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quarta-feira, 20 de agosto de 2014

[7296] - CABO VERDE - O ÉBOLA DO SEC. XIX...


…” Voltamos ainda á epidemia assoladora que reina em Gorée.
Os acontecimentos sucedem-se e multiplicam-se; as discussões levantam-se calorosas e esmorecem; cada um aprecia as coisas como ouve e entende, ora adulterando, ora exprimindo pontos de verdade, e no meio d’este luctar perplexo e infernal aparece-nos o suplemento ao nº. 37 do Boletim Official, com data de hontem , a abrir-nos ante os nossos olhos um tapete de rosas.
Cobre tudo de flores, poetisa tudo, e diz-nos com toda a ingenuidade de uma creança, que a Guiné está n’um mar de leite; que tudo ali respira tranquilidade!...
O suplemento a que fazemos alusão parece-nos um perfeito brinquedo, pelo jubilo que patentêa, pelo ‘stylo ingenuo em que é concebido, e ainda pelo modo descuidoso porque versa sobre um negocio que exige a maxima seriedade.
Quando todas as atenções se acham fixas sobre o quadro luctuoso que está oferecendo aquella possessão franceza; quando todos os espíritos se acham agitados pela ideia da quasi inevitável importação da febre amarella para os pontos que ocupamos no districto da Guiné, como demostrámos anteriormente; quando todos, finalmente, receiam contemplar de novo as scenas consternadoras e horrorosas de 1868, vem a folha do governo provincial proclamar a paz, sem que ella possa existir de forma alguma presentemente!
Declaramos afoutamente, que estas manifestações malcabidas não serão por nós abraçadas no sentido em que ellas querem ser impostas ao publico.
O caso exige cuidado maduro, providenciais mais que suficientes.
Que razões pode haver para que nos revistamos de tranquilidade para desprezar o flagelo, quando elle ainda apenas começou na sua obra devastadora, e por conseguinte, quando é a ocasião própria de ser combatido e evitado?...
E demais as noticias que por ahi correm e as que temos de pessoas fidedignas, residentes na Guiné, estabelecem plena contradição á serie de narrações que se lêem no predicto suplemento.
Adiante encontrarão os nossos leitores uma correspondência de Bissau, que nos merece todo o credito, e em que se diz que poucas privedencias tem sido ahi tomadas pelo chefe do districto, posto que o aditamento ao Boletim Official nos assevere o contrario.
É baseado n’estes casos cheios de contradições a qual mais assustadora, e de suposições a qual mais inextinguível, que chamamos com instancia a mais vigorosa atenção do chefe d’esta provincia, sobretudo porque há fundados receios de que é inevitável a epidemia no nosso território pela constante communicação que soffre por terra. E se ainda não foi assolado (sic) pelo terrivel flagello, como participa o governador do districto, é porque ha ou póde haver probabilidades d’isso.
Acresce ainda mais a este conjunto de coisas o achar-se em péssimas condições o estado alimentício da villa de Bissau, aonde concorrem varias povoações gentílicas acossadas pela fome, que n’ellas tem produzido uma aterradora mortandade.
Encarando as coisas por todos os lados, é para merecer justíssima censura qualquer acto administrativo sem fundamento de acertada providencia, censura que aliás faremos com toda a imparcialidade, tal como louvamos as medidas coherentes.
E partindo d’este ponto temos n’este momento de estranhar que o governo afretasse um navio que acha fora do porto d’esta cidade, e que por isso não pode ir a Guiné senão depois de decorridos 6 ou 8 dias pouco mais ou menos, rejeitando uma outra embarcação que, por mais um pequeno excesso às condições de preço, poderia seguir viagem para alli a qualquer hora ou instante que lhe fosse determinado.
É assás louvável a economia dos fundos da fazenda por parte de quem sobre elles tem ingerência; mas não é e nem pode sêl-o desde o instante em que motivos como os que acabámos de apontar requeiram prontas e urgentes providencias; desde o instante em que essas providencias consistam em um fim moral e humanitário, que é socorrer em circunstancias aterradoras uma grande porção de existências, que luctam com a ideia da morte e com a falta de alimento.
Sr. Conselheiro Sampaio; em prol da dignidade da nação portugueza; em beneficio dos habitantes da Guiné e salvaguarda dos d’este archipelago, chamamos a sua atenção, por meio d’este órgão, para a critica circunstancia d’aquelle importante districto.
Não somos nós tãosómente a clamar, é tambem o povo, a sociedade.”
A seguir: A edificação do Lazareto

Pesquisa de A.Mendes




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