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quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

(6419) - SÓ MUDAM AS MOSCAS...



ROUBALHEIRA…

   Da história dos povos não consta com certesa momento historico mais comico doloroso do que aquelle que nós vamos atravessando.Deixando o lado doloroso, pois que com sentimentalismos é que isto já não vae  -- mesmo porque a nossa opinião é que já não vae de maneira nenhuma… -- exploremos o lado faceto da questão, pois que, para mais, a nossa desorientação moral arrastou-nos até á baixeza de ainda das próprias infelicidades nossas, preferimos  sempre a nota cómica…Até há pouco tempo o dictado “ por dentro, pão bolorento, por fora cordas de viola…” – ainda colhia.Por dentro, cá nos íamos roubando todos em família, e, dada a mutualidade equilibrada, a proporção entre o que cada roubava e o que lhe era roubado estava tão bem calculada, que a massa da fortuna publica, comquanto fluctuando ao sabor da ratonice geral, apresentava uma estabilidade relativa…Os governos, succedendo-se no poder, não descuravam de deixar a sua passagem assignalada por novos emprestimos e novos impostos. Roubo da praxe… Como sempre foi da praxe o contribuinte procurar todos os meios possiveis e impossiveis de roubar o Estado, eximindo-se ao pagamento das contribuições… Por seu lado, collaborando no proposito geral, nunca deixou o commercio de roubar o consumidor, vendendo do peior pelo mais alto preço, e o comprador de roubar-se a si próprio, comprando o mais barato, embora somenos, desde que tivesse apparencia de ter custado… caro!...O proprietario, augmentando as rendas, vinha roubando os inquilinos desde que ha casas, ao passo em que os inquilinos, pouco mais ou menos desde a mesma época que estudam e praticam a teoria de roubar o proprietário, pregando-lhe cães…O estado roubando o funccionario á força de lhe pagar mal, auctorisava este a roubal-o, não fazendo nada, quando não, fazendo demais, o que é um pouco peior, isto é, roubando directamente os valores que lhes estavam confiados…
E tudo isto de ha muitos anos se vinha passando na melhor das cavernas de salteadores possivel!
Eis, porém, que a cousa consta lá fóra e – adeus cordas de viola! A Inglaterra abre exemplo, deitando por sua vez unha ao primeiro bocado; e logo a França nos impõe contratos leoninos; e o Brazil nos pede indemnisações ridículas; e até agora, finalmente, a Allemanha segue no encalço da Ingleterra… e tutti quanti!...
E os que não nos roubam, ameaçam-nos; e os que não nos ameaçam, roubam-nos – quando não nos fazem uma e outra cousa e ainda nos chegam a roupa ao pello, com ares de ser por engano …
E roubados, e ameaçados e escovados, a caverna continua a ser a melhor dos mundos possiveis e apenas o numero dos salteadores augmentou…
Esta é que é a verdade.
E, emquanto a nós, por nossa parte, o que sobre tudo achamos faceto, e nos admira até, não é a harmonia geral perante o roubo admitido e acceite, a qual se traduz pela indiferença a cada nova acommetida; tão pouco aumento crescente do effectivo rapinante; menos a tacita annuencia de todos por tudo, e que tem explicação simples, afinal de contas, nas culpas que abarrotam a consciência de cada qual…

….…O que nos admira é que ainda haja que roubar!…
IN SEMANÁRIO “O MICROBIO”
21 de Julho de 1894

Colab. A.Mendes



 

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