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segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

(6445) - SUBSÍDIOS PARA A REGIONALIZAÇÃO...

 


 

A Regionalização francesa (1980), um processo inspirador para Cabo Verde

Nota Introdutória: O objectivo deste artigo não é a defesa do modelo de Regionalização francês nem de qualquer outro modelo, mas sim mostrar que o processo que ocorreu neste país e a coragem dos líderes e principais actores políticos da época foi escola e pode inspirar muitos outros países que pretendem implementar esta Reforma.
Ao longo de todo século XX ocorreu na então centralizada França um amplo debate (similar ao que ocorre hoje em Cabo Verde) sobre e em torno da Regionalização. Este debate teve o seu recrudescimento nos anos 60, quando o país, num momento em que, não obstante o biombo ideológico entre esquerdas e direitas e entre conservadores e reformistas, a regionalização se tinha tornado um conceito e um projecto transversal a toda à sociedade e aos partidos franceses. Foi e ainda continuará a ser o debate crucial da modernização de um país, pois a França adoptou uma estratégia evolutiva da Regionalização, passou de um estádio básico para estádio bastante sofisticado. Com uma regionalização progressiva constituída por dois vectores  ̶  a Descentralização Institucional (Regionalização Política) e a Descentralização Funcional (Regionalização Administrativa)  ̶   a  França entrava na modernidade política, tornando-se num país descentralizado, e  juntava-se assim ao clube vanguardista da Europa, onde figuravam a Alemanha, a Suíça, a Bélgica, etc, e a outros no mundo. Com a queda do franquismo e a modernização da Espanha, este país descentralizou-se adoptando uma Regionalização tipo federal denominada Autonomia.
A França desburocratizou-se e descentralizou-se consideravelmente ao longo de cerca de 25 anos de Regionalização, desde o seu lançamento em 1980, e é considerada hoje um país regionalizado com uma governança moderna, a vários níveis (Estado, Região, Departamentos, Municípios, e Comunas) governada através de uma complexa e sinergética parceria entre o Estado e essas coletividades territoriais, caracterizada por: poderes descentralizados e a transferência de competências para todos os níveis do poder: os municípios, ‘os departamentos’ (sub-regiões) e as regiões. Convinha observar que contrariamente aos restantes países de referência a França continua a ter um Estado Central poderoso, mas flexibilizado ao ponto de partilhar poderes e soberania com as colectividades territoriais.
No início nos anos 60 do Século XX a história francesa teve uma brusca aceleração com a iniciativa descentralizadora de De Gaule, que infelizmente para este protagonista só seria concretizada 20 anos mais tarde pelo Presidente socialista François Mitterand (1980-1994). Antes desta reforma (1981), a França era dos estados mais centralizados da Europa e do mundo, e considerava-se a filha primogénita da revolução francesa de 1789, a herdeira perfeita do estado centralista napoleónico. Embora se autodefinisse como um Estado-nação (conceito também saído da revolução francesa e refinado por Napoleão, que definia a « república una e indivisível »), era um estado ‘monárquico’ todo-poderoso totalmente centralizado, dividido em províncias, ao gosto das elites parisienses que desfrutavam das vantagens e das facilidades de concentração dos recursos e poderes num curto espaço e tempo (Paris), mas não das populações provinciais. Como se sabe, o país formado da fusão de reinos continha na realidade os germes de várias nacionalidades. Para termos uma ideia da situação centralizada da França e do problema que essa mesma situação criava num país formado por territórios com forte identidade regional, nada melhor que ler os textos do geógrafo político André Siegfried escritos em 1913 sobre a sua organização administrativa e política: ‘Na Bretanha (região francesa), o Estado é o Deus ex-máquina, a cuja intervenção soberana se recorre logo que uma pequena qualquer dificuldade surge; dispensa um manancial de subvenções e subsídios e socorros, é o árbitro chamado ao mínimo sinal de conflito, é o protector dos ricos e dos pobres, e fornecedor do dinheiro necessário para o sistema funcionar’. Já Jack Hayward opõe em França uma regionalização organizada a partir do centro do poder a uma regionalização cujo objectivo é realizar uma autonomia autêntica da periferia, defendendo que os franceses fingem ignorar que a França é um país multinacional ao qual se sobrepôs um Estado unitário, situação incorporada mas não completamente digerida pela periferia do país. Neste contexto, Ezra Suleiman define as elites administrativas francesas da época, de esquerda ou de direita, como imperialistas e tentaculares, e irremediavelmente votadas ao centralismo. Segundo ela, a razão pela qual as elites eram fundamentalmente opostas a uma participação das populações e a uma verdadeira descentralização da França, não se prendia tanto a uma ideologia jacobina centralista (revolucionária ou herdeira da revolução francesa) mas sim ao facto de a descentralização lesar, à primeira vista, os seus interesses fundamentais e as suas situações pessoais. Para Pierre Grémion, ‘O paradoxo do centralismo é que o poder central omnipresente é na realidade um poder fraco. A omnipresença do Estado central não garante a sua omnipotência pois o centralismo é minado pelos poderes paralelos que se desenvolvem nas periferias e no centro’.
Foi de Gaulle, um grande homem de estado do século XX, dotado de uma forte personalidade, quem percebeu que o centralismo da França, herdado do estado jacobino napoleónico construído após a revolução francesa, já não era sustentável para um país que se queria modernizar politicamente e administrativamente. O centralismo francês constituía já um emperramento ao desenvolvimento da França, tanto do ponto de vista absoluto como comparado com o país vizinho, rival e principal parceiro, a Alemanha calvinista, reformista. Este país já possuía um dos modelos mais avançados de desburocratização e descentralização na Europa, e este modelo poderia talvez ser uma das chaves do sucesso alemão. Tal como a França tinha as suas regiões naturais (La Région), a Alemanha tinha os seus Landers, mas a França do ponto de vista organizativo ficava muito atrás, pois não reconhecia politicamente as regiões e era um estado centralizado e burocratizado, que emperrava a sua economia tornando-a talvez menos competitiva em relação à da Alemanha. De Gaulle resolveu vencer o conformismo, quebrar as resistências da sociedade francesa, a França ‘dos velhos notáveis senadores e da classe política conservadora’, bater-se pela modernização administrativa e política da França. Este combate não se anunciava fácil pois a influência das poderosas forças conservadoras adversas a qualquer mudança e modernização administrativa dos país era muito grande em França. Os opositores criaram cizânia na opinião pública, acusando falsamente os reformistas de desígnios subversivos e fautores de cessação. Hoje sabemos que estas acusações eram infundadas, revestiam essencialmente um carácter reaccionário. Num discurso em Lyon, de Março 1968, de Gaulle afirmou que o esforço multisecular da centralização da França não se impunha mais, e que o desenvolvimento regional fornecia o poder económico necessário para o desenvolvimento das regiões, sem ameaçar a Unidade do Estado Francês. Esta visão revelou-se justa. Todavia, a sociedade francesa ainda não estava preparada para a visão do seu líder. Para além disso, de Gaulle cometeu um erro fatal, que constituiu em referendar em 1969 uma reforma desta amplitude, num país que estava ainda sob o peso de conservadorismo e dominado por elites e forças antagónicas à menor reforma administrativa. Embora tivesse o apoio maioritário da opinião pública, como atestam os registos das sondagens, a reforma gaulista estava assim fadada ao fracasso. Os medos propalados no país e a cumplicidade dos grupos de interesse e das elites instaladas tiveram a última palavra. O velho general, derrotado, como grande democrata que era tirou as devidas ilações da derrota e abandonou o poder. Todavia, esta reforma tinha um forte apoio da oposição socialista, que soube transformar o projecto de De Gaule numa bandeira da campanha de 1980 e lançar um grande debate sobre a modernização da França logo após a vitória da esquerda. Coube a Miterrand, candidato a presidente da república francesa, incluir nas suas 100 propostas presidenciais a Regionalização como uma das reformas basilares do seu septenato, na sua visão reformista para a França. A importância desta reforma foi tal que ela tornou-se o ‘Grande Affaire’ do seu mandato, como se dizia então.  Hoje constitui, sem dúvida, uma das grandes heranças do seu governo e é reconhecida como uma das maiores reformas jamais empreendidas em França no século XX.
É com a vitória presidencial em Maio de 1980 de Miterrand e a enorme legitimidade adquirida pela maioria socialista, que o novo presidente confia ao seu 1º Ministro Pierre Mauroy a preparação de um projecto de lei que incluía um pacote de Grandes Reformas do Estado para a Modernização do país. Aprendida a lição da derrota gaulista, o poder socialista teve o bom senso de aprovar a reforma por via legislativa parlamentar, não obstante a forte oposição da direita francesa conservadora. Na defesa do projeto de lei, Gaston Defferre, o então ministro de Interior, amigo de velha data do presidente e um dos dirigentes da ala moderada socialista, declarou (Le Monde, 10 junho 1980) : « A centralização tal como existe actualmente em França constitui uma forma de governo, uma estrutura de organização política arcaica, paralisante, ultrapassada, que não responde às exigências da vida moderna e da competitividade entre as nações evoluídas ». « A descentralização (…) suprimirá serviços ministeriais parisienses que terão, repito, que fechar as portas. Sem isso, nunca, jamais, ocorrerá a verdadeira descentralização. Pois enquanto estes serviços funcionarem monopolizarão os “dossiers”,  e um dossier qualquer enviado para Paris para se decidir corresponde a uma tutela maior, tempo perdido e dinheiro gasto. Ora, é isto que o governo actual não quer mais. Não queremos mais exercer tutela sobre as colectividades eleitas ».  Votada na generalidade pela Assembleia Nacional francesa em Agosto 1981, “As Grandes leis da Descentralização”  intituladas « Leis Relativas aos Direitos e Liberdades das  Comunas,  Departamentos  e Regiões », a França estava, assim, lançada em 1981 na via da sua modernização administrativa e política. Todavia, este processo de Regionalização não foi levado até o seu termo e a Regionalização teve que evoluir durante 25 anos, pois os bloqueios internos no país resistiam sempre às reformas. A França metropolitana regionalizada e descentralizada continua a ser um Estado unitário, não Federal, compreendendo 4 níveis de descentralização através de colectividades territoriais e locais. Conta com 27 Regiões, incluindo a Córsega (embora este tenha hoje um estatuto de Autonomia especial). Cada região contém várias sub-regiões ( denominados ‘Departaments’), cada uma subdividida em vários  ‘Arrondissement’’, os mesmo divididos em  micro-estruturas administrativas, os ‘cantons’ e  as comunas . Assim para além da 27 Regiões, a França contem no total de 101 sub-regiões (‘Departaments’), 342 ‘Arrondissement’’, 4055 ‘cantons’  e 36680 comunas. Os Municípios em França não estão contabilizados nesta rede administrativa pois referem-se ao espaço das cidades capitais (em geral de Departamentos), portanto áreas delimitadas e reduzidas, pelo que é abusivo confundir Regionalização com Municipalismo. Acresce-se ainda a esta estrutura um grande número de territórios autónomos do chamado Ultramar francês.
A França mostrou que o processo de Renionalização não é um processo acabado mas sim progressivo. Este país tem vindo a aperfeiçoar a sua Regionalização, com leis sucessivas, ao ponto de hoje o país, do ponto de vista de descentralização, se aproximar cada vez mais dos seus países vizinhos, nomeadamente a Alemanha, que é sempre e em tudo, o seu modelo de referência. É assim que sucessivos governos franceses têm tido diferentes agendas políticas de reformas no sentido de uma maior descentralização do Estado (2002, 2004, 2012). Ao longo dos 25 anos de progressos na Regionalização, concedeu-se a autonomia à Córsega e ao Ultramar francês, atribuiu-se a autonomia financeira e fiscal às regiões (a chamada reforma estrutural da fiscalidade local), permitindo-lhes financiarem-se directamente a partir dos impostos cobrados localmente. Instaurou-se o referendo local e regional e implementou-se a Carta Europeia das Autonomias Locais que consagra definitivamente os direitos das colectividades, as suas competências e a alocação de recursos financeiros às mesmas. Por fim, a revisão constitucional de 2010 sobre a Descentralização e a Regionalização, constituindo um grande avanço em todo o processo e consagrando transferência de competências e de estruturas para as colectividades locais. O actual presidente François Hollande defendeu, enquanto candidato, uma nova vaga de descentralização, tendo já entre mãos um vasto estudo sobre a nova Reforma do estado francês. Com a Regionalização conseguiu a França continuar a ser um Estado unitário (não Federal) forte, ao mesmo tempo dotado de níveis de regionalização e descentralização importantes. O melhor dos dois mundos terá sido conseguido?!

                                                                              José Fortes Lopes

PS: Este artigo constitui o pano de fundo para um próximo em defesa do modelo de Regionalização Política que considero mais adaptado à situação actual e à realidade arquipelágica de Cabo Verde, e que possa dinamizar as ilhas periféricas do país. Talvez uma nova esperança para Cabo Verde poderá ressurgir no horizonte!

 Bibliografia:
1-La Régionalisation, une histoire de plus d’un demi siècle. http://www.arf.asso.fr/histoire-du-fait-regional
2-Les socialistes et la régionalisation sous la Vème République (1958-2009).http://www.revuesocialiste.fr/2010/02/16/les-socialistes-et-la-regionalisation-sous-la-veme-republique-1958-2009/4/
3- Pierre Grémion, Le Pouvoir périphérique : bureaucrates et notables dans le système politique français, Paris, Ed. du Seuil, 1976, pp. 285-286, cf. pp. 248 et 304.
4-http://www.vie-publique.fr/decouverte-institutions/institutions/collectivites-territoriales/principes-collectivites-territoriales/qu-est-ce-que-decentralisation.html
5-http://www.revue-pouvoirs.fr/IMG/pdf/Pouvoirs19_p103-118_peripherie.pdf
6-http://fr.wikipedia.org/wiki/D%C3%A9centralisation_en_France
7-Regional Government in France & Spain. http://www.ucl.ac.uk/spp/publications/unit-publications/64.pdf
8-The Spanish 'state of autonomies': Non-institutional federalismhttp://dcpis.upf.edu/~raimundo-viejo/docencia/chicago/Colomer.pdf
9-On the Reform of the Statute of Autonomy of Catalonia.http://www.parlament.cat/porteso/estatut/estatut_angles_100506.pdf
10- http://arvha.org/sitescd/leo1_abstract/francais/france/pays/administ/adminis.htm
11- http://fr.wikipedia.org/wiki/Administration_territoriale_de_la_France
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http://www.colorado.edu/ibs/aagpreconference/papers/Schrijver_paper.pdf
13-Regionalism After Regionalisation: Spain, France and the United Kingd., Amsterdam University Press, 2006
14-http://siaiweb06.univali.br/seer/index.php/nej/article/viewFile/1620/1326
15-The New Regionalism in Western Europe: Territorial Restructuring and Political Change, Edward Elgar Publisher, 2000
16-Hans-Jürgen Puhle, Regions, Regionalism, and Regionalization in 20th-Century Europe, http://www.oslo2000.uio.no/program/papers/s9/s9-puhle.pdf
16-THE ECONOMIC ASPECT OF REGIONALIZATION OF EUROPEAN COUNTRIES
http://www.doiserbia.nb.rs/img/doi/0350-7599/2012/0350-75991201031V.pdf
17-Regionalisation and Globalisation, conflicting or linked processes?
http://europeanista.wordpress.com/2012/04/29/regionalisation-and-globalisation-conflicting-or-linked-processes/
18-Martin W. Lewis on September 1, 2010The Nation, Nationalities, and Autonomous Regions in Spain Source: http://www.geocurrents.info/geopolitics/the-nation-nationalities-and-autonomous-regions-in-spain#ixzz2p9Ybk9JS

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