Vasculhando recortes de jornais, deparou-se-me um do amigo engenheiro Edgar Gomes dos Santos, datado de 2006/7, publicado no Terra Nova, intitulado Alfabetização e Universidade. Como o patrício é técnico de sólidos conhecimentos, longa experiência em vários climas e culturas e escreve com aquela elegância e propriedade de linguagem de alguns do seu tempo, reli com gosto e proveito o artigo, de que irei servir-me para complementar o que escrevi no meu último livro a páginas 277 e 294 (Das Energias Renováveis e Limpas, Artes e Ofícios e Tempos Modernos) quanto à metamorfose do ensino técnico-profissional, negligência na criação das nossas universidades, o despropósito do seu número e a necessidade de investir na melhoria geral da qualidade do ensino.
Através dessas linhas apercebemo-nos de que há países desenvolvidos que não possuem universidades, o Luxemburgo, por exemplo, o mais rico país da Europa e altamente desenvolvido, com uma população mais ou menos igual à nossa, que utiliza as universidades de países vizinhos – Alemanha, França e Bélgica – para a formação superior dos seus estudantes. Possui institutos em vários ramos técnico-profissionais, escolas e liceus de alta qualidade.
Nós, com o mesmo número de habitantes, equilibrando-nos mal no baloiço entre o subdesenvolvimento e o desenvolvimento médio, sem recursos nem para mandar cantar um cego, já vamos em sete instituições universitárias, no Mindelo, e outras tantas na Praia (com promessas oficiais de mais), e o atrevimento de formar mestres e doutores. Das universidades, duas são públicas, as restantes privadas, quando nem temos quadros qualificados suficientes para uma única universidade em condições. A maior parte dos professores são licenciados e o número de doutorados muito longe de respeitar a norma estipulada para uma universidade. Não obstante a pequena distância e as comunicações diárias entre S. Vicente e Santo Antão, esta ilha já quer também uma universidade, como se esta se constituísse por prestidigitação ou com a facilidade de um trapiche.
Com tamanha abundância de licenciados a saírem das nossas universidades para o desemprego, temos, por outro lado, sérias dificuldades em encontrar um electricista, carpinteiro, canalizador ou outro técnico, como se chamavam outrora, das artes e ofícios. Quem viveu em S. Vicente há alguns anos tem a grata recordação da Oficina da Pontinha com a Escola de Artes e Ofícios dirigida pelo invulgar Mestre Teodoro Gomes, vulgo Cunco, formado nas bem apetrechadas Oficinas das Companhias Inglesas, onde mestres ingleses formavam técnicos nossos sumamente competentes.
Infelizmente, como recomendou, debalde, René Dumond aquando de uma visita ao país, repetiu o colega Ireneu Gomes e eu próprio, diazá, em vez de enganarmos os outros com liceus, pseudo escolas técnicas e universidades, deveríamos ter investido nas componentes técnicas e práticas, as quais vão desaparecendo nas escolas técnicas em benefício da teoria e formação geral graças à ridícula aristocratização de profissões técnicas, de minguada utilidade.
A licenciatura em Enfermagem com o encerramento da Escola de Enfermagem Pública, que funcionava no Hospital Baptista de Sousa, cujo apetrechamento foi financiado pela Fundação Gulbenkian, não consegui entendê-la. Qual o trabalho dos futuros licenciados em enfermagem? Se é simplesmente por uma questão de melhoria da qualificação, uma formação pós graduação seria suficiente. Se for somente para aquisição do título de licenciado ou de doutor, isso irá confundir muitos espíritos e baralhar os dados na Função Pública.
Sabe-se, dada a tendência de os nossos governantes imitarem o que de menos bom se faz em Portugal, ou que dá lucro aos nossos chamados operadores económicos (a denominação comum de comerciante já é quase ofensiva, dada a aristocratização da profissão) sem grandes canseiras e com poucos riscos, que as universidades privadas, nossas e portuguesas, licenciam profissões que não existem nos respectivos países, de baixa qualidade, também chamadas profissões e doutores da mula ruça, por lhes interessar mais o número do que a qualidade, dentro do seu espírito mercantilista, isto é, mais interessadas e vocacionadas para ganhar dinheiro, do que para a formação de profissionais competentes e de utilidade para o desenvolvimento do país. Não poderia ser de outro modo por a vocação do negócio ser de obter lucros a todo o custo, a maioria dos professores serem licenciados, havendo um ou outro doutorado para enganar o pacóvio e tranquilizar o ministério de tutela.
Parece-me lícita a pergunta: serão universidades as nossas, ou simples imitações apressadas para venda a retalho de diplomas?
As universidades não têm o direito de defraudar as expectativas de jovens e das famílias, atribuindo-lhes diplomas sem préstimo e sem valor, de formar ignorantes com diminuta cultura. As universidades já não são apenas lugares de ensino mas também espaços de ciência e de criação que abrangem inúmeras iniciativas, onde se concretizam ideias e projectos sociais, culturais, empresariais e tecnológicos fundamentais para a vida económica e para o desenvolvimento social, como nos diz o Reitor da Universidade de Lisboa, Doutor Sampaio da Nóvoa.
Será que haverá uma avaliação e prestação de contas exigentes da gestão das instituições universitárias? Duvido muito, porque, se houvesse, já se teria suspendido a avalanche delas, e, até, algumas eliminadas. A qualidade da formação deveria avaliar-se, não pelo diploma em si mas pelo que o licenciado venha, ou possa vir a fazer com esse diploma. Igualmente essencial é a definição de políticas que liguem a educação à organização social e económica, de modo a não se formarem licenciados para o desemprego, como vem acontecendo entre nós e em Portugal.
Temos de ficar por aqui, que os jornais exigem prosa curta que não afugente leitores, além de o tempo de que disponho ser escasso para tratarmos da permissibilidade e laxismo em quase tudo na vida nos últimos tempos, o que vem provocando conclutas à lei, a regras, aos bons costumes e hábitos com que nos vínhamos amanhando até há bem pouco tempo. Esse laxismo atingiu vários sectores da sociedade, mais particularmente a família, a escola e o poder político. Os agentes provocadores foram vários e não me detenho neles por já os ter enumerado bastas vezes: a televisão e outros meios de comunicação social subalternizados ao capital e ao Estado, e a globalização com a sua vertente de economia de mercado subvertida pelo capitalismo selvagem.
S. Vicente, Agosto de 2013 Arsénio Fermino de Pina
(Pediatra e sócio honorário da Adeco)
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