Crónicas da Terra Longe ou as batalhas do amigo Luiz Silva
No dia 24 de Julho de 2015 vai ser lançado o livro Crónicas da Terra Longe da autoria de Luiz de Andrade Silva, patrocinado pela Chiado Editora.
Para mim, o Luiz Silva é um verdadeiro Senador da Emigração, uma pessoa que acompanhou a emigração, estudou-a, bateu-se corajosamente pela causa da dignificação do estatuto da Emigração/Diáspora, numa altura em que falar dos seus problemas e dos seus direitos era tabu ou mesmo subversivo. Os poderes então instalados, desprovidos da noção de Nação Inclusiva, viam Cabo Verde numa perspectiva de Cidadela Sitiada, vincavam a distinção, Nós e os Outros Estrangeirados. É também pelas suas ligações à sua Ilha Natal, um fervoroso mindelense e um adepto do Mindelense clube de Nho Damatinha, como sempre recorda.
O Luiz é uma pessoa inconformada, inconformista, o homem de todos os tempos, e que vive cada momento intensamente, abraçando todas as lutas e causas nobres tanto nacionais como da emigração: interiorizou os conceitos da liberdade, igualdade e fraternidade/partilha, conceitos bem franceses, mas com um toque especial cabo-verdiano, a morabeza e saudade.
Por outro lado, o Luiz é um grande patriota cabo-verdiano que deu grande parte da sua vida à luta pela liberdade e pela libertação de Cabo Verde, da condição de colónia portuguesa para a de um país livre e soberano. Abraçou assim a ideia da Independência ainda jovem, quando no Mindelo a juventude da sua geração começava a questionar os fundamentos históricos e morais do estatuto colonial, a situação socioeconómica de S. Vicente e de todo o território de Cabo Verde. Poderia ter uma vida confortável como funcionário público na administração colonial, em Cabo Verde ou no então Ultramar ou colónias, mas cedo decidiu soltar as amarras e partir conscientemente para França, para engrossar as fileiras dos que lutavam contra a situação colonial em Cabo Verde.
Em França tornou-se um militante de ‘gauche’, fez o Maio 68 nos pavês das ruas de Paris, ao mesmo tempo que militava em prol da Independência, mobilizando jovens para a luta, feitos que hoje são considerados heróicos e decisivos para a independência de Cabo Verde. Neste ponto de vista o Luiz devia estar entre os primeiros dos Combatentes da Liberdade da Pátria.
Depois da independência de Cabo Verde, tornou-se activista da nossa diáspora, o tribuno ou o procurador desta 11ª ilha de Cabo Verde, sempre fora do mapa geográfico do país, e muitas vezes votada ao esquecimento por parte das autoridades.
O Luiz tornou-se assim das pessoas que mais se têm debruçado sobre a problemática da Emigração/Diáspora cabo-verdiana. Como mostram os diferentes capítulos deste livro, a Emigração/Diáspora tem sido importante nas transformações políticas e económicas do Cabo Verde moderno. Infelizmente, o Estado de Cabo Verde nasceu de costas viradas para a emigração, encarada com alguma desconfiança, o que criou desencontros diversos com a diáspora cabo-verdiana, originando a sua apatia e mesmo um crescente afastamento da sua terra natal. O Estado de Cabo Verde continua a não saber lidar com esta problemática, que toma actualmente contornos pouco claros para não dizer excessivamente politizados.
Não se pode esquecer que o Luiz deu uma grande contribuição para a instalação da Democracia em Cabo Verde. Numa altura em que nem sequer o Movimento para a Democracia existia e que a maior parte dos seus militantes eram ferrenhos militantes do PAICV, Luiz já enviava artigos de opinião que abalavam os alicerces do sistema de partido único: convém recordar os confrontos ideológicos com o falecido Manuel Delgado então director do Voz di Povo. Uma justa homenagem foi-lhe recentemente prestada pelo Pe. Fidalgo, o ex-Director do jornal Terra Nova. Neste ponto de vista, o Luiz devia estar entre os primeiros dos Combatentes da Democracia.
O Luiz tem-se batido para que a diáspora não somente jogue um papel económico/financeiro mas também político, em Cabo Verde. ‘Política à parte’, ele é também um ‘mindelense nascid e criod’, e ninguém mais do que ele defende a sua ilha natal e as suas gentes, tendo sido sempre um regionalista assumido. Numa altura em que se desenhava um futuro mais democrático para o arquipélago, esboçou ideias para uma política regional da emigração. E tem muita razão nesta luta, pois estando o emigrante umbilicalmente ligado à ilha que o viu nascer, as soluções para os seus problemas devem revestir uma abordagem regional. Assim, estabelece uma relação directa e preferencial entre o país onde reside o emigrante e a sua região de origem. Não é de estranhar que ele abrace hoje a causa da Regionalização, em debate actualmente em Cabo Verde, sendo um dos protagonistas do Movimento para a Regionalização de Cabo Verde. É assim que através deste livro apresenta um contributo intelectual sobre a problemática, pensando numa uma nova abordagem integrada para a complexa questão Emigração/Diáspora, antecipando a sua resolução no quadro da Reforma que defendemos para Cabo Verde. Daí que advoga que o tratamento sério da questão só poderá ser abordado com a sua efectivação. Com efeito, a maioria dos cabo-verdianos da diáspora vive em países mais ou menos regionalizados e compreendem as vantagens desta reforma para Cabo Verde e para a emigração. Quão seria vantajoso para o poder central e para o emigrante que grande parte dos seus problemas fosse tratado e resolvido no local onde nasceu! Por isso mesmo é que um tratamento real e efectivo da problemática da Emigração/Diáspora só pode ser plenamente concretizado no quadro de novas abordagens que propomos a reforma do Estado, a Descentralização e a Regionalização. Neste sentido, o Luiz defende que as regiões deverão ter latitude diplomática para tecer relações especiais e privilegiadas com as regiões dos países de acolhimento da emigração cabo-verdiana (estamos a falar por exemplo de Roterdão, Moselle, Oeiras etc), podendo concretamente estabelecer protocolos económicos, comerciais, culturais, etc. privilegiados de que possam resultar vantagens mútuas. Possa assim a futura Constituição de Cabo Verde prever um quadro jurídico de flexibilidade suficiente para permitir que as regiões desenvolvam a sua diplomacia não somente orientada para a Diáspora mas também para o investimento directo da diáspora e de outros agentes nas diferentes Regiões de Cabo Verde!
Não podemos esquecer de que o Luiz é uma pessoa inconformada com a situação vergonhosa dos cabo-verdianos em S. Tomé, que foram abandonados por todos em 1974 naquele tórrido ‘paraíso tropical’, sem trabalho, nem apoios. Ele sofre amarguradamente com este problema, pois defendia que em 1974 se deveria ter repatriado todos os cabo-verdianos deste território, do mesmo modo que Portugal realizou uma ponte aérea de Lisboa-Angola-Lisboa, repatriando todos portugueses residentes em Angola, que assim o desejassem. Considera que as negociações com Lisboa para a Independência de Cabo Verde trataram desleixadamente a questão dos contratados de S. Tome, e que o Estado de Cabo Verde poderia/deveria ter encontrado melhor solução para uma comunidade que vive em situação de precaridade, e muitos à margem da evolução económica de S. Tomé. Lembra que Cabo Verde tem investimentos na área da agricultura no Paraguai e que S. Tomé tem também boas condições para este tipo de investimento, tendo proposto um projecto de investimento que se resume da seguinte maneira: Porque não reformular e reactivar as roças utilizando a mão-de -obra dos descendentes cabo-verdianos, permitindo assim a reconversão económica das roças, uma iniciativa inédita em que todos ganhariam?
Luiz, como se diz em francês, ‘tu as du pain sur la planche’, ou seja, tens trabalho para frente, ou arranjaste sarna para te coçares: a luta para a afirmação da Diáspora e da Emigração neste novo quadro que se desenha para Cabo Verde é uma luta de ‘long haleine’.
Finalmente o curriculum cívico de Luiz Silva atesta o seu empenhamento pela causa da Emigração:
-Colaborador assíduo do jornal Nôs Vida da Associação Cabo-verdiana da Holanda de 1968 a 1975, que foi o único porta-voz da luta pela Independência na Diáspora.
-Colaborador assíduo do jornal Terra Nova o porta-voz da luta pela Democratização de Cabo Verde.
-Um dos fundadores do Movimento Associativo em França,
-Editor de vários livros destacando o Folclore Cabo-verdiano de Pedro Cardoso que trouxe uma nova leitura sobre a emigração e a literatura cabo-verdianas.
-Membro do Conselho de redação da revista Latitudes em Paris onde publicou vários artigos sobre a emigração, a literatura e a democracia em Cabo Verde
Tendo em conta todo o seu percurso, o Luiz Silva é para mim um cidadão honorário de S. Vicente, uma pessoa que um dia figurará de certeza nos manuais da História Moderna de Cabo Verde.
15 de Julho de 2015
José Fortes Lopes
PS: O Lançamento Oficial terá lugar em:
Livraria.Bar.café Literário
Rua de S. Bento, nº 34, Lisboa
Tinha feito um comentário, mas devo ter cometido um erro qualquer na sua inserção.
ResponderEliminarGrande texto do José Lopes, com justo testemunho sobre o mérito do Luiz Silva e o seu perfil de cidadão combativo e patriota indefectível. Nem mais, um verdadeiro senador da Emigração!