssima nau conferiu maior pureza ao resultado da interacção das forças de cultura em presença.” Nesta linha de pensamento sobre a mestiçagem, “mesmo considerando o fenómeno brasileiro, tido vulgarmente como padrão não só nos sistemas de interpenetração de culturas mas também na convivência racial”, reificava-se a ideia do arquipélago enquanto “primeiro caldeirão de ensaio de miscegenação euro-africana”, reforçando assim o mito da “originalidade do homem caboverdiano.” Segundo um ensaísta português: “as diferenças ali verificadas […] decorrem duma sociedade de tipo capitalista. […] o problema da cor, o da origem racial, deixou literalmente de ter significação no Arquipélago, de tal sorte que a doméstica expressão ‘gente branco’ e aspectos derivativos: ‘casa de gente branco’ e até ‘cheiro de gente branco’ (cheiro bom, a coisa limpa; cheiro agradável, de bem estar), são designações não aplicadas exclusivamente a portugueses ou a gente de tez clara oriunda ou não das ilhas, mas sim a todo e qualquer que, mercê de capacidades pessoais ou importância económica adquirida, alcance uma posição de destaque, tenha ele a cor que tiver, ainda mesmo quando a de azeviche. […] a expressão ‘gente preto’ equivale a gente pobre, humilde, condenada a voos rasos, liberta da vinculação à natureza da pele. […] sejam os mulatos, sejam os negros passam a ser ‘gente branco’ à medida que vão ascendendo à burguesia.”
Nos anos cinquenta, na senda desta vertente hermenêutica mas com alguma subversão da teoria freyriana relativamente ao “mundo que o português criou”, defendia-se a ideia do “mundo que o mulato criou”, para ilustrar que, em Cabo Verde, o protagonista teria sido o mulato (e não o português), num processo aristocratizante do funco (Senzala?) para o sobrado (Casa-Grande?), isto é, o “laboratório exacto” da síntese de culturas e o espaço onde se ocasionou a “apropriação de elementos da cultura portuguesa” seria o funco (e não o sobrado). Assim, teria sido um processo de baixo para cima, ao contrário do Brasil na teoria freyriana. Paralelamente às presunções interpretativas sobre a propagação meramente “material ou biológica do mestiço, cujo veículo seria unicamente o sexo”, punha-se a tónica na ascensão económica e na “conquista definitiva de posições, a transmutação de poderes, acompanhada do prestígio intelectual do mestiço caboverdiano.” Nessa análise sobre o papel da mestiçagem na definição do “especialíssimo caso caboverdiano”, assegurava-se – inclusivamente com uma certa ironia condescendente com a gesta dos varões – que, se calhar, “não houve representante de classe social portuguesa que não tenha dormido com uma negra ou com uma mulata.”
Em 1960, no último número da revista Claridade, num artigo intitulado «A Originalidade Humana de Cabo Verde», asseverava-se que “o branco foi o primeiro a tomar para si a mulher negra, já acicatado pelas necessidades sexuais, já atraído pelas seduções femininas de mulher de cor.” Com este tom colonial e sexista, essa revista ficaria marcado por uma revitalização da mitologia luso-tropical, uma constatação de que a “predisposição do português para o cruzamento de raças nunca foi superada por qualquer outro povo” e um intenso elogio ao “grande sociólogo Gilberto Freyre”. Porém, realce-se que, numa crítica contundente, Freyre já havia desferido um duro golpe aos claridosos, aviltando uma “gente que, procurando ser europeia, repudia as suas origens africanas.” Isso sucedera na sequência da sua estadia no arquipélago, ao serviço do regime salazarista, tendo o próprio recusado a ideia de Cabo Verde como um exemplo singular no mundo luso-tropical. Depois, num tom de profundo desabafo e num registo eminentemente crítico, quanto às impressões africanizantes de Gilberto Freyre acerca do arquipélago, expressava-se um certo desapontamento da elite insular com o sociólogo brasileiro: “Para quê não falar claro? O Messias desiludiu-nos.” Não obstante, o discurso claridoso manteria uma intensa relação com o luso-tropicalismo e a ideologia colonial estadonovista. E, deste modo, a revista ficaria presa para sempre à pátria colonial.
Entre uma retórica da emancipação e um elogio da colonização, os teóricos da época deixariam indícios de ambivalências e instabilidades no contexto repressivo estadonovista. Por isso, admitir-se-ia que a Claridade havia rasurado o “pai/Portugal”, embora não o tenha combatido. Na opinião de alguns críticos, “para além de significar a não nomeação do opressor”, a Claridade coadjuvava para a “ocultação do facto colonial, interpretado e politicamente reduzido, em regra, ao irrefutável abandono pela Metrópole do caboverdiano ao seu destino atroz face à natureza madrasta, bem como na mitigação e/ou negação dos conflitos de classe […] e dos preconceitos racialistas e culturalistas eurocêntricos.”
Em conclusão, embora no decurso da história recente de Cabo Verde tenha sido exaltado uma perspectiva falaciosa de harmonia racial e social, num discurso paradoxalmente excludente e racialista, nota-se, actualmente, uma forte tendência para a celebração da diversidade social e cultural no arquipélago e na sua vasta diáspora. Todavia, mesmo no actual contexto de exaltação da diferença e do pluralismo, persistem resquícios de racialismo, sexismo e regionalismo, não obstante assistir-se também, nos dias que correm, a uma acentuada tendência de ruptura com o paradigma ainda dominante, tanto em termos epistemológicos, como em termos sociais, económicos, culturais e políticos. É curioso observar que, apesar do fim do colonialismo político e da progressiva intensificação do debate sobre a cultura e sociedade caboverdiana, regista-se ainda hoje no pensamento mestiço caboverdiano uma espécie de bifurcação entre a ideia de Europa e de África. Parece que, de igual modo, existe um consenso tácito para dissimular os preconceitos rácicos, herdados do pensamento colonial e da praxis política, ainda que não se tenham cessado, outrossim, as dinâmicas culturais de demarcação dos espaços na óptica de territórios racializados. De maneira que, ainda hoje, a pluralidade das experiências identitárias do arquipélago tem sido objecto de uma redutora disputa política e cultural entre os dois grandes pólos: São Vicente e Santiago. É curioso, no entanto, que a ilha de Santiago continua sendo transformada depreciativamente numa «África interna», imersa na obscuridade, isto é, numa espécie de antítese da ilha de São Vicente, que continua sendo projectada como um «pequeno Brasil» ou uma «pequena Europa». É por essa razão que, sobretudo hoje em dia com o despontar de entusiastas de um lado e do outro da barricada, o debate sobre a regionalização continua a oferecer uma perspectiva preocupante, tanto do ponto de vista da colectividade nacional como quanto às identidades individuais.
A autora diz "... curioso, no entanto, que a ilha de Santiago continua sendo transformada depreciativamente numa «África interna».
ResponderEliminarOra bem. Ninguém mandou imitar Idi Amin e Bokassa e, sobretudo, o Mobutu o xenofobo que até o nome do pais africanizou.
Na minha qualidade de santiaguense sinto-me triste pelo que fazem os meus conterrâneos que não aceitam o Cabo Verde que receberam e que têm a obrigação de transmitir às gerações seguintes.
Daniel Semedo.
ResponderEliminarEste texto é de grande qualidade e, como anuncia a sua autora, contém “pistas de reflexão” e alguns contributos para o entendimento da questão da regionalização. Mas na perspectiva dela, claro, que não necessariamente na minha ou na de outrem. O viés da sua análise pretende desmistificar algumas ideias criadas sobre a singularidade cultural do cabo-verdiano e logo aí tenta desmontar os argumentos estruturais da narrativa claridosa. Para ela, e conforme depreendo do seu discurso, o ideário claridoso é produto de uma "imagética" mestiça, da autoria de um grupo bem definido fenotípica e culturalmente, que exalta as virtudes de uma mestiçagem que é mais representativa do grupo Barlavento e, portanto, em oposição a Santiago, que, pelas suas características físicas e pelo seu percurso histórico, não beneficiara significativamente da interpenetração de culturas.
Com frequência, a autora invoca a motivação “racialista” (o termo é dela) como eixo da teoria sobre um cabo-verdiano tido como exemplo de sucesso do luso-tropicalismo. “Racialista” porque desde logo ela entende que tal exclui, por coerência, a ilha mais populosa e mais homogénea – Santiago – embora, segundo ela, paradoxalmente, se propale a unidade étnico-cultural do arquipélago. Para apontar a suposta fragilidade moral da tese claridosa, ela conclui que ”… não obstante, o discurso claridoso manteria uma intensa relação com o luso-tropicalismo e a ideologia colonial estadonovista. E, deste modo, a revista ficaria presa para sempre à pátria colonial.”
Creio que não é preciso muito esforço para perceber que a linha de força da tese da autora não passa pelo reconhecimento da legitimidade da mestiçagem como factor de homogeneização aglutinadora do povo cabo-verdiano. O factor “racialista” predomina, pois, na sua argumentação e, curiosamente, se o aponta como adjuvante da posição dos claridosos (mestiçagem), de modo algum o associa à posição supostamente contrária, ou seja, à “badiolândia”, passe a expressão, que não pretende ser pejorativa, talvez por entender que ela é detentora da verdadeira identidade cabo-verdiana, por mais próxima da génese africana e pelo predomínio de características maioritárias no arquipélago. É assim que ela escreve: “Debaixo de uma máscara identitária homogeneizadora, assente na exaltação das pretensas virtualidades da mestiçagem, seriam impostos os termos de distinção social, cultural e política dos agrupamentos regionais e, concomitantemente, do silenciamento dessas diferenças no arquipélago.”
Ora, é perfeitamente nítido que a Eurídice Monteiro toma posição perante esta velha dialéctica, demarcando-se das teses dos claridosos e de intelectuais como o Onésimo Silveira que, não tendo sido um claridoso, é, no entanto, ideólogo de uma identidade cabo-verdiana ciosa da sua mestiçagem e da sua abertura aos valores civilizacionais europeus, sem renegar, contudo, as origens e a presença africana na nossa cultura.
E é assim que esta autora vai repescar o ideário claridoso para, sorrateiramente, o associar aos que defendem a regionalização, porventura por entender que o que está em causa é o afrontamento ideo-cultural entre o Barlavento e Santiago. Se não vejamos como ela conclui o seu discurso: “De maneira que, ainda hoje, a pluralidade das experiências identitárias do arquipélago tem sido objecto de uma redutora disputa política e cultural entre os dois grandes pólos: São Vicente e Santiago. É curioso, no entanto, que a ilha de Santiago continua sendo transformada depreciativamente numa «África interna», imersa na obscuridade, isto é, numa espécie de antítese da ilha de São Vicente, que continua sendo projectada como um «pequeno Brasil» ou uma «pequena Europa». É por essa razão que, sobretudo hoje em dia com o despontar de entusiastas de um lado e do outro da barricada, o debate sobre a regionalização continua a oferecer uma perspectiva preocupante, tanto do ponto de vista da colectividade nacional como quanto às identidades individuais.”
(Continua)
(Continuação do meu comentário)
ResponderEliminarSou o primeiro a não deixar de reconhecer o vigor intelectual e académico do artigo desta ilustre conterrânea. Mas assim como o faço, também me assiste o direito de denunciar o que me parece residir no seu discurso – um certo preconceito mal disfarçado, que escuso de qualificar, mas que é nocivo num trabalho deste teor. Os claridosos nunca em momento algum foram preconceituosos e acho abusiva qualquer insinuação sobre uma suposta motivação “racialista” nas teses que defenderam. Nunca rejeitaram ou emparcelaram regiões, ilhas ou grupos étnicos no território, em função de características tidas como dominantes. Do mesmo modo, os regionalistas não pretendem segregar ilhas ou grupos étnicos em Cabo Verde. As posições dos regionalistas têm como único escopo uma articulação geográfica das ilhas conforme modelos organizativos que melhor contribuam para o seu desenvolvimento. Rejeitam liminarmente qualquer forma de discriminação ou segregação, seja de que tipo forem. Sobretudo, não defendem a regionalização em detrimento da ilha de Santiago, pelo contrário, até entendem que a própria ilha beneficiará com um projecto de regionalização que passe pela desmontagem da macrocefalia da capital.
Para concluir, direi que não é a “retórica dos extremos que ameaça a regionalização”, porque ainda não se viu a cor dos olhos de um dos extremos, o outro, que por enquanto tem preferido o silêncio táctico para adormecer a ideia da regionalização. Quanto a “paradoxos da sociedade crioula”, eles efectivamente existem, sou o primeiro a reconhecê-lo. Mas se existem é por ausência de uma atitude política clara e inequívoca que separe a política da cultura, em vez de navegar em águas turvas que mais emaranham os caminhos para uma clarificação definitiva da nossa identidade como povo.
esta ideologia está no poder, trepou pelos flancos dos dois partidos e impera em CV devido à bandalheira dos políticos e intelectuais cabo-verdianos, nomeadamente do Norte e não só. Pudera com 40 anos a correr para a nova Meca de Cabo Verde e Maquiavel em acção….. só paria estas monstruosidades anti cabo-verdianas.
ResponderEliminarNesta fase da luta a Regionalização é para além de uma ideia progressista que consiste na reformulação e reformatação do Estado, um acto de Cultura e um acto libertador em CV contra opressão cultural e alienação política, na pura acepção cabraliana do termo, mas também contra a bandalheira política, o tal circo que falava há dias.
O cabo-verdiano é o que é e tem que se aceitar como tal. A supremacia cultural de Santiago está a minar Cabo Verde, pouco a pouco, pretendendo impor ao resto do país a sua visão etnocêntrica, o que denota um tendência para a intolerância.
ResponderEliminarO importante é sabermos quem somos, o que queremos, quais as nossas potencialidades e para onde vamos. Somos todos caboverdianos – crioulos - e é isto que nos define como povo. O resto é a lenga-lenga que todos conhecemos, que não nos leva a parte alguma.
Matrixx