Gualberto Rosário |
CABO VERDE XXI
A INEVITABILIDADE DA URGENTE REFORMA FISCAL
OU
A FATAL INTEGRAÇÃO NO CLUBE DOS MISERÁVEIS
1. O nosso sistema fiscal é anacrónico, monárquico, incapaz de responder aos desafios atuais que se colocam ao País, tendo em conta o processo de globalização e seus efeitos. Basta pensar que ainda vigora em Cabo Verde o Imposto do Selo, para se tirarem as devidas conclusões!
2. O anacronismo não reside apenas nos procedimentos e na relação fisco-contribuinte, caraterizada pela desconfiança recíproca, tornando essa relação numa espécie de jogo entre o rato e o gato. O gato que desconfia sempre que está a ser vigarizado pelo rato, e o rato que desconfia sempre que o gato lhe quer comer o queijo e, depois, fazer dele a sobremesa. Daí vigorar um processo pesado de controles e caro do ponto de vista administrativo, que acaba por ser pago pelos próprios contribuintes.
3. O anacronismo é maior na filosofia que enforma a fiscalidade, absolutamente estatizante. Com efeito, o vetor fiscal de tributação sobre os rendimentos confere ao estado o estatuto de acionista da empresa, com direito a dividendos, que são cobrados coercivamente, mesmo que a Assembleia-geral decida pelo aproveitamento dos resultados para reforçar os capitais da empresa e a sua capacidade de investimento e desenvolvimento. Pior, ainda, é que por esse caminho o Estado tributa a poupança das empresas e das famílias, reduzindo a poupança nacional e, por essa via, o investimento, condicionando drasticamente a capacidade de crédito às empresas e às famílias, reduzindo significativamente o potencial de crescimento e de desenvolvimento económico. Veja-se o que o Estado recebe, anualmente, de IUR e tem-se uma ideia do quanto é desviado da poupança para o consumo público.
4. Para além disso, em economia, particularmente o ramo de "teoria do comércio internacional", prova-se que a tributação sobre as empresas (incluindo nessa tributação as contribuições para a Segurança Social) reduz significativamente a competitividade do País.
5. Acresce afirmar que o mesmo rendimento está, em Cabo Verde, sujeito à dupla tributação, pois paga o imposto à cabeça (IUR) e paga, de novo, quando transformado em despesa (IVA).
6. O sistema fiscal, em Cabo Verde, não oferece segurança: as maiorias podem criar os impostos que queiram, podem estabelecer as taxas que entendam e podem manter os impostos mais anacrónicos, agravando-os, até, como aconteceu, em data não recuada, com o Imposto do Selo. As leis, particularmente a Constituição, revista, não protegem o investimento e tornam o País, por esta via, de elevado risco fiscal. Sobretudo com o mau hábito, tornado em norma, de legislar sobre a fiscalidade em sede da Lei que aprova o orçamento do Estado, portanto pela conjuntura e pelas conveniências políticas.
7. Cabo Verde precisa de uma verdadeira reforma fiscal, capaz de trazer confiança, previsibilidade, justiça e competitividade fiscais.
8. Princípios fundamentais de uma possível reforma fiscal:
a. Isentar de tributação a poupança;
b. Isentar de tributação o investimento;
c. Isentar de tributação os produtos que integram a cesta básica;
d. Criar confiança e previsibilidade fiscais.
e. Reforçar a competitividade fiscal.
COMO?
9. Sempre que a fiscalidade incide sobre os rendimentos, a poupança está a ser tributada, uma vez que o rendimento se divide, inexoravelmente, em poupança e consumo. Esta conclusão sugere que a via do imposto sobre o rendimento não é um bom caminho para um país que pretende estimular a poupança e o investimento.
10. É escusado dizer que o agravamento do investimento com fatores de natureza fiscal reduz o potencial de desenvolvimento do País e limita a capacidade de intervenção das empresas e os efeitos positivos decorrentes dessa intervenção (no PIB, no emprego, no rendimento disponível das famílias, nas receitas públicas, etc). Em Cabo Verde existe a má prática de tributar o investimento. É o exemplo do IVA que incide nos materiais de construção (mesmo que se recupere, mais tarde, quando o Estado entender ou tiver meios, há um custo financeiro que resulta do custo de oportunidade do capital, fazendo com que essa antecipação de cobrança do imposto, feita pelo Estado, signifique efetivamente um agravamento da taxa do imposto, conseguida por meios não constitucionais, portanto, ilegítimos).
11. Da consideração dos dois itens acima, associados à "teoria do comércio internacional", anteriormente invocada, resulta que a reforma fiscal deve excluir impostos sobre rendimentos e todas as formas de tributação sobre o investimento, mesmo quando aparentam ser impostos sobre a despesa.
12. A isenção ou taxação simbólica dos produtos que constituem a cesta básica (ou cabaz de compras) resulta de imperativos constitucionais, que asseguram a todos os cidadãos o direito aos meios que garantam a satisfação das suas necessidades básicas. Esse pressuposto de justiça e de Estado Social plasmado na nossa Constituição sugere uma significativa diferenciação do IVA, de modo a que os produtos tenham sobre eles uma incidência fiscal de acordo com o entendimento que se tiver do seu grau de luxo.
13. A confiança e a previsibilidade fiscais cria-se pela via da constitucionalização. Não existe outro caminho para conferir a confiança e a previsibilidade necessária, no contexto atual de concorrência internacional, caraterizada por grande abertura dos mercados e globalização das operações financeiras e de investimento. As leis reforçadas não são solução. Elas podem ser alteradas de forma mais fácil e, pior ainda, não são cumpridas. Como acontece um pouco por todo o mundo e aqui, em Cabo Verde. Veja-se, a este respeito, os piores exemplos da Europa e a situação do nosso País, que já ultrapassou, de longe, os tetos da dívida pública estabelecidos na Lei de Bases do Orçamento do Estado. Sem que tenha havido condições para se invocar a inconstitucionalidade da dívida, do deficit e do orçamento (esta possibilidade, se existir, constitui um verdadeiro travão ao Estado, para o conter no interior do espaço considerado aceitável).
14. O que importa constitucionalizar?
a. O teto da dívida pública;
b. O índice do deficit anual/PIB;
c. O índice do orçamento de funcionamento/PIB;
d. O princípio da cobertura das despesas correntes do Estado pelas receitas correntes.
e. A criação e destruição de impostos, assim como a fixação das taxas por maioria qualificada.
15. Fixando-se neste caminho filosófico, chega-se a um único imposto, o IVA, que deve incidir sobre todo o consumo, designadamente as transferências de recursos para o exterior sempre que tenham a forma de rendimento ou despesa de qualquer natureza (podendo-se, neste caso, dar um tratamento diferenciado aos rendimentos que resultam do investimento externo). A tributação, neste caso, dos rendimentos resulta do pressuposto de que vão ser utilizados na realização de despesas.
16. A opção por esse caminho assegura a transformação de Cabo Verde num país com um sistema fiscal simples e de menor custo, justo, seguro, previsível e competitivo. O investimento de residentes e de não residentes terá o mesmo tratamento fiscal, eliminando-se uma discriminação que não deixa de ter os seus custos e distorções. O País tornar-se-á muito mais atrativo, no domínio do investimento, e efetivamente competitivo sob o ponto de vista fiscal. A poupança conhecerá um incremento não desprezível. Como consequência, haverá mais recursos para financiar o investimento, com efeitos positivos na taxa de crescimento do PIB, na criação de novos empregos e no incremento das receitas públicas.
17. A reforma fiscal desenvolvida na base dos pressupostos explicitados não pode ser missão exclusiva de governos, embora se reconheça (e se deva reconhecer) a sua liderança. Ela exige um amplo consenso nacional, que envolva, designadamente, as demais instituições da República, os partidos políticos, a instituições não públicas e os parceiros sociais.
18. Também não pode ser encarada como solução que se consegue pela intervenção pontual de uma varinha mágica qualquer. Terá que ter, necessariamente, a forma de um programa bem estruturado, com o seu diagnóstico, o seu objetivo, as suas metas e as suas medidas. E os seus timings.
19. Mas a reforma fiscal de que o País precisa não pode ser reducionista e apenas se fixar no domínio fiscal em sentido estrito. Ela terá que incluir, forçosamente, a consolidação do orçamento do Estado, o combate ao despesismo, a contração das despesas correntes do Estado e deve estar inserida num projeto maior de reformas económicas estruturais, que tenha como objetivos, entre outros, transformar o Estado em regulador por excelência, em vez do atual Estado ainda omnipresente, intervencionista, largamente empresário, ineficiente e ineficaz.
20. Resta dizer que a reforma fiscal é um dos maiores desafios atuais do País. E não deve ser adiada. Aliás, em boa verdade deveria ser iniciada há muito tempo. O custo do seu adiamento vai ser excessivamente elevado e será percebido (e pago) dentro de poucos anos, quando a economia mundial iniciar um ciclo de crescimento acrescido, nunca conhecido, mas do qual participarão apenas os países que souberem associar, a uma grande ambição, uma visão de futuro e não tiverem vergonha de arregaçar as mangas, neste exato momento, para arrumar devidamente a casa. Os restantes integrarão, fatalisticamente, o clube dos miseráveis.
Assunto de cariz técnico mas importante para o país. Mas tenho para mim que, antes de tudo, é preciso reformar e reconfigurar o Estado, ou seja, diminuí-lo, e assim reduzir os custos do seu funcionamento.
ResponderEliminarCorroboro o Adriano. Sem reformas do sistema dificilmente se fará a reforma fiscal. Antes de mais é preciso viabilizar economicamente CV apostanto nas áreas, nichos de mercado internacional, para ter crescimento sustentável. Portanto a procisão ainda está no adro.
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