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sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

(6400) - POEIRA DOS TEMPOS...



1886

ARCHIPELAGO DE CABO VERDE

ILHA DE SANTO ANTÃO

(AGRICULTURA)

O solo da ilha de Santo Antão é argiloso, saibrento, calcareo e em partes volcânico. De envolta com o marne, o tufo encarnado, a cal, a argila e lava volcânica, acham-se em grande abundancia as decomposições de basalto de suas montanhas. Esta diversidade de terrenos, já de si apropriados a difirentes culturas, poderosamente auxiliada pela variedade de temperaturas, segundo a sua exposição mais ou menos elevada, nos valles e faldas das serras, ou nas encostas ou cumes das montanhas, dão a esta ilha as mesmas vantagens agrícolas que, por singular privilegio da natureza, desfructa a ilha da Madeira.

Por conseguinte, a par da vegetação dos trópicos, que ali se gera espontaneamente, nascem e desenvolvem-se com vigor quaisquer plantas da Europa que ahi se queiram introduzir. E muitas d’estas se acham já alli introduzidas, de sorte que os habitantes d’aquelle solo abençoado cultivam e recolhem infinidade de frutas e outros produtos agrícolas, oriundos dos países quentes e dos temperados.

A estas excelentes condições naturaes ainda acresce outra tão essencial, que sem ella todas as mais ficam anuladas para o desenvolvimento e prosperidade da agricultura. Referimo-nos á abundancia de agua com que a Providencia dotou aquella ilha. São inumeráveis as fontes, regatos e ribeiras que rebentam das faldas d’essas elevadas montanhas, em que poisam continuamente densos nevoeiros. Não ha ahi valle que não seja cortado por alguma ribeira opulentíssima de aguas na quadra das chuvas, mas abundante, mais ou menos, nas outras estações.

Porem, como sucede tantas vezes, infelizmente, nos paizes em que a natureza se mostra prodiga, aquellas ribeiras correm quasi inutilmente para a agricultura. Em quanto as searas e outras plantações valiosíssimas de definham muitas vezes á sede nas planícies que debruam essas ribeiras, levam estas para o Oceano o precioso manancial que devêra ser vida dos campos.

Além d’esta incúria relativamente ás terras cultivadas, é muito para lamentar que esteja ainda inculta a maior parte da ilha, em que se acham incluídos terrenos feracíssimos.

Antes de mencionar as culturas introduzidas na ilha pela industria dos habitantes, falaremos das plantas que, nascendo e medrando alli espontaneamente, são elementos de riqueza publica.

Poremos á frente de todas essas plantas indígenas a urzella, porque foi a primeira que constituiu uma verba importante de receita para o estado.

Descobriu-se a urzella nas ilhas de Cabo Verde no anno de 1730. Reconhecida a sua boa qualidade para as tinturarias, começou poucos anos depois a ser procurada pelo commercio, e o governo deu por arrendamento a particulares a faculdade de a colherem em todas as ilhas do archipelago. Em 1755 passou este contrato para a companhia do Grão Parà e Maranhão. Indo desde então em aumento a exportação da urzella, tomou o governo a si a exploração d’este produto no anno de 1790, e assim se conservou até 1838, dando para o tesouro nos últimos dezoito anos um rendimento annual de oitenta a cem contos de reis.

Em 1838 arrematou-a novamente o estado, pelo prazo de três anos, mas d’esta vez subiu o preço da arrematação a noventa contos por anno. A descoberta da urzella em Angola, e o decreto de 17 de janeiro de 1837, que permitiu a sua livre exportação, fizeram decadente aquelle ramo de commercio de Cabo Verde. A concurrencia  da urzella de Angola prejudicou tanto a de Cabo Verde nos mercados consumidores, que, não havendo quem quisesse continuar com aquella arrematação depois de 1841, viu-se obrigado o governo a assumir a antiga administração, sentindo logo no seu rendimento uma quebra de 50 por cento.

Posto que o o commercio da urzella esteja decadente, por diversas causas, tanto em Cabo Verde como nas outras províncias da Africa portugueza, não deixa a urzella de ser um produto valioso, quer pelo emprego que tem na industria, quer por não demandar cultura, mas apenas braços que a apanhem. A ilha de Santo Antão produz uma grande quantidade de urzella. Aquella imensidade de rochas e penhas, que vestem o dorso das serras e lhes coroam as cumiadas, estão mais ou menos cobertas d’essa interessante planta, que Lineu denominou licha rocella, e que a sciencia moderna designa com o nome de rocella tinctoria
Continua
I.DeVilhena Barbosa.
Colab. A. Mendes

 

 

 

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