QUANDO O DEBATE REGIONALISMO E REGIONALIZAÇÃO MARCA A AGENDA
POLÍTICA
A- Tacticismos Políticos e os Desafios da
Regionalização.
O
Senhor Primeiro Ministro José Maria Neves (JMN) fez recentemente um
pronunciamento sobre a Regionalização no Facebook (Regionalismo, Regionalização e Taticismos Políticos) após um longo
e ensurdecedor silêncio sobre uma matéria de extrema importância para o futuro
de Cabo Verde. Tirando muitos aspectos de pura retórica política da sua
comunicação, é de saudar este facto, que poderia ser importante para o debate
se tivesse apresentado ideias novas e mais próximas da solução.
Logo à partida,
convém esclarecer uma ideia errada desenvolvida que pretende relacionar a
Regionalização como uma iniciativa da oposição partidária, ou que vem sendo
defendida por ela. A Regionalização nasceu da sociedade civil associada à
diáspora (que tem dado sim um apoio estóico, determinado e destemido à causa) e
o combate que dura 2 anos tem sido integralmente assumido por este movimento de
cidadania. Inclusivamente, fazem parte deste movimento pessoas com simpatia ou
filiação em todos os partidos. Embora até ao presente momento não se conheça
bem os contornos e os pormenores exactos dos projectos dos partidos da oposição
(MPD e a UCID), certo é que reagiram formalmente mais cedo do que o PAICV aos
apelos dos regionalistas. O posicionamento tardio deste partido prende-se
obviamente com questões de ordem ideológica, uma resistência a um projecto que
vai ao encontro da sua matriz ideológica leninista, embora muitos filiados deste partido sejam
favoráveis à Regionalização. Em relação ao MPD uma importante entrevista do seu
líder Ulisses Silva no Jornal de São Nicolau veio abrir novas perspectivas, ao
afirmar por exemplo que ‘Para a democracia ser forte e
de qualidade, a sociedade civil tem de ser autónoma e a cidadania ativa fazer
caminho’ ou que ‘o modelo centralista é um empecilho ao
desenvolvimento de São Nicolau’ e que
o seu partido já se definiu favorável à Regionalização, tendo inclusivamente
definido um modelo de Regionalização, que será o governo da ilha. Todavia, o mesmo deixa claro
que a única competência da Região é Deliberativa
e não Legislativa (um modelo sui generis, único no mundo), não perspectivando
assim hipótese alguma de soberania partilhada entre o Estado Central e as
Regiões, quando sabemos que a instituição de um Governo Regional implicaria a
atribuição de poderes e competências necessárias para legislação de âmbito
local/regional (é por esta precisa razão que JMN e uma la conservadora do PAICV
se opõem à verdadeira Regionalização), sem o qual poderá haver bloqueios no
funcionamento da própria Região e mesmo conflitos com o Poder Central. Embora o
MPD se afaste progressivamente das posições conservadoras daquele partido, teme-se
assim que estejamos ainda próximos da Regionalização Administrativa paicvista,
mercê do peso dos centralistas no partido.
Todavia JMN acusa o líder do MPD de ter um sobre a regionalização uma posição
confusa e eleitoralista, respondendo a desígnios meramente tacticistas. Assim
não se exclui futuros bloqueios no seio MPD à uma maior evolução da sua
posição.
JMN, apesar de
se ter declarado favorável à Regionalização, não alterou uma vírgula do seu
posicionamento anterior. Manifestando a sua abertura ao diálogo, fecha a mesma,
ao não querer discutir as Reformas necessárias, a saber Descentralização e
Desconcentração. Não sendo favorável aos pressupostos da reforma, toda a argumentação por
ele desenvolvida é contrária à própria ideia da Regionalização, matando assim à
nascença a hipótese de um debate aberto sem pré-condições. Convinha reconhecer
que o modelo de Regionalização para Cabo Verde não pode ser um processo
definitivamente formatado, dogmático, mecânico, mas sim algo sujeito a uma
progressiva evolução e constante avaliação crítica, sujeito a
aperfeiçoamento ao longo do tempo. Não reconhecendo assim o direito do
povo cabo-verdiano à auto-governação
local não responde ao apelo a um consenso para pôr termo ao Centralismo e
para a transição democrática para a Descentralização e o reforço da Democracia
Local, e tão pouco a necessidade da partilha e cooperação de soberania e
competências políticas entre o Estado Central e as Comunidades
Regionais Locais Eleitas. Ser contra um poder local forte é perpetuar a
situação em que os poderes da Praia continuem desrespeitando o voto local, a
exercer o seu ‘diktat’ sobre as comunidades eleitas, a dividir para reinar,
perpetuando os joguinhos e esquemas de manipulação partidária, a compra de
votos e de consciência, ou seja a política de baixa qualidade que tanto tem
desprestigiado Cabo Verde. No essencial não responde às questões colocadas
pelos regionalistas e chega até a justificar o centralismo ou mesmo a
continuação desta política, apostando inclusivamente numa política que foi
aplicada nos primórdios da Independência, há 40 anos, ou seja a nomeação de
Delegados do Governo sob estreita tutela do governo. De qualquer maneira,
fica-se curioso para conhecer as novas atribuições e poderes no quadro desta
Regionalização Administrativa. Na hipótese da sua concretização, pergunta-se
como é que os dois poderes (um eleito, o Autárquico) e o nomeado (o Delegado do
governo) iriam coabitar-se politicamente numa ilha como S. Vicente. Ao
apresentar de maneira definitiva o seu modelo de não Regionalização, JMN fecha
assim as portas a qualquer debate aberto. O PAICV coloca-se mais uma vez na
posição como um partido do bloqueio e situa-se assim mais uma vez na retranca
de um movimento de transformações sociais e políticos de Cabo Verde.
Mas se o PM é favorável à Regionalização
Administrativa e o reforço do Municipalismo então porque é que matou a ideia no
Colóquio de 2007 ou não aplicou estas ideias durante os seus dois mandatos? O
seu governo teve e tem todos os poderes para nomear os Delegados do governo ou
reforçar o poder dos municípios. Agora, ele não pode convencer as pessoas que
procedendo assim esteja a fazer Regionalização. Mesmo assim defende a
necessidade das reformas reclamadas pelos Regionalistas: ‘Num país de ilhas como Cabo Verde, a política
de regionalização é indispensável como exigência de desenvolvimento………………….Não
é possível avançar-se na regionalização através de um processo exclusivamente
jurídico-administrativo, para responder a exclusivos interesses
político-partidários ou de grupos... A regionalização deve,
pois, inserir-se num quadro mais amplo de uma profunda reforma do Estado e
da Administração Pública e num movimento gradual e progressivo de
descentralização administrativa que está intimamente correlacionado com os
processos de transferência de novas competências e correspondentes
recursos às autarquias locais....». Se isto não
contradiz com a sua posição oficial, então não dá para entender, e é com muita
pena que as reformas que aqui elenca não tenham sido concretizadas durante os
seus dois mandatos. Mas não tenhamos dúvida de que uma verdadeira
reforma do sistema cabo-verdiano exigirá revisão da Constituição para que esta
conquista tão importante do povo cabo-verdiano não seja posta em causa por
reviravoltas políticas.
José Fortes Lopes
Todos esperamos que haja uma resposta concreta e convincente do governo de Cabo Verde sobre este assunto, abandonando o seu circunlóquio.
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