2. O Modelo de Governador Provincial ou do Municipalismo versus o Modelo de Regiões Autónomas:
A Regionalização e o fim da tutela sobre
as colectividades locais eleitas
In : A Regionalização: O Adiamento de uma exigência
e de uma urgência
Apesar do Debate sobre a Regionalização ter-se imposto por si só, existe
uma grande tentativa da suabanalização e do esvaziamento do seu conteúdo,
desvalorizando-se o problema do Centralismo e do Regionalismo em Cabo Verde, o
último muitas vezes denegrido, por associado a bairrismo ou outros ‘ismos’
(usados como arma de arremesso para abafar qualquer tentativa de debate ou de
denúncia de problemas. De resto debates de ideias em Cabo Verde resumem-se a
acusações). A pobreza desta argumentação está na
mesma proporção da sua fraqueza.
Na realidade, o poder e os partidos têm lançado intencionalmente um caos
conceitual sobre a problemática da Regionalização. O objctivo
é apresentar a Regionalização como um processo puramente administrativo, despido
da sua componente política, uma Regionalização
organizada a partir do centro do poder, para manter a periferia sob controlo
político e económico, uma Regionalização meio carne meio peixe, muito do interesse daqueles que querem manter o sistema
centralista intacto e afugentar qualquer ameaça à situação de concentração dos
poderes. Na realidade a Descentralização necessária do aparelho de estado tem sido
intencionalmente confundida com a Desconcentração,
mas são dois conceitos distintos. Enquanto que a Descentralização é uma reforma que consiste em transferir
competências e recursos do Estado central às colectividades locais, correspondendo
a um processo de reforço da democracia local, com os seus próprios órgãos e o
seu leque de atribuições e competências, a Desconcentração consiste simplesmente em
melhorar a eficácia da máquina do Estado delegando poderes a representantes do
estado junto do poder local, através, por exemplo, da figura do governador ou
de delegados do governo ou das estruturas governamentais, sem tocar no
essencial do conceito do centralismo do poder. Com o repúdio da ideia da
nomeação de um Governador dependente do governo, introduz-se o Municipalismo, ou seja, do reforço do actual sistema autárquico ou na criação de autarquias regionais. Na realidade, uma ‘reforma’ que consiste na
atribuição de mais poderes (?) aos presidentes das câmaras, não corresponde à
Regionalização pelo que é um abuso de linguagem. De resto, na maior parte dos
países regionalizados (França, Espanha, Suíça, etc), existe Municipalismo e
Regionalização, duas realidades coexistindo independentemente uma da outra. Com
efeito, enquanto as Regiões são espaços territoriais e políticos contendo inclusivamente
várias câmaras, as esferas de influência e de competências do Municipalismo
referem-se unicamente ao estrito espaço delimitado e reduzido de uma cidade, em
geral sem funções políticas específicas. Para mais, nos países regionalizados
existem políticas regionais e políticas municipais bem distintas. Pergunta-se o que é que ganhará uma câmara ou uma ilha, atribuindo mais
algum poder ao seu presidente de câmara?
Mais
especificamente é o que uma ilha como S. Vicente ganharia economicamente e socialmente
com a mera atribuição de mais poderes ao actual Presidente da Câmara, numa
situação de disputa e guerra permanente entre o poder municipal e central, se a
Ilha continua refém das decisões do poder Central ou dos partidos e limitada
politicamente e economicamente? Uma ‘reforma’
deste tipo seria pura cosmética não resultando em nenhum ganho, na medida em
que os poderes de decisão permaneceriam nos centros de decisão e o centralismo
não seria tocado. O reforço do Muncipalismo pode, a meu ver, ser inclusivamente muito
perigoso em Cabo Verde. Se no caso de S. Vicente a sua aplicação poderia ser absurdamente
pacífica, pois a autarquia por enquanto confunde-se com a Ilha, aplicada a
Santo Antão, Santiago ou Fogo, ilhas constituídas por vários municípios, poderia
engendrar uma miríade de poderes paralelos, de caciques locais dispersos numa
mesma ilha, ou seja o caos político, ao gosto dos centralistas que tirariam
dividendos das querelas intestinas e das guerras fratricidas. O reforço do Municipalismo
saldar-se-ia assim no reforço das tensões políticas internas nas ilhas, no
dividir para imperar e na alienação da democracia. É precisamente o oposto que
se pretende com a Regionalização, propõe-se caminhar rumo a políticas de maior integração
e sinergia nas ilhas e entre as diferentes autarquias, o todo integrado numa
perspectiva de desenvolvimento insular ou regional. De resto sabendo que
Regionalização deve ser um conceito dinâmico, o seu próprio desenvolvimento
poderá tender no futuro para a criação de Macro-Regiões
agrupando regiões afins tal como pode ser o caso da Região Norte de Cabo Verde.
De resto existe uma corrente regionalista que defendem a tese que a verdadeira
Regionalização de Cabo Verde corresponderia à criação de Macro-Regiões e não da Ilha-Região. Considero que as duas ideias
não são incompatíveis e ambas têm o seu valor e mérito, ou seja é possível num
médio ou longo prazo encontrar mecanismos de integração política das Regiões
afins, pois como disse anteriormente, o modelo de Regionalização para Cabo Verde não pode ser um processo definitivo,
formatado, dogmático mas sim algo sujeito a uma progressiva evolução e
em constante avaliação crítica e aperfeiçoamento.
Assim considero
que a atribuição de mais poderes aos Presidentes de Câmara no presente contexto
político centralizado representará um presente envenenado às ilhas periféricas
(e aos seus dirigentes) redundando num prejuízo para as suas populações, pelo
que esta opção deve ser rejeitada. As futuras Regiões não podem
ficar reféns do Poder Central nem dos jogos políticos internos, devem estar
acima deles, para que os seus governos desempenhem as suas tarefas com total independência
e responsabilidade. Para além disso,
os cargos de responsabilidade regionais devem ser dignificados, não podem ser em
“part-time” nem mal pagos. Acredito na irreversibilidade de um processo de Regionalização que permita reconfigurar profundamente o país e tirar as ilhas periféricas de Cabo Verde do estado de letargia. A regionalização deve corresponder a um maior e melhor poder local e aproximar o poder das populações.
Afigura-se
assim inevitável a reorganização administrativa e política do país. A criação
de Regiões com autonomia Política e Administrativa terá implicações no coração
do próprio sistema e do regime, que terá que ser repensado, no sentido do seu redimensionamento
e reequilíbrio (talvez esteja aí a razão das resistências à Regionalização)
para evitar redundâncias. A criação de parlamentos regionais e de governos
regionais implicará uma redefinição, ou mesmo reforma do parlamento nacional, por
um lado, e do papel dos municípios, por outro lado, exigindo forçosamente no
fim uma reforma constitucional. Para que se possa criar um poder regional dotado
de órgãos e parlamentos regionais com custo quase zero para o país, afigura-se necessário
o emagrecimento da Assembleia Nacional e das Assembleias Municipais, com
redução do número de deputados nacionais e municipais. Por outro lado, torna-se
indispensável o reequilibrar a balança dos poderes no pais e entre as ilhas através
da criação de um Senado ou de uma Câmara Alta, onde cada Região terá um
certo número de assentos.
Resumindo a Centralização em
Cabo Verde constitui uma forma de governo, uma estrutura de organização
política anacrónica, paralisante, ultrapassada, que não responde mais às
exigências da vida moderna e da competitividade entre as nações evoluídas pelo
que deve ser abolida. O Estado Central não pode
continuar a exercer tutela sobre as colectividades eleitas. A Regionalização é pois uma exigência e uma
urgência para Cabo Verde.
ANEXO: Esboço de uma proposta de
Plataforma para Regionalização
11 Ideias para
a Implementação da Regionalização
-Medidas
a Curto Prazo
1)Abertura
imediata sem pré-condições do debate alargado à sociedade civil sobre
Regionalização, incluindo a Reforma do Estado, a Descentralização e a
Desconcentração do país;
2)
Reconhecimento de que o modelo de Regionalização para Cabo Verde não pode ser
um processo definitivamente formatado, dogmático, mecânico, mas sim algo sujeito
a uma progressiva evolução e constante avaliação crítica, sujeito a aperfeiçoamento
ao longo do tempo;
3)Reconhecimento
do Direito do povo cabo-verdiano à auto-governação local com a instituição
de parlamentos e de governos locais ou regionais;
4) Acordo
de Fim do Centralismo e transição para a Descentralização, mercê da transferência
de soberania, competências políticas, e recursos (humanos económicos e
financeiros) do Estado Central para as para as comunidades
regionais locais;
5) Acordo de
Desconcentração para melhorar a eficácia da máquina do Estado a nível local;
6) Acordo de
Descentralização com um Calendário ou Coteiro onde constam medidas concretas
(quantificadas e quantificáveis) para combater o Centralismo de modo a estancar
a desertificação humana das ilhas periféricas, a fuga de cérebros e ao
empobrecimento das ilhas;
7)Definição
do Calendário e do Roteiro para a Implementação da Regionalização
8)
Instauração no curto prazo de um Parlamento e Governo Regional Provisórios e em
regime Experimental na Ilha de S. Vicente, com amplos poderes políticos e
executivos até à oficialização da Regionalização, no sentido da urgente
recuperação económica e política da ilha;
-Medidas a Médio Prazo
9)
Reorganização Administrativa e Política do país: Reforma do Municipalismo e do
funcionamento do Parlamento Nacional no sentido de uma Regionalização a custo
zero;
10)Instituição
do Senado ou Câmara Alta com um representante em cada Ilha para o re-equilíbrio
político do país;
11) Reforma
Constitucional de modo a integrar perenemente plenamente as Reformas acordadas
na Constituição.
José Fortes Lopes
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