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sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

[7826] - CABO VERDE: A EMIGRAÇÃO E A SOCIEDADE CIVIL...

              A DIASPORIZAÇÃO NA CRIAÇÃO E VALORIZAÇÂO DA NOSSA SOCIEDADE CIVIL

O nosso Grupo de Reflexão para a Regionalização de Cabo Verde vem actuando com a força contundente de bons argumentos contra a “nação inclusiva no centro e um império opressor na periferia”, segundo a expressão do professor do Departamento do Instituto Superior de Educação de Cabo Verde, Gabriel Fernandes, no seu bem documentado livro Em Busca da Nação, cuja leitura recomendo vivamente a todos aqueles que se interessam pela compreensão da nossa existência como nação e Estado e das perspectivas futuras. Para mim, das melhores abordagens do nosso percurso existencial como povo, nação e Estado, por combinar “uma pesquisa historiográfica acurada e a análise sociológica densa e aguda”.
A projectada reunião para a discussão da Regionalização, adiada por causa da erupção do vulcão do Fogo, continua por se marcar e nenhuma notícia temos de próxima data para o evento. Constata-se, pois, falta de vontade por parte do Governo em discutir o assunto, não obstante a anuência dos partidos políticos que, contrafeitos (com excepção da UCID), esgotadas as desculpas e evasivas, acabaram por concordar, mas com propostas travestidas de descentralização e regionalização.
Há uma citação, atribuída ao imperador chinês Xuau (91-49 a.C.) de que “as pessoas sábias mudam as leis e os regulamentos para responderem às circunstâncias que estão a viver”. Já citámos também Talleyrand que afirmou algo semelhante, mas os efeitos têm sido nulos dada a inércia de lesma do governo. 
O grau de descentralização política (não somente administrativa como quer o Governo e o MpD) tem sido encarado como um factor que estimula a sociedade civil. Quanto mais descentralizado for o Estado, maior o estímulo ao desenvolvimento de associações voluntárias locais. Estas associações, ou o que geralmente se denomina de sociedade civil, são decisivas para o aprofundamento da democracia e funcionam como gongons para certos regimes políticos, razão por que não promovem nem facilitam o seu desenvolvimento. 
A verdadeira descentralização e a reforma estrutural do Estado visando a implantação da regionalização implicam forçosamente autonomia, isto é, liberdade de decisão quanto aos poderes delegados à periferia. Se assim não for, os efeitos da descentralização não funcionarão; será uma pura desconcentração de serviços, ficando tudo praticamente na mesma, devido ao facto de estes continuarem a ser geridos por funcionários nomeados centralmente e não eleitos ou escolhidos localmente, ficando as decisões sempre dependentes de autorização central, de uma ou mais assinaturas como, de resto, vem acontecendo sob gestão de pesada burocracia. 
A cidadania, condição de pessoas que, como membros do Estado, se acham no gozo de direitos que lhes permitem participar na vida política e gestão da coisa pública, não é muito praticada entre nós. Com certa frequência, existe uma dicotomia: nós e eles, sendo eles, os governantes, que nós, os cidadãos, não identificamos como nossos representantes. Isso acontece quando a democracia não existe ou é de qualidade ruim.
Rodopiando à volta do conceito de sociedade civil, escrevi recentemente sobre a constituição do povo cabo-verdiano e do seu sentimento de pertença a uma nação, o que vim a encontrar magistralmente tratado por Gabriel Fernandes no seu livro, onde explica e valoriza a crioulização em Cabo Verde, onde “os brancos (reinóis) eram poucos e ruins e os negros (e mestiços) tornam-se brancos”, o que permitiu que os crioulos desempenhassem, bastante cedo, cargos elevados na Administração Pública e nas Forças Armadas, com liberdade de comerciar com todas as nações que visitavam as ilhas, até à época do Marquês de Pombal, que subverteu completamente a situação, retirando direitos adquiridos aos ilhéus e subordinando-os aos brancos vindos de Portugal, felizmente poucos, com medo do paludismo. 
Não me alongo no fornecimento de dados fornecidos por Gabriel Fernandes e só afloro um ou outro aspecto para atiçar o apetite dos leitores para a leitura dessa obra de peso que nos dá a medida da luta dos nossos antepassados como elementos activos da sociedade civil. Ora, vejamos.
Interessante a acção dos chamados protonacionalistas cabo-verdianos ou nativistas – Eugénio Tavares, Pedro Cardoso, José Lopes, Januário Leite, Loff de Vasconcelos, Abílio Macedo, entre outros – face às exigências colonialistas do metropolitano, que abriram os caminhos da emancipação dentro do sistema, erigindo as traves-mestras sobre as quais estruturar os caminhos da nação, dentre elas, a imprensa, a educação e a diasporização (emigração), que foram decisivas para explicar a contradição do sistema, ruinar as bases e influenciar a emergência de uma consciência nacional(ista) cabo-verdiana, como nos relata Gabriel Fernandes, isto dentro do nacionalismo lusitano-crioulo, portanto, do portuguesismo cabo-verdiano. Os nativistas consideravam-se “portugueses de lei e cabo-verdianos de alma”, como dizia Eugénio Tavares. Escorados nos emigrantes, ou diaspóricos, fizeram sair Cabo Verde da indignidade, sem necessidade de os retirar do tribalismo que nunca conheceram, insistindo na educação do povo como a melhor chave para atingir os nossos destinos.
Como se aperceberam, estamos a falar da nossa sociedade civil de antanho, muito mais activa do que a actual completamente mangrada com o centralismo, sem energia nem força e com medo até de dar um simples traque de protesto. Home, crede! Se o nosso filósofo do povo, Nhô Djunga Fotógrafo, estivesse vivo, estaria, seguramente, barafustando, não em cartas mas em altos berros na tchon de Soncente.
A seguir aos nativistas vêm os claridosos cujos intérpretes conhecemos melhor: Baltasar Lopes, Jorge Barbosa, Manuel Lopes, João Lopes (pai), Teixeira de Sousa, entre outros, onde podemos incluir João Cleofas Martins, Sérgio Frusoni, e, como confessou o Mestre Baltasar Lopes ao Luiz Silva, chegou a dizer, em jeito de brincadeira, mas que continha muita verdade, a Nhô Fidjito Martins, Velosa e alguns comerciantes da praça mindelense que apoiaram financeiramente a publicação da revista Claridade, que eles também eram claridosos. A comprovar isso, a publicação da primeira edição de O Chiquinho foi financiada por Joãozinho Lopes da Silva, irmão de Baltasar Lopes.
Os claridosos deram uma guinada regionalista ao trabalho dos nativistas com o seu projecto “fincar os pés na terra”. Embora Baltasar manifestasse franca propensão europeísta, mormente nas suas declarações mais antigas, defendeu, posteriormente a independência, que o movimento claridoso configurou-se como “precursor da independência política”, uma vez que “revelou que Cabo Verde possuía uma personalidade autónoma bem caracterizada e diferenciada que merecia um tratamento e uma atenção específica”, o que é facto.
Dos claridosos, da geração da revista Certeza e dos anti-evasionistas, Gabriel Fernandes leva-nos à geração de Amilcar Cabral, a qual não se atém à cultura, como os claridosos, e se fixa na política. A geração nativista pouco se preocupou com o ambiente; a claridosa trata de coisas reais, o mar, as rochas escalvadas, o povo a debater-se nas crises. Com a geração de Cabral, os cabo-verdianos são obrigados a assumir um lado da fronteira (entre africanos e europeus), não podendo mais ficar numa zona indefinida mas sim na africana, identificando-se com os oprimidos e colonizados, atingindo a condição nacionalista pela rama anticolonialista.
Bem, fico-me por aqui, sem entrar na riola da unidade Guiné-Cabo Verde e na sua caducidade após o golpe de Estado de Nino Vieira, o qual, para alguns foi a segunda morte de Cabral, mas para outros um grande alívio, até porque, tendo cumprido a sua missão de nos enquadrar dentro da realidade panafricana, levou-nos à independência. A nossa miscigenação e a faceta cosmopolita conferida pela nossa diáspora, esta começada por volta do século XVIII, permitiram-nos situar étnica e socialmente em qualquer continente.
Obviamente que concluímos ter sido a sociedade civil a urdir o sentimento de pertença a uma pátria (nação) até o Estado se enxertar nessa nação. O contributo da diáspora (emigração) foi essencial na modulação dos nativistas e não só. Daí a necessidade do reconhecimento desse valor, não somente em discursos, da nossa diáspora, aproveitando melhor as várias potencialidades da sua colaboração, sem empecilhos nem preconceitos políticos e outros, até porque, como dizia o velho grego Protágoras, “o homem é a medida de todas as coisas”; o homem, e não o dinheiro, e entre nós, os diaspóricos são e têm sido uma medida maior.
A Amílcar Cabral, como pai da nossa nacionalidade, é curial associar os nativistas e claridosos.
Talvez volte ao assunto com mais vagar.

Lisboa, Fevereiro de 2015                                           Arsénio Fermino de Pina
                                                                                        (Pediatra e sócio honorário da Adeco) 

N.R. - De acordo com a norma seguida para o post Nº 7811, este Blogue não publicará novas postagens nas próximas 24 horas...                 

7 comentários:

  1. Emigrar é um acto de insatisfação ou, melhor, de rebeldia contra a situação reinante no país. A emigração é antes de tudo um acto político. Limitar a contribuição da emigração somente ao envio divisas para Cabo Verde é um grande erro ou, então, não conhecer a problemática da emigração no seu conjunto. Pode ser até que seja somente no exterior que o emigrante tome consciência das causas que determinam a sua fuga para outros horizontes. E do contacto com outros povos e civilizações o cabo-verdiano, arguto e inteligente, aprende a ver a vida em novos prismas e lutar para conseguir a sua verdadeira autonomia. E quando regressa, como dizia Eugénio Tavares, não traz somente dólares mas também valores. E «que pertence àquela raça qua não vive somente por razões mandibulares» (Ver a Voz de Cabo Verde,1918). E foi Eugénio Tavares que escreveu no seu jornal Alvorada em 1901 estas duas frases: «A África terá um dia o seu Monroe» ou ainda «África aos Africanos».

    Poucos da nossa gente estudam a importância dos movimentos pacifistas negro-americanos, a importância do movimento sindical, junto da nossa comunidade nos Estados Unidos. A ideia da Nação e da Independência somente poderia ter vindo da diáspora. Aliás, o romance Chiquinho de Baltasar Lopes, que faz do emigrante José de Lima uma das figuras importantes do seu romance, revela esta tese de que a Nação Cabo-Verdiana nasceu na América. E nos anos sessenta no momento das Independências são os emigrantes do Senegal, da Holanda, da França, dos Estados Unidos e do Brasil, os primeiros a lançarem-se no movimento para a independência de Cabo Verde. E sem a emigração o país não teria aguentado nos primeiros anos da independencia, apesar das perseguições do regime do PAIGC. E nunca se prestou uma homenagem aos nossos emigrantes: nem uma estátua a justificar o nosso sacrifício por Cabo Verde.

    Os Governos sucessivos de Cabo Verde que têm o hábito de fazer congressos e seminários, nunca se abriram ao debate sobre a emigração quando o país poderia estar melhor graças ao concurso de todos os seus filhos. Sempre tem sido preferido nas suas escolhas indivíduos servis e dóceis sem verem as competências, como escreveu Nelson Cabral no seu livro Le Moulin et le Pilon (Harmattan,Paris). Mas o maior comentário vem do poeta e cientista João Vario, eternamente marginalizado: «não é possível ser culto e manhento a não ser o diabo por deformação professional”.
    Luiz Silva

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  4. Efectivamente, embora os parcos recursos emigrava-se sempre constrangido, com ou sem programa, às vezes até sem destino certo. No principio poucos saiam por razões politicas. A maioria realmente demandava por revolta pelas injustiças repetitivas, pela falta de trabalho e até por impedimento ou falta de apoio para prosseguir os estudos, mesmo médios.

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  5. Boa, Arsénio! Ao mesmo tempo que dás a conhecer o livro do Gabriel Fernandes, passas em revista, por via indirecta, as nossas teses sobre a descentralização e a questão identitária.
    Para começar, a expressão utilizada pelo autor - “nação inclusiva no centro e um império opressor na periferia” – parece auspiciar uma proximidade às nossas posições. Ainda bem.
    Discutível será sempre a tua afirmação de que o Amílcar Cabral é o “pai da nossa nacionalidade”, até porque isso não confere com outras passagens do teu texto. Vamos ver porquê.
    Dizes, e é um facto, que “os brancos (reinóis) eram poucos e ruins e os negros (e mestiços) tornam-se brancos, o que permitiu que os crioulos desempenhassem, bastante cedo, cargos elevados na Administração Pública e nas Forças Armadas…”. Pergunto se não é aí que começa a despontar a consciência de uma certa identidade nos ilhéus, ao perceberem a sua capacidade para a autogovernação, coisa algo inédita àquela época, mormente fora da sede do império.
    Depois, dizes: “a nossa miscigenação e a faceta cosmopolita conferida pela nossa diáspora, esta começada por volta do século XVIII, permitiram-nos situar étnica e socialmente em qualquer continente”. Ora aí está. Essa noção adquirida da nossa individualidade noutras paragens não é a prova de uma assunção identitária já interiorizada, se não assumida? Será difícil não o reconhecer.
    Continuando, afirmas que o “contributo da diáspora (emigração) foi essencial na modulação dos nativistas e não só”. Todos sabemos que isso é verdade e quão determinante foi. Dir-se-á que fora do território mais fácil se tornou a percepção da realidade e o seu enquadramento fenomenológico.
    Então, se me permites, a paternidade da nação tem de ser bem anterior a Amílcar Cabral, precedendo-o alguns séculos. Digamos que é difícil consubstanciar essa paternidade numa única pessoa e num espaço temporal relativamente curto, que é o da sua vida política. Salvo melhor opinião, será mais seguro pensar que a paternidade da nação cabo-verdiana foi o concurso de sucessivas formas de consciencialização operadas ao longo de séculos. Não direi que o pai é anónimo, mas não será disparate imaginar que os genes (fruto de várias circunstâncias) boiaram num limbo e que de metamorfose em metamorfose lograram a fecundação do tecido nacional.
    O que se poderá dizer é que o Amílcar Cabral foi quem “assumiu um lado da fronteira (entre africanos e europeus)”, fazendo uso desta tua expressão. Portanto, parecer-me-á mais curial pensar que o Amílcar foi justamente o agente de uma ruptura definitiva e, desse modo, “atingindo a condição nacionalista pela rama anticolonialista”, que é o que também afirmas.
    Olha, mesmo assim, ou até por isso, será de questionar até que ponto é o Amílcar fiel intérprete dos que o antecederam, designadamente, os nativistas e os claridosos, bastando ter presente que, para estes, a questão da identidade dos cabo-verdianos é um conceito algo ambíguo e em que predomina mais a idealização e o sonho do que uma clara assunção de ruptura. Tanto que o problema não está encerrado, o que significa que a opção de Amílcar Cabral não logrou ainda ganhar a solidez marmórea que alguns propugnam. O que é mais uma razão para duvidar da sua paternidade, por muito respeito histórico que nos mereça a sua figura.



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  6. Com eleito Luiz e Arsénio a Diáspora cabo-verdiana é o último refúgio da cabo-verdianidade, num país em crise de valores morais sociais e políticos. Prefiro chamar Diáspora em vez de emigração pois o neto de cabo-verdianos nascido nos USA não é um emigrante. São dois conceitos muito bem diferentes.
    Este artigo bate de novo na questão do centralismo como vemos batendo inúmeras vezes. Com efeito a projectada reunião para a discussão da Regionalização foi adiada sine die' pois há falta de vontade por parte dos partidos centralistas, que são todos da Santiago e para Santiago, fazer a tal descentralização e regionalização e contribuir para um Cabo Verde mais forte. O objectivo desta República é reforçar o centro e enfraquecer aquilo que é hoje a periferia. A prova é a recém ofensiva do Alupek com o apoio do PM.
    Adriano como dizes e bem Amilcar Cabral filho de cabo-verdianos nascido na Guiné emigrou jovem para Cabo Verde onde foi beber na cultura mindelense, estudando precisamente noS. Vicente colonial dos anos 30/40 que fervilhava de cultura e de identidade, é talvez filho da cabo-verdianidade mas nunca pai da cabo-verdianidade. Eu quando nasci já havia cabo-verdianidade 'longtime ago'.

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