ALGUMAS
IDEIAS ESPARSAS QUE BASTAS VEZES IRRITAM OS DETENTORES DO PODER
Não há dúvida de que quem lê vai consolidando o
seu pensamento, alijando ideias ultrapassadas ou não confirmadas pelo tempo e a
experiência, e aumenta os seus conhecimentos, hábito de leitura que,
infelizmente, vem diminuindo nos tempos que correm de tanta sofisticação
tecnológica informática dos meios de comunicação na base da imagem e do
movimento, como a net, TV, cinema, jogos informáticos, etc.
Um velho ditado latino diz que as palavras leva-as o vento, e os escritos ficam, o que nem sempre é verdade,
porque Jesus escreveu uma só vez, sobre a areia, não ficando nenhuma lembrança
disso; todavia, os discípulos reproduziram a sua mensagem nos Evangelhos.
Talvez seja esta – a de ter ouvintes e seguidores – uma das razões que me levam
a continuar a intervir e a escrever, não me importando com aqueles que me
atacam, tão solícitos e maneirosos com o Poder, untuosos e servis por receio e
cálculo que se desfazem em curvaturas da espinha correndo riscos de ficarem
corcundas. Consolo-me, também, com o facto de saber que só se atiram pedras às
árvores que dão frutos… Os do poder deveriam ter em conta que a adulação é como
uma baba viscosa da lesma, que conspurca por onde passa.
Tal como acontece no caso de uma pessoa, as
recordações, o mesmo é dizer, a memória
– aqui não me refiro unicamente à memória individual, incluo a colectiva – de
uma nação á a base da sua identidade. É por isso que, geralmente, se considera
que, sem uma historiografia rica e até polémica, o debate sobre as
características nacionais é uma imbecilidade. Sem memória, uma pessoa deixa de
o ser. Sem memória, uma nação não existe, ou só existe com base em mitos. É
pois justo e equitativo render homenagem à memória, tanto individual quanto
colectiva, particularmente a colectiva nacional.
Estão mesmo a suspeitar, ou a ver aonde quero
chegar: a destruição de muito património
nosso, oficial e oficioso, tanto em S. Vicente como noutras ilhas,
destruições que descaracterizam essas ilhas, que descaracterizam a nação.
Desprezando a memória, só nos ficam mitos,
grande parte trazidos ou defendidos por alguns que vieram da luta armada que
digeriram mal a ideologia de Cabral e outros revolucionários, como se não
tivéssemos um passado rico e valorizável. Há, até, afirmações e escritos em
edifícios públicos, como me confessou um amigo que visitou a Praia, de que, por
exemplo, a ambição de Cabral era ser camponês (no meio de outras patetices), o
que é ridículo, porque se realmente tivesse querido isso, tê-lo-ia feito pegando
numa enxada e não estudado em Cabo Verde e Portugal.
A indiferença
do poder às propostas e críticas dos cidadãos é confrangedora, dentro do
contexto do que classifiquei de ês ca ta
cdi! Não devemos, no entanto, ter receio de combater essa indiferença,
mesmo que sejamos poucos. Temos a razão do nosso lado e a força da nossa
consciência, o que o levará a ter de nos ouvir, como parece ter acontecido com
a nossa insistência com o estudo da descentralização
e da regionalização. Precisamos, no entanto, de estar vigilantes por a
experiência nos ter ensinado que a tendência é levar-nos à certa, é enganar-nos
com meias medidas ou desvios aparentemente respeitadores como a defesa cerrada
que vêm fazendo de imporem a desconcentração de serviços e de poderes e os
governadores civis, mas sem abrir mão da liberdade de escolha, pelos cidadãos,
dos que virão a governar-nos. Desconcentração de serviços e departamentos é uma
forma manhosa de descentralização, por o poder central continuar a nomear quem
bem entender para governar a nível local e regional, em vez de ser a comunidade
a fazê-lo, escolhendo ela os seus representantes, aqueles em quem confia e crê
competente para o cargo e a função. Há pessoas aparentemente bem-intencionadas
que andam baralhando os dados confundindo conceitos e apresentando dificuldades
e “problemas” que já rebatemos, ou enviesando questões que o bom senso resolve
facilmente e eles se recusam a equacionar. Essa a razão por que o Governo deve
constituir uma comissão multidisciplinar e plurissectorial para o estudo da
questão. Cadê o estudo da
regionalização, prometido pelo Governo, por entidade exterior independente que
já deveria ter apresentado o seu trabalho?
O receio do
poder central da descentralização e regionalização não tem nada a ver com o seu
custo, como nos atiram à cara, porque sabem que a regionalização será mais
eficiente e menos cara do que a máquina burocrática governamental actual. Acham
que será sinal de fraqueza ou de
cedência, o que é igualmente falso: o tempo e a experiência demonstraram
que as reformas são inadiáveis, porque quando não se fazem a bem, sê-lo-ão à
força, pela revolução, sempre de evitar. Não podemos nem devemos contentar-nos
com proclamações de valores que nunca se praticam. Fazer reformas pode
desagradar aos governantes, mas são úteis a termo tanto para o governo como
para o povo. Há, seguramente, pessimismo da parte do Governo – e pessimismo
dispensa-os de ser activos - sobre o seu resultado, mas se não as fazemos, as
coisas irão correr mal ou os progressos serão nulos.
Presumo que o Poder sabe que mesmo no caso de ele
representar a escolha da maioria, se
nada o limita, as maiorias podem sofrer a opressão
de minorias, a qual poderá tomar várias formas, sendo uma delas a recusa do
diálogo, que é uma forma de violência, como bem explicou Edgar Faure em Diálogo ou Violência?. O facto de o
Governo ser legalizado pelo voto não o torna, ao contrário do que muita gente
pensa, menos perigoso. Daí a necessidade de a sociedade civil e as suas
organizações estarem sempre vigilantes.
Constata-se, bastas vezes, que militantes de partidos políticos, mesmo
quando convencidos da incorrecção de posições partidárias, continuam, por disciplina partidária, a defender essas
posições. Em verdade, a disciplina (obediência) partidária obriga, quem quer
ser obrigado, a aquiescências ocasionalmente indignas, instalando-se a cobardia
sob a capa de prudência. Esta a razão das reticências dos militantes de
partidos, e até dos seus líderes, no tocante à regionalização. Porém, essa
modalidade espúria de disciplina pode ser contestada ou negada para questões
que não constam dos estatutos e dos programas eleitorais, o que poupa os
militantes a humilhações perfeitamente evitáveis. O temor do aumento da força
militante a nível local e regional deveria ser posto de lado, porque essa
força, ao invés de enfraquecer os partidos, robustece-os, dando-lhes maior
legitimidade. Quem não concorda com esse tipo de disciplina, só tem uma saída:
não ser militante de nenhum partido.
Relativamente à educação, certamente que ganhámos em quantidade; falta-nos ganhar a
luta pela qualidade, o que não está a ser encarado da melhor maneira. As dúzias
de instituições que se autoproclamaram “universidades”
não têm qualquer espécie de semelhança com a verdadeira coisa. Os professores
são, de maneira geral, pequenos personagens licenciados, um ou outro doutorado
para dar satisfação ou ludibriar o ministério de tutela. Muitos cursos não têm
saída em Cabo Verde, isto é, as profissões para que qualificam não existem
entre nós, e, fora do país, por não serem reconhecidos, não funcionam, o que
nos leva a concluir que estamos formando potenciais desempregados
“qualificados”, e favorecendo o mercantilismo universitário, por a chusma de
“universidades” ser mesmo negócio. O de que necessitamos é de um ensino menos
livresco, menos focalizado sobre profissões inexistentes ou de nulo interesse nacional,
mais práticas e profissionais, viradas para as nossas necessidades; mais
formações em artes e ofícios, e não formar gente que não terá ocupação, como
estamos fazendo nas “universidades”.
É urgente que os nossos intelectuais, governantes e operadores económicos tenham mais
ousadia, tenacidade, sabedoria, receptividade e ambições para podermos
progredir, sabendo-se que, para avançar, nada melhor do que experimentar,
correr alguns riscos mas conservando os pés bem firmes no chão. O velho mundo
rural que a maioria de nós conheceu foi esquecido, refugiou-se nos centros
urbanos. Sente-se, no entanto, mal aí correndo o risco de se introduzir na
droga, na criminalidade e na prostituição. Há urgência na criação de condições,
em todas as ilhas agrícolas, que fixem os que ainda lá permanecem e atraiam os
que partiram, como expliquei noutro texto.
Da justiça já
escrevi bastante. As pessoas desconhecem que já Platão, cinco séculos antes de
Cristo, afirmava que, numa sociedade civilizada, as leis seriam em número
reduzido, e não como entre nós, de uma abundância assustadora e raramente
aplicadas na sua dureza e isenção. Elas são, na sua maior parte, portas abertas
para arbitrariedades, por conterem alçapões disfarçados que somente os juristas
dos escritórios privados de advogados (sempre os mesmos) que as fizeram
conhecem, pelo que, além de serem pagos pelo Estado para as produzir, ainda
cobram mais dinheiro deste, para as interpretar, e dos réus com dinheiro para
se safarem de condenações. Uma autêntica mina para alguns escritórios de
advogados, quando os da Assembleia Nacional, do Ministério da Justiça e de
outros ministérios poderiam fazer essas leis sem custo para o erário público e
sem alçapões. Temos vivido em furor legiferante, quando deveríamos procurar
dispor de leis simples e aplicáveis e revogar as não aplicáveis nem
regulamentadas.
Lisboa, 25 de Fevereiro de 2014
Arsénio Fermino de Pina

Em boa hora vem este excelente artigo curto e certeiro. Muitos recados e a carapuça vai enfiar em muitas cabeças já com umas tantas
ResponderEliminarQue ninguém pense que os artigos do Arsénio não são lidos. São mas é dificeis de contestar. Podem crer que (hà provas) são espezinhados.
ResponderEliminarMuito gente vai se encontrar nas citações do médico/jornalista
Esplêndido texto. Sintético mas abrangente e denso de recados bem direccionados.
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