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quinta-feira, 4 de setembro de 2014

[7356] - A NOVA GUERRA SANTA...


OPINIÃO
Choque das civilizações - o Estado Islâmico

JOSÉ LOUREIRO DOS SANTOS 

29/08/2014 - 02:22
Ao longo do processo a que iremos assistir, poderão ser despertadas forças há muito subjugadas pelas fronteiras impostas pelas antigas potências coloniais, criando-se condições para reajustar as fronteiras de algumas regiões.

Eis finalmente concretizada a previsão de Samuel Huntington, exposta no livro de 1996 Choque de Civilizações e a Reconstrução da Ordem Mundial, com a emergência do Estado Islâmico (EI), cujo líder se assumiu como Califa, a quem os muçulmanos de todo o mundo devem obediência, e tenta restaurar o califado islâmico. Guerra de civilizações, apesar da opinião em contrário de Obama, quando se referiu à degolação do jornalista James Foley. Aliás ela está em curso desde que surgiu a Al Qaeda agindo à escala global.

A maioria das pessoas que se têm debruçado sobre a evolução da ordem internacional depois do fim da guerra-fria considerou como improvável a previsão huntingtoniana, fundamentando-se no raciocínio de que uma situação dessas exigiria o completo desrespeito dos direitos humanos e das regras básicas de comportamento que o progresso civilizacional de muitos séculos conseguiu, o que julgavam impossível.

Pois o impossível aí está. Na barbárie mais extrema, com a finalidade de concretizar objectivos milenares, reconstituindo o califado erigido pelos sucessores de Maomé no século VII, no ano 632, cujo território se manteve até 1258. E como consequência restaurar o poder global do Islão.

É esta barbárie inominável que tenta concretizar o projecto de Bin Laden, mas ultrapassando em vandalismo os limites que a Al Qaeda aceita, agora num patamar superior, envolvendo a conquista territorial e o desafio aos EUA que, ao responder, reforça o prestígio do EI e atrai mais aderentes à sua causa.

Já referi noutro artigo que a principal razão que explica esta emergência da tentativa de restauração do califado na região Síria/Iraque resulta de dois erros estratégicos cometidos pelos EUA. O primeiro, da responsabilidade de Bush, quando invadiu o Iraque, com os efeitos que se conhecem, e o segundo, cometido por Obama, ao promover uma insurreição contra o regime sírio, mas sem dar o apoio militar que os insurgentes requeriam, o que permitiu a ascensão dos grupos mais extremistas na contestação do regime de Assad e conquista do território por si controlado.

São estes grupos extremistas que dirigem o actual Estado Islâmico, com destaque para a Al Qaeda no Iraque (o seu nome original), que aqui combatera de modo encarniçado contra o domínio xiita e as forças americanas, sob a direcção inicial de Zarqawi e depois do sucessor e actual líder – Abu Bakr al-Baghdadi.

A sua ferocidade é tão desmesurada que Zawairi, líder da Al-Qaeda, a expulsou da organização. Mas os êxitos que o EI tem tido são de tal envergadura e projeção, que muitos dos alqaedistas que combatiam no Norte de África, no Iémen e em outras regiões, acorreram a engrossar as suas hostes, a que também se têm juntado numerosos muçulmanos europeus e norte-americanos.

Os EUA já se deram conta da dimensão desta ameaça, quando o Secretário da Defesa reconhece a sua forte e determinada motivação política, incendiada por um fanatismo religioso sem limites e concretizada por notáveis capacidades, tanto estratégicas como tácticas

E particularmente quando o seu general CEMGFA afirma ser indispensável combatê-la na própria Síria, onde dispõe das suas principais bases, para que seja neutralizada. Se esta manobra estratégica for materializada, a Síria passará de inimigo a aliado, o que confirmará o erro norte-americano inicial e confirmará as declarações de Assad, pelas quais se fosse apeado seriam os terroristas a substituí-lo.  

Para extirpar este “cancro”, nas palavras de Obama, seria desejável que se constituísse uma aliança de Estados legitimada pela ONU, como Hollande parece desejar, com a finalidade de desenvolver um esforço colectivo, que não poderá ser confundido com uma cruzada. Tratar-se-á de uma luta em defesa dos direitos humanos e contra a barbárie que despreza as regras que, ao longo de muitos séculos, foram sendo criadas pelos progressos do comportamento humano. Uma luta que deveria ser conduzida, até por razões simbólicas, por uma aliança de várias nações com origens e desígnios diferentes, portanto com tipos civilizacionais e religiosos diversos, mas seguidores de regras de conduta comuns aceites pelo conjunto das nações.

Esta campanha terá de ter sucesso. Não no imediato, certamente. Mas a prazo.

Ao longo do processo a que iremos assistir, poderão ser despertadas forças há muito subjugadas pelas fronteiras impostas pelas antigas potências coloniais, criando-se condições para reajustar as fronteiras de algumas regiões, nomeadamente na área abrangida pela Síria, o Iraque, a Arábia Saudita e o Iémen.

O que poderá dar lugar a novas geometrias políticas, já previstas pelo New York Times em Setembro do ano passado: Alauitestão (na costa mediterrânica da Síria actual, onde os alauítas se refugiarão); Curdistão (resultante da união das zonas curdas da Síria e do Iraque, podendo mais tarde alargar-se ao Curdistão turco); Sunistão (constituído pelas áreas sunitas da Síria e do Iraque); Xiitistão (situado no Sul do Iraque em redor e ao Sul de Bagdade onde predominam os xiitas); provável desmembramento da península da Arábia, onde a Arábia Saudita se dividirá numa zona central wabita (o Wabitistão), à volta da qual, além do núcleo religioso do Islão com base em Meca, existirão várias unidades políticas definidas por fracturas tribais e religiosas; finalmente, divisão do Iémen em duas entidades distintas, de acordo com a predominância religiosa – xiita ou sunita.

Sugeido por José F. Lopes

6 comentários:

  1. Tinha acabado de comentar este tema num post anterior quando deparo com este artigo do "nosso" General. Estamos em concordância. Não basta liquidar o EI ou aprisionar os seus líderes, dar-lhes uma lição que fique na memória, até porque o Ocidente está longe de possuir ou merecer o adequado estatuto ético-moral para uma incumbência desta natureza. Pois, mais importante é redesenhar a geografia no Médio Oriente, sem o que jamais haverá paz na região e no Mundo. E mesmo assim não sei se haverá paz quando uma religião é ela própria fonte de ódio e intolerância desmedidos, trancando nos espíritos qualquer hipótese de verdadeiro progresso humano. Julgo que qualquer negociação ou entendimento diplomáticos seria possível com os estadistas laicos que foram assassinados (Bush e Sarkozi) pelo Ocidente (que terrível paradoxo!) mas dificilmente com líderes religiosos tão extremistas e desvairados nos seus propósitos e nos seus meios e processos. E sendo assim, qual então a solução? Nem quero imaginar...

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  2. De algum tempo para cà venho observando a evolução dos extremistas e passando a "alguns intressados" documentação que recebo, tendo inclusivé recebido comentàrios que me pareceram de gente desinteressada ou indocumentada.
    Se sigo o que se passa aqui em Franca, nos dez dias em Roterdão vi aspectos que me desagradaram sobremaneira e, ao chegar à casa recebi um postal da Bélgica que, a brincar, diz muita coisa. Ê verdade que (penso) nunca estivemos em tão maus lençois devido o laxismo de certos governos depois das grandes asneiras cometidas no Iraque e na Libia.
    Como sair disso? Não vejo o General para nos vai meter no caminho certo.
    V/
    P.S. - O PM francês (13% de popularidade, ontem) nomeou hà dias uma muçulmana seu Ministro da Educação.

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  3. Que me perdoem os estrategas do diálogo,mas para gente desta estirpe só há um remédio eficaz: - "Com quem ferro mata ..." Como diria o "general" Raspa: -" Dizimá-los na mesma proporção".

    Foi ontem declarada solenemente a "exportação" de ódio e sangue para a India !

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  4. Amigos o Médio oriente é uma terra de desencontros de civilização e de políticas. O mal está feito agora é rezar. Como se diz: aguenta 'Santa Bárbara'.

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  5. Tenho para mim que afloram nesta conturbada região, problemas já antes detectados em Africa, fruto de um desenho geográfico que se tornou num cancro de células étnicamente irreconciliáveis...Penso na guerra do Katanga e, anos depois, nas de Angola e Moçambique, em que, julgo eu, o distanciamento politico-ideologico propalado como causa primeira dos conflitos, escondia ódios étnicos evidentes e apenas suavisados no antagonismo comum ao Estado Colonial...As fronteiras de conveniencia para a Europa ignoraram a existencia de reinos de jurisdição secular e sobados cuja importancia politica foi minimizada...Recordo aqui, por exemplo, que o povo Luena, predominante no Alto Zambeze (Angola) era igualmente abundante na, então, Rodésia do Sul, na zona de Balovale, a ponto de autoridades portugueses terem organizado o rapto da Rainha Nahactole, que residia na Rodésia e passou a residir na zona do Posto de Nana Candundo, Alto Zambeze, Angola...Tudo isto porque a fronteira era, como a grande maioria, uma ficção geográfica que ignorava o mais importante: os povos e a sua zona geográfica de influência civilizacional...No Medio Oriente onde, quiça, se terá cometido erro semelhante, acresce a memória das Cruzadas cristãs e do rasto de sangue em que se nutriu o
    ódio de gerações de islamitas das mais diversas origens e propósitos...
    Hoje, é impossivel remediar todos os males do passado e o fosso que, entretanto, se foi aprofundando está hoje repleto de ferozes e abundantes defensores de um sectarismo religioso que só tem paralelo na Santa Inquisição Cristã!
    Um mal, claro, não justifica outro, mas cada dia é mais dificil escolher entre as escassas opções nesta encruzinhada do terror!

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  6. O meu apreço pelo comentário do Zito, que em linhas gerais converge com o meu pensamento quando opino que o Ocidente tem graves e sérias culpas no cartório.Esta é uma verdade incontestável e vale tanto para o Médio Oriente como para a África, como bem frisa o Zito.
    A questão agora é o que fazer e como fazer. Dizimá-los, como sugere o A. Mendes, é solução ao alcance dos meios militares ocidentais, caso o EI mantenha a intenção de se demarcar em território, nele instalando e movimentando forças. Ora, basta o recurso a meios aéreos e a forças terrestres de grande mobilidade proporcionada por meios heli para se operar a sua dizimação. A menos que, cobardemente, se instalem, como estratégia calculada, no seio das comunidades urbanas, fazendo reféns os civis, nomeadamente mulheres, velhos e crianças. É o que faz o Hamas, com os resultados que conhecemos. Mas se o EI não o fizer e quiser fazer valer os seus pergaminhos, mantendo-se no terreno da batalha e nele enfrentando o adversário, estará a mostrar uma ingenuidade que só surpreenderá se não a conotarmos como uma atitude de índole profética para impressionar o mundo muçulmano (imolação de mártires).
    Agora, o que o mundo não pode é continuar a assistir passivamente ao massacre de gente indefesa, à reedição da mesma barbárie que mobilizou o mundo livre contra a Alemanha nazi. E, atenção, os níveis de barbárie têm ultrapassado o que aconteceu com os nazis. Esses, pelo menos, faziam prisioneiros de guerra, coisa que não passa pela cabeça destes jihadistas. Outra diferença é que parecem regalar-se com o sofrimento humano, reencarnando o que só pode ser o demónio na sua expressão mais dantesca.
    Por tudo isto, A. Mendes, provavelmente não restará outra hipótese ao mundo senão dizimar aquilo que é uma perfeita aberração da natureza humana. Não é possível regenerá-los, convertê-los à humanidade.
    Sublinhe-se a imperiosa necessidade de arrumar o mundo, uma tarefa em que nem a Europa se deve excluir, bastando lembrar os Balcãs e os milhões de muçulmanos que habitam países como o Reino Unido, a França e outros. Não pode a Europa consentir cavalos de Tróia no seu seio, ainda por cima facultando-lhes os mesmos meios que o regime liberal consagra a todos os que se identificam com os seus valores culturais. Sim, o mundo tem de ser arrumado, mas antes disso precisa de verdadeiros líderes, da estirpe de um Churchill, de um Roosevelt ou de um De Gaule, porque a obra não poderá ser para aprendizes de feiticeiro.

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