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sábado, 2 de agosto de 2014

[7245] - CABO VERDE - RECORDANDO GENTE GRANDE...

Augusto Pereira Vera Cruz (Sal, 1862 – 1933)
Foi armador, comerciante, político, deputado e agente consular de vários países. É o único cabo-verdiano conhecido por senador, depois de ter sido eleito para este cargo, em 1912, até à queda da I República, em 1926, pelo círculo de Cabo Verde”
Foi presidente da Câmara Municipal de S. Vicente (1898 – 1901) a ele se devendo a fundação do primeiro Liceu em Cabo Verde e outras iniciativas que muitos benefícios trouxeram às populações do Arquipélago.
CABO VERDE
A SITUAÇÃO DA PROVÍNCIA
O arquipélago de Cabo Verde, mercê, em parte, da sua situação geográfica e do absoluto abandono a que foram votadas a sua agricultura e industrias, portos marítimos, vias de comunicação terrestres e demais elementos, de indispensável apetrechamento económico, não podia deixar de vir acusando um agravamento sucessivo do mal profundo que há séculos o veem corroendo, mal que, exteriorizando-se nas mortíferas crises alimentícias que lhe dizimavam a infeliz população, atingia todos os órgãos essenciais à vida, todos os primaciais factores de diversa produção.
Contra o caminhar rápido do flagelo que ameaçava tudo, tentei, desde que há 13 anos venho representando Cabo Verde no Senado da República, erguer por meio de diplomas legislativos de carácter fundamentalmente protecionista, uma barreira para opor ao caminho da ruína e de perdição. Em luta com uma aguda crise financeira e assoberbada por preocupações que o problema da ordem pública tomava, não podia a Metrópole, embora assim o quisesse, subsidiar fartamente as obras de fomento em que assentava, todo o plano de transformação económica de Cabo Verde. Era, pois, preciso contar com recursos próprios da colónia, dessangrada na sua população valida pela mortandade das crises e pela emigração, e exausta de recursos pelos encargos resultantes de longos anos de escassez de receitas públicas.
Esses recursos existiam – o importante rendimento das taxas de transito dos telegramas – mas, tendo sido votada no Parlamento em 1914 a autonomia financeira das colónias, e atendido um projecto, meu de 1912, que consignava a Cabo Verde 50% de tal rendimento, impossível foi, até há bem pouco, conseguir que a Direcção Geral dos Correios e Telégrafos se resolvesse a efectuar uma tal partilha, que, quando feita em devido tempo, teria evitado a perda de milhares de vidas, que tantas foram as que em Cabo Verde foram desumanamente ceifadas pela fome.
Na luta que travei no Parlamento, na Imprensa, nas Secretarias d’Estado para conseguir para a minha colónia natal o rendimento que o Poder Legislativo justamente lhe consignara, tudo empenhei, inclusive o meu lugar de senador, que cheguei a resignar em 1919, desgostoso com as dificuldades suscitadas caprichosamente, ao simples e comezinho cumprimento da Lei; mas de todo esse trabalho e de todos esses desgostos me acho hoje suficientemente compensado porque Cabo Verde, assegurados recursos para a grande obra da sua reconstituição económica, só espera, para ser próspero e feliz, que o Governo Provincial aplique tais recursos em melhoramentos de indiscutível utilidade, tais como adaptação do magnífico Porto Grande de S. Vicente às suas naturais funções de avantajado competidor dos de Las Palmas e Dakar; dotação dos portos da Praia e da Furna, na ilha Brava com melhoramentos de que carecem para desempenho do papel que lhes cabe na economia do Arquipélago; captação de e aproveitamento das águas correntes existentes, de modo a torna-las o factor essencial do alargamento das zonas agricultáveis; auxilio apropriado a todas as indústrias locais que, ocupando braços e remunerando capitais, provoquem o desenvolvimento de iniciativas e criação de riquezas; enfim, a utilização prática e metódica de todos os recursos naturais da colónia, libertando-a para sempre do vexame da esmola.
À testa da administração da Colónia encontra-se hoje, um homem novo, inteligente, de energia e boa vontade; -- o Governador Dr. Júlio d’Abreu, -- sendo legítimo esperar que a sua acção benéfica se faça sentir em Cabo Verde, que tanto carece do devotado carinho dos seus dirigentes, do amor patriótico dos seus governantes.
Da sua profícua acção confio eu também a melhoria da situação da minha terra natal, a que tenho votado todos os meus esforços e a que tenho sacrificado todo o meu sossego e interesses pessoais, e oxalá que esta minha esperança, final da minha vida política, aviventando-se com a efectivação gradual de um vasto plano de fomento, se transforme nessa realidade deslumbrante que, assegurando de vez a prosperidade dos meus irmãos de Cabo Verde, acrescente mais um florão de glória à nossa mãe Pátria – Portugal.
Augusto Vera Cruz
In : Gazeta das Colónias - 1924

Pesquisa de A,Mendes


4 comentários:

  1. Grande senador, um verdadeiro filho da terra, daqueles que não se limitaram a nascer em Cabo Verde e recentemente muito falado no Pd'B. Contudo, nunca é demais lembrá-lo, coisa que o Ac'A agora também fez. Ou seja, cumprimos aquilo que é a nossa real função de bloguistas arquipelágicos verdianos.

    Viva o senador, viva Cabo Verde,
    Djack

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  2. É isso mesmo, Djack...Por isso mesmo acabo de editar sete fotos de Nôs Terra!

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  3. Este Homem merece ser sempre lembrado pelos cabo-verdianos. Mas não creio que o Cabo Verde independente tenha feito o suficiente para o grudar na memória colectiva como se impõe.

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  4. Ele tambem neto de Manoel Antonio Martins.

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