O que se pode fazer com uma das Mais Belas Baías do Mundo?...NADA?!...
1ª Parte
Baía do Porto-Grande, um Património
Cultural ao abandono!
A Baía do Porto Grande de S. Vicente, de Cabo Verde, foi classificada recentemente (Julho de 2015) como uma das Mais Belas do Mundo (pelo site Viagens da MSN.PT), repetindo a performance de 2013 quando ficou no 5º lugar, entre 33 das mais belas baías do mundo.
S. Vicente e a Baía do Porto Grande são uno e indivisíveis, nenhum deles pode viver sem o outro. Lembro que a baía, para além de ser naturalmente bela, foi o sustento da ilha e de todo o arquipélago cabo-verdiano.
Este assunto vem mesmo a propósito, no seguimento artigo de José Almada Dias publicado no Expresso da Ilhas e reproduzido no ArrozCatum (1), que elencava uma lista exaustiva de recursos turísticos culturais que contempla S. Vicente. Almada propõe no seu artigo transformar S. Vicente num autêntico roteiro cultural, ou seja, implementar para a ilha um turismo mais orientado para os recursos culturais existentes e que sempre a distinguiram no conjunto do arquipélago. Propõe para a cidade do Mindelo a criação de 8 museus e 9 roteiros. Embora a ideia seja generosa e mereça alguma atenção da parte das autoridades, convenhamos que nesta fase da economia da ilha e do país, S. Vicente e Cabo Verde não comportam um número importante de Museus a cargo do Governo ou da Câmara ou de outras instituições tutelares, pois teríamos por metro quadrado mais Museus que Paris, pelo que eu seria mais favorável à criação de Casas ou Centros de Cultura geridos por privados. Mesmo assim, o artigo é um ponto de partida para uma reflexão profunda sobre S. Vicente, tendo em conta que os interesses centralistas e burocráticos na Praia têm impedido muitas realizações na ilha, congelando projectos, inibindo a iniciativa numa ilha já muito depauperada, o que tem comprometido o seu avanço para um patamar que todos ambicionamos, e que ela merece.
O artigo de Almada Dias mostra que S. Vicente foi nos 2 últimos séculos o novo paradigma cabo-verdiano, podendo dizer-se que Cabo Verde se reencontrou na ilha do Porto Grande. S. Vicente não aparece propriamente como produto de uma decisão política congeminada pela potência colonial (uma tese sem pés nem cabeça que alguns círculos mal intencionados tentam desenvolver), mas sim como fruto de um contexto histórico preciso e dos trunfos naturais que a ilha possuía na altura. A conjugação da necessidade de reconversão da economia cabo-verdiana nos finais do século XVIII e da nova conjuntura mundial criada com o nascimento do capitalismo mercantilista dominado pela Inglaterra catapultam de novo Cabo Verde no novo cenário mundial: havia a necessidade de um ponto de comunicação e de reabastecimento do império Britânico no meio do Atlântico Norte, acrescido da necessidade de abastecimento da frota inglesa em carvão. O Porto Grande de S. Vicente encaixava admiravelmente na nova estratégia global britânica, que descobria na ilha uma nova vocação para Cabo Verde: entreposto de carvão e de comunicações.
A configuração do Porto Grande, as condições naturais da sua baía e o clima mais ameno do Norte de Cabo Verde, foram factores determinantes que jogaram no desenho de uma cidade moderna. Tão aliciantes foram que desde logo atraíram a fixação de populações de origem diversa, nomeadamente a elite cabo-verdiana dispersa pelo arquipélago, assim como um número considerável de portugueses da então Metrópole, ao passo que um número cada vez maior de britânicos e italianos desenvolviam as suas funções nas indústrias instaladas e o comércio impulsionado pela actividade económica prosperava a um bom ritmo.
Voltando às questões levantadas pelo artigo de Almada Dias, como já tinha observado em 2010 Fátima Lopes (2) de nada vale ter Museus dispersos pela cidade, se a política urbana/municipal actual não acompanha, e é caracterizada pela “inexistência de um plano de salvaguarda do património construído que contemple, entre outras intervenções, a conservação e valorização dos núcleos antigos da cidade e dos seus edifícios, a regulamentação do direito de transformação da propriedade assim como o direito de edificação numa perspectiva de salvaguarda, valorização e revitalização do património construído é um facto. É necessário criar disposições legais sobre a manutenção, a reabilitação ou restauro dos edifícios ou espaços públicos e que prevejam a eliminação de eventuais elementos que desfigurem as fachadas tendo em vista a salvaguarda dos imóveis. Há construções que carecem de intervenção profunda e urgente, tais como o imponente e abandonado Palácio do Mindelo que já apresenta indícios claros de deterioração e negligência, o Liceu Velho com sinais visíveis de degradação na fachada e o cujo interior carece de obras de manutenção e melhoria”. “Obras de requalificação da cidade, incluindo a preservação e valorização dos edifícios históricos que se encontram deteriorados e a sua adaptação a novas e múltiplas funcionalidades, tal como as culturais sociais ou económicas, deverão ser empreendidas para que ela se transforme numa cidade dinâmica e com memória. Este processo poderá contribuir para promover uma sustentabilidade e atractividade urbana e uma maior qualidade de vida e bem- estar dos cidadãos com um impacto considerável na forma como os mindelenses vivenciam a sua cidade….É preciso, pois, travar a erosão do património através de uma legislação adequada e de acções concretas que o proteja, para que o legado seja mantido, acarinhado, reutilizado e passado às novas gerações.”
Nos anos 80 uma jornalista francesa que visitou S. Vicente já questionava por que o estado cabo-verdiano não investia mais na ilha (que ainda estava preservada do desastre urbanístico a que assistimos actualmente) criando nela algo parecida de zona franca turística ou transformando-a numa espécie de ‘Côte d’Azur’ atlântica ou africana. Quem conhece a chamada ‘French Riviera ’ reconhece que a Ilha de S. Vicente e o seu Porto Grande têm uma configuração muito parecida com as mais belas baías daquela região francesa, para além do facto que o seu Centro Histórico não se envergonha perante nenhuma outra bela cidade do Mundo, e é claro que um francês bem avisado nestas matérias reconhece ouro ou mesmo diamante em bruto. Mas infelizmente a senhora estava a falar ‘chinês’, embora, 30 anos passados, alguns cabo-verdianos já comecem a iniciar-se ‘nesta e noutras línguas’. Em 1999, outro francês, Jean Yves Loude (3), se indignava com o estado do património em Cabo-Verde e exprimia a sua pena por ver que o desenvolvimento em curso em Cabo Verde quase nunca se cruza com a permanência de salvaguarda do património. Blocos de betão crescem enquanto admiráveis sobrados aluem. O deficit aumenta nos dois quadros. O visitante faz careta à vista da modernidade obsoleta e deslocada dessas gaiolas e deplora o desaparecimento da arquitectura histórica que procura. À saída da Casa Figueira, do encontro do fim da tarde com os pintores Manuel Figueira e Luísa Queirós, refere-se do seguinte modo ao Mindelo descaracterizado: ‘A esta hora as pragas infligidas por certos arquitectos insensíveis ou incultos ao corpo glorioso do Mindelo insultam menos a vista, e as sombras das recordações felizes atrevem-se a sair.’ Referindo-se ao sentimento de Manuel Figueira por Mindelo escreve: ‘…Em compensação trata do corpo da cidade em termos admirativos. Pinta-a com urgência, mesmo que uma composição lhe leve um ano. Quer antecipar-se aos inevitáveis ultrajes dos promotores imobiliários, tão bárbaros aqui como em outros lugares.’ Numa visita ao atelier do artista mindelense Tchalé Figueira, este desabafa ao autor sobre a situação sociocultural na ilha, numa altura em que ele próprio nem imaginaria que esta ainda não atingira o fundo:’-A cidade está à deriva, os intelectuais foram embora, aqueles que restam andam às voltas, os templos nocturnos extinguiram-se…’.
Não são os franceses os primeiros nem os últimos visitantes envolvidos em polémicas sobre o urbanismo e as infraestructuras básicas e turísticas da ilha de S. Vicente, todos concordantes, em grande parte, nas suas análises sobre os problemas em questão. Em Março de 2014, um analista turístico australiano Tony Parker (4), após o seu cruzeiro no MSC Sinfonia, que aportou no Porto Grande de S. Vicente, escreveu um artigo que foi uma autêntica pedrada em forma de boomerang, provocando uma celeuma e deslocadas reacções na blogosfera sãovicentina/cabo-verdiana, embora aquilo que disse traduzia uma realidade bem patente e bem conhecida de todos. Como escrevi, (4) “Pela primeira vez tivemos uma opinião publicamente expressa por um turista ou estrangeiro sobre Cabo Verde, que não era um convidado a um cocktail político mas veio visitar, analisar e recomendar aos seus leitores a realidade turística de S. Vicente de Cabo Verde. Não é surpreendente que tenha sido um anglo-saxónico a fazê-lo. Tony Parker veio a Mindelo, viu, exprimiu uma opinião, dizendo que não gostou daquilo que viu. Não terá gostado dos serviços (da indústria do turismo no seu todo tal como se pratica) ou da Ilha? Como os gostos são subjectivos e por isso não se discutem, inclinamo-nos para a primeira hipótese. Da leitura que s fiz do artigo depreende-se que o australiano não se referiu a nenhum pormenor físico da ilha, nem à sua gente. Centrou a sua análise nos aspectos puramente materiais e circunstanciais, ou seja, os serviços disponíveis ou disponibilizados na ilha. Com efeito, não viu, o turista, indícios de alguma indústria turística na ilha, nem tão pouco na cidade, e se viu alguma coisa deverá ter sido considerado irrelevante. Imaginem!, ele não encontrou nas suas deambulações pela cidade, pelo menos durante o dia, sequer um pub conceituado (segundo os critérios de um turista de cruzeiro) onde pudesse tomar o seu famoso cappuccino, como o faz qualquer turista que se preze”. .. “Felizmente, para nós não entrou noutros campos e pormenores, pois se esse senhor se apresentasse como um intelectual ou um homem de cultura, as suas lamentações atingiriam os céus. E eu, sinceramente, estou mais preocupado com questões de ordem cultural decorrentes do clima de depressão socioeconómica em que vive a ilha há décadas, do que com os cappuccinos do senhor Parker, que tanto alarido causou. É assim que descreveu a ilha, como um sítio parado no tempo, sem a mínima infraestrutura própria de qualquer cidade moderna, fora do circuito mundial turístico, em perfeito contraste com o produto que se pretende vender. Quando lhe garantiram que a surpresa das surpresas seria a Baía das Gatas, viu cenas, como conta, de incivilidade em plena praia e à luz do dia, ‘shocking’ para um anglo-saxónico!!!”…”Pois é, o retrato que fez da ilha é uma autêntica bofetada àqueles que andam a alardear pelo país e o mundo fora, o turismo como a indústria nacional, a galinha de ovos de ouro. Concorde-se ou não com a sua análise”…“Na realidade, Tony Parker analisou friamente a indústria turística do ponto de vista de um consumidor rápido (que não passa num mesmo local dias ou meses, mas sim horas), como o faz qualquer analista turístico ou especialista de questões de turismo, que não visitam os países por razões de fraternidade, nem pelos belos olhos dos autóctones. Comparando com os elogios que teceu da ilha Madeira, de Portugal (ver artigo original), o veredicto proferido pelo australiano na curta estada em S. Vicente é, pois, sem apelo nem agravo, uma afrontosa provocação, um autêntico balde de água fria na presunção bacoca de alguns mindelenses. Tony Parker chegou ao cúmulo de convidar os turistas a não saírem do navio, caso venham a acostar no Cais do Porto Grande…!”. Traduzindo por outras palavras o turismo em S. Vicente está a décadas de um turismo de nível internacional e são necessários muitos investimentos em recursos humanos e infraestruturas para o elevar a um nível minimamente aceitável. (este artigo tem continuação)
Bibliografia:
1-ROTEIROS PARA MINDELO... http://arrozcatum.blogspot.pt/2015/07/8224-roteiros-para-mindelo.html
2- Salvaguarda do Património Construído e Ambiental - Uma Urgência e um Desígnio Nacional; http://cultura-adriana.blogspot.pt/2010/06/salvaguarda-do-patrimonio-construido-e.html
3- Liceu velho, Fortim Eden Park - revistando o artigo sobre o caos urbanístico no Mindelo: “Uma ilha à deriva”http://arrozcatum.blogspot.pt/2015/07/8333-patrimonio-urbanismo-companhia.html?showComment=1438428876345#c8561690543683518967
4- QUANDO UM AUSTRALIANO LANÇA UMA PEDRADA NO CHARCO DAS ÁGUA TURVAS DO PORTO GRANDE. http://www.jsn.com.cv/index.php/opiniao/1427-jose-fortes-lopes-quando-um-australiano-lanca-uma-pedrada-no-charco-nas-aguas-turvas-do-porto-grande
Agosto de 2015
José Fortes Lopes
As potencialidades da ilha de S. Vicente e do seu Porto Grande não fizeram parte da estratégia do partido da independência. Embora falem agora de cluster do mar, penso que nada disso poderá realizar-se se não for parte integrante de um plano nacional. Alguma coisa mais a este respeito, foi objecto de um meu comentário no post sobre a entrevista do Amiro Faria.
ResponderEliminar