1886
ARCHIPELAGO DE CABO VERDE
ILHA
DE SANTO ANTÃO
(AGRICULTURA)
O solo da ilha de
Santo Antão é argiloso, saibrento, calcareo e em partes volcânico. De envolta
com o marne, o tufo encarnado, a cal, a argila e lava volcânica, acham-se em
grande abundancia as decomposições de basalto de suas montanhas. Esta
diversidade de terrenos, já de si apropriados a difirentes culturas,
poderosamente auxiliada pela variedade de temperaturas, segundo a sua exposição
mais ou menos elevada, nos valles e faldas das serras, ou nas encostas ou cumes
das montanhas, dão a esta ilha as mesmas vantagens agrícolas que, por singular
privilegio da natureza, desfructa a ilha da Madeira.
Por conseguinte, a
par da vegetação dos trópicos, que ali se gera espontaneamente, nascem e desenvolvem-se
com vigor quaisquer plantas da Europa que ahi se queiram introduzir. E muitas
d’estas se acham já alli introduzidas, de sorte que os habitantes d’aquelle
solo abençoado cultivam e recolhem infinidade de frutas e outros produtos
agrícolas, oriundos dos países quentes e dos temperados.
A estas excelentes
condições naturaes ainda acresce outra tão essencial, que sem ella todas as
mais ficam anuladas para o desenvolvimento e prosperidade da agricultura.
Referimo-nos á abundancia de agua com que a Providencia dotou aquella ilha. São
inumeráveis as fontes, regatos e ribeiras que rebentam das faldas d’essas
elevadas montanhas, em que poisam continuamente densos nevoeiros. Não ha ahi
valle que não seja cortado por alguma ribeira opulentíssima de aguas na quadra
das chuvas, mas abundante, mais ou menos, nas outras estações.
Porem, como sucede
tantas vezes, infelizmente, nos paizes em que a natureza se mostra prodiga,
aquellas ribeiras correm quasi inutilmente para a agricultura. Em quanto as
searas e outras plantações valiosíssimas de definham muitas vezes á sede nas
planícies que debruam essas ribeiras, levam estas para o Oceano o precioso
manancial que devêra ser vida dos campos.
Além d’esta incúria
relativamente ás terras cultivadas, é muito para lamentar que esteja ainda
inculta a maior parte da ilha, em que se acham incluídos terrenos feracíssimos.
Antes de mencionar as
culturas introduzidas na ilha pela industria dos habitantes, falaremos das
plantas que, nascendo e medrando alli espontaneamente, são elementos de riqueza
publica.
Poremos á frente de
todas essas plantas indígenas a urzella, porque foi a primeira que
constituiu uma verba importante de receita para o estado.
Descobriu-se a
urzella nas ilhas de Cabo Verde no anno de 1730. Reconhecida a sua boa
qualidade para as tinturarias, começou poucos anos depois a ser procurada pelo
commercio, e o governo deu por arrendamento a particulares a faculdade de a
colherem em todas as ilhas do archipelago. Em 1755 passou este contrato para a
companhia do Grão Parà e Maranhão. Indo desde então em aumento a exportação da
urzella, tomou o governo a si a exploração d’este produto no anno de 1790, e
assim se conservou até 1838, dando para o tesouro nos últimos dezoito anos um
rendimento annual de oitenta a cem contos de reis.
Em 1838 arrematou-a
novamente o estado, pelo prazo de três anos, mas d’esta vez subiu o preço da
arrematação a noventa contos por anno. A descoberta da urzella em Angola, e o
decreto de 17 de janeiro de 1837, que permitiu a sua livre exportação, fizeram
decadente aquelle ramo de commercio de Cabo Verde. A concurrencia da urzella de Angola prejudicou tanto a de
Cabo Verde nos mercados consumidores, que, não havendo quem quisesse continuar
com aquella arrematação depois de 1841, viu-se obrigado o governo a assumir a
antiga administração, sentindo logo no seu rendimento uma quebra de 50 por
cento.
Posto que o o
commercio da urzella esteja decadente, por diversas causas, tanto em Cabo Verde
como nas outras províncias da Africa portugueza, não deixa a urzella de ser um
produto valioso, quer pelo emprego que tem na industria, quer por não demandar
cultura, mas apenas braços que a apanhem. A ilha de Santo Antão produz uma
grande quantidade de urzella. Aquella imensidade de rochas e penhas, que vestem
o dorso das serras e lhes coroam as cumiadas, estão mais ou menos cobertas
d’essa interessante planta, que Lineu denominou licha rocella, e que a sciencia moderna designa com o nome de rocella tinctoria…
ContinuaI.DeVilhena Barbosa.
Colab. A. Mendes
Sem comentários:
Enviar um comentário