O século XXI começou desafiando a todos nós falantes da língua portuguesa. Está a exigir-nos um protagonismo de grandes proporções. Hoje, há uma expressiva presença do nosso idioma em todos os continentes, presença que não para de crescer e tomar maiores dimensões planetárias. Compomos um universo de falantes que supera o de línguas muito mais tradicionais no mundo da cultura e dos negócios. Somos mais falados do que o italiano e o alemão. O francês nos supera apenas quanto ao número de falantes não nativos. Juntos, estamos entre as cinco maiores economias do planeta.
Juca Ferreira * |
A nossa língua está a exigir-nos uma afirmação global, a cobrar-nos uma responsabilidade para com ela. Impressiona-me que não tenhamos uma política comum a todos os países que falam o português. Quem há de negar que precisamos definir uma grande estratégia cultural de presença no mundo que abranja todo o nosso território linguístico?
Quem há de subestimar a importância da língua? É grande a sua dimensão social, política, econômica e geopolítica. Ela é muito mais que uma ferramenta de comunicação. Nela, estão armazenados não apenas conhecimentos e informações. A língua é a cultura que ela produz. É ela quem nos dá os sentidos. É o universo desenhado por ela que nos referencia e nos singulariza. A língua gera coesão, nos fortalece no mundo globalizado, “é a casa onde a gente mora”. Nela se deposita know-how, tecnologia. Língua também é economia.
Não subestimemos o assunto. Ele é sério. Estamos diante de uma questão de afirmação à qual não podemos furtar-nos. Por meio de nossa cultura podemos afirmar uma visão de mundo, um modo de vida, projetos de civilização fundados em estratégias generosas e abrangentes. Estou convencido de que podemos ser portadores de uma mensagem planetária singular.
No mundo globalizado em que vivemos, nunca houve tantas trocas de ideias, de discurso, de palavras, entre todos os falantes de língua portuguesa – nunca houve tanto conhecimento e reconhecimento mútuo.
O português de Portugal, o português que emerge nos países africanos e a língua que é falada no Brasil formam um só idioma. Não tenho dúvidas que uma ortografia comum, como parte de uma maior interação cultural, nos dará a grandeza e dimensão que nossos artistas e escritores projetam.
É claro que precisamos de uma ortografia uniformizada. É insensato não crer na necessidade de um acordo ortográfico. Possíveis erros de condução não diminuem sua importância, e o que representa para o fortalecimento da língua no contexto global. A diversidade e a riqueza de um português que floresce em vários cantos do planeta, e que a enriquece, sem uma escrita comum podem vir a comprometer a sua unidade.
Precisamos dar novos passos para a consolidação de uma comunidade de língua portuguesa, compartilhar nosso universo cultural num grau e proporção ainda não experimentados. Precisamos fortalecer ações de colaboração e integração mútua rumo a uma maior projeção global.
Convoquemos a todos para a montagem de um estratégia planetária para a língua portuguesa. Convoquemos aqueles que com ela criam, tendo-a como matéria-prima, aqueles que a mantêm viva, que a recriam diariamente e que expressam seus falares.
Convoquemos os poetas, os escritores, os artistas, os jornalistas, os cronistas, os tradutores, os editores, os professores, os filólogos, os intelectuais, os sociolinguistas, os midialivrisas, os críticos literários e, também, os normatizadores. Precisamos de todos, inclusive dos estados nacionais.
Pensemos a língua em suas várias dimensões. Consolidemos um universo cultural comum, não apenas em suas expressões literárias e poéticas, mas também na música, no teatro, no cinema, no pensamento; e em suas inserções na internet, no rádio, no jornalismo, na TV, etc., etc. Pensemos globalmente.
Não podemos, enfim, simplificar o assunto, reduzindo-o a uma questão puramente técnica. Não podemos desconectar a uniformização da ortografia de um contexto cultural mais amplo que diga respeito a toda a comunidade lusófona. (A Semana)
*Sociólogo, ministro de estado da cultura do Brasil.
Crédito da imagem: Janine Moraes
Texto assertivo no que respeita ao pedido de uma estratégia expansiva e defensiva da língua comum e respeitando as suas variantes que afinal, constituem uma riqueza da nossa Língua. Apenas discordo da eficácia da uniformização da ortografia.
ResponderEliminarReferindo-me agora ao caso de Cabo Verde e "mutatis,mutandi," aproveitando o texto aqui publicado, no meu entender, o meu país está a deixar perder e de forma mais maléfica e de pura incúria, o meio de comunicação mais rico e mais completo que possuía. A Língua portuguesa. E isto nada tem a ver com o Crioulo que sempre existiu em paralelo. O interessante é que já fomos, nós, cabo-verdianos, e isto até há umas décadas atrás, os falantes (trata-se de uma geração envelhecida e que infelizmente, não foi substituída) quem manejavam de forma fluente e profunda a Língua portuguesa. Comparando falantes da LP com literacia.
Hodiernamente a nossa Língua segunda, quase que ganhou estatuto de "estrangeira," entre nós, estando o Brasil a pedir ultimamente, provas de proficiência na Língua portuguesa dos nossos candidatos às Universidades daquele país da CPLP. Ao que se chegou! Uma autêntica tragédia histórico-linguística a acontecer nestas ilhas. Faço votos que seja reversível
Abraços
Ondina
O comentário da Drª Ondina é completo e dizer mais seria redundante
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