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terça-feira, 2 de setembro de 2014

[7344] - NA PONTA DA LÍNGUA...

Deixem estar os mexilhões, os lingueirões, os berbigões e até as amêijoas e provem-nos antes de os disfarçarem!


 Vinte anos de amizade depois — e com muitos meses e anos de almoços e jantares pelo meio — telefonei-lhe para saber como é que ela o tinha cozinhado, só com água do mar.
Nestes meses dos moluscos de concha a coisa mais deliciosa que se pode fazer é não lhes fazer quase nada. Comer lingueirões, mexilhões, berbigões e amêijoas ao natural significa apenas abri-los em água salgada, tirando-os do lume mal morrem, abrindo as conchas e soltando a água saborosa que contêm.
Vêem-se para aí receitas ditas “ao natural” que metem azeite, alho e outras coisas. Nada disso. Isso são receitas. As amêijoas ditas à Bulhão Pato, quando as amêijoas, os coentros, o azeite e os dentes de alho são frescos e bons e a frigideira é rápida e bem julgada, são irresistíveis. Mas, para compreender a beleza dessa receita, nada há como prová-las ao natural, sem sumo de limão.
Segundo a dona Ana Maria Rainha, tanto as amêijoas como os lingueirões, os berbigões e os mexilhões devem ser só tapados por água do mar (ou água pouco salgada, mas sempre com um bocadinho de sal, para não ficarem desgostosos). Depois é só pô-los ao lume até eles abrirem. Servem-se imediatamente. Sem sumo de limão.
Os lingueirões, os mexilhões e os berbigões são muito melhores ao natural do que doutra maneira. O sabor que têm é bom de mais para estar a disfarçá-los. Quanto às amêijoas, também prefiro à Bulhão Pato mas, quando as amêijoas são mesmo gordas e boas, também não precisam de mais nada.
Não é seguro comer mexilhões selvagens porque o mexilhão (tal como as ostras e as conquilhas) defende-se mal dos venenos, seja em forma de alga azarenta ou coisas piores. Devem comer-se os mexilhões e berbigões criados e depurados profissionalmente em Portugal. O mexilhão de Vila Praia de Âncora, por exemplo, é sempre bom, sempre barato e sempre de confiança. É tristíssimo ver bons restaurantes a servir mexilhões verdes que, não sendo maus de todo, são congelados e provenientes da Nova Zelândia.
Tanto os mexilhões como os lingueirões não perdem nada em serem abertos numa grelha de brasas, desde que sejam removidos mal abram, para não perderem o valioso suco.
Quando como berbigão gosto de ter o caldo deles numa tigelinha no meio do prato. Assim, cada vez que tiro um berbigão, levo-o ao banho, para comê-lo dentro da água dele. É um desperdício comer os bichinhos sem aproveitar o molho natural que trazem com eles.
Se comer estes preciosos moluscos ao natural fosse dificílimo, aposto que seria mais frequente aparecerem nas ementas dos nossos restaurantes. Mas, lá está, se os bichinhos não forem de primeira qualidade e não estiverem bem vivinhos, mostram logo os defeitos todos a quem os provar.
Começa a ser raríssimo encontrar as melhores (e mais caras) amêijoas nos bons restaurantes. Há mais de uma dúzia de variedades e meia dúzia de classificações de qualidade. Pode-se chamar “amêijoas” a todas elas. Quanto mais tenderem (como cada vez mais tendem) a ser rascas, mais é preciso tentar disfarçá-las com versões piratas do Bulhão Pato que podem incluir, selvaticamente, vinho branco, mostarda e manteiga.
Outra moda horrenda que agora há é cozer os percebes à maneira galega, com louro e alho. É mais uma maneira de disfarçar os percebes menos frescos. Mas o pior é quando se faz assim com percebes acabados de apanhar, só por ser moda.
É fácil comprar bom mexilhão e bom berbigão (leia as etiquetas, muito informativas). Parece-me que é ao sábado que estão mais frescas. Pode ser à sexta-feira, nalguns casos, por ser esse o dia em que vão buscá-los. Cuidado, para não apanhar os mais velhos em vez dos mais novos!
Para comê-los ao natural não tem de ter alhos bons, de chão seco, tão difíceis de encontrar, nem coentros fresquinhos, nem bom azeite. Basta água com um bocadinho de sal.
Enquanto não é fácil fazer umas amêijoas à Bulhão Pato, é facílimo abri-las numa frigideira com água salgada. Dão menos trabalho, menos nervos e menos lavagem de louça.
Não podia ser mais simples — e saboroso.


4 comentários:

  1. ACABO de chegar de uma dezena de dias em Roterdão onde bem sequer fui ver museus ou outros sitios ditos culturais pois andei com um amigo que me guiou e me levou a vàrios conterrêneos. Como de hàbito, vamos falando a cada vez.
    Braça

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  2. Magnifica lição de quem sabe do assunto. Como sei pouco acerca deste petiscos, acredite que o seu conselho não caiu em saco roto, Zito, E obrigado.

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  3. Olá, Val, sê bem-vindo...
    Adriano, eu sou adepto de comer estes bivalves ao natural, tal como o Miguel recomenda e, ao contrário da maioria das pessoas, eu gosto dos percebes...quentes!
    Bom apetite!

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  4. Encheu-me a boca de água e apertou este coração saudoso de vocês
    Uma saudade que só nos entendemos!

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