No entanto, algo mais se deflagra neste Outono para elevar a sua temperatura, desta feita proveniente das emoções humanas. É a cena política a efervescer-se com a discussão sobre quem deve governar o país em face dos resultados das últimas eleições. A força política vencedora com maioria relativa teve o beneplácito do presidente da república para formar governo, que é imposto, mas de ante mão sabendo que o caminho lhe estava obstruído. É que a maioria absoluta parlamentar constituída pela junção dos deputados da oposição não lhe chancela esse direito, com o argumento de que o país não pode consentir mais desgovernação, de que é impensável continuar de cócoras a cumprir um receituário ultraliberal que fez regredir a grei em todos os indicadores sociais e económicos. E a oposição não se ficou pela recusa de caução a esse governo, ultrapassou, aparentemente, as suas divergências históricas e apoiou uma solução governativa, com base no segundo partido mais votado.
As opiniões dividem-se e uns evocam a prática usual que foi seguida, ao longo de décadas, entre os dois maiores partidos do “arco da governação”. Outros contrapõem com o argumento de que o mal do país resulta precisamente desse “arco da governação”, dos vícios que permitiu, do nepotismo que deixou enraizar na sociedade, da perversão em que deixou cair a ética democrática. E que já não faz mais sentido que forças políticas que hoje são representativas de uma faixa significativa do eleitorado continuem no seu solipsismo ideológico, contentando-se com uma função meramente tribunícia, de protesto e reivindicações sindicalistas, sem se disponibilizarem para a assunção de responsabilidades governativas.
Contudo, predispondo-se o PCP e o BE a apoiar um governo liderado pelo PS, há quem, do outro lado da barricada, não se conforme e se declare preocupado com o que considera a apropriação daquele partido pela Extrema-Esquerda. Mas também há quem, em campo mais neutro, considere ser uma importante mudança histórica um acordo entre a Esquerda que possa reconfigurar de forma mais simétrica o “arco da governamentação”, possibilitando a existência efectiva de duas verdadeiras e sólidas alternâncias políticas. Uma, já facilitada pelo que tem sido uma natural afinidade ideológica entre o PSD e o CDS/PP, outra, nunca antes viabilizada por causa da fragmentação polissémica na área da Esquerda, mas que pode tornar-se uma realidade se a lucidez política e a responsabilidade cívica forem as únicas mandatárias das consciências. Quebra-se assim um tabu ou vai ser sol de pouca dura?
Pois o problema é que os dois partidos mais à esquerda do espectro ideológico sempre deram razões para se descrer da sua disponibilidade mental para aceitar compromissos, existindo uma suspeição generalizada a esse respeito, embora certos atavismos e preconceitos continuem a obnubilar a limpidez do nosso olhar sobre a coisa política.
Eis o fogo de uma discussão em meio à aromática fumarada dos assadores de castanha que nestes dias emprestam um ar romântico às esquinas das nossas ruas. Neste momento, as castanhas estão mas é a estalar nas mãos de Cavaco Silva, que bem podia ter antecipado a data das eleições.
Tomar, Novembro de 2015
Adriano Miranda Lima
Brilhante texto em que concordo em quase tudo. Bom senso político profundidade da análise e lindíssima prosa, são os dons deste nosso estimado amigo Adriano, um luso e caboverdiano, que deu muito a Portugal e que no alto da sua sabedoria poderia ter ajudado a CV nas sua áreas de competência. Mas falemos agora de Portugal...
ResponderEliminarObrigado pelas tuas simpáticas e estimulantes palavras, José. Reconheço que a minha "sabedoria" não é muita, mas a boa vontade permite-me intuir que estamos a passar por tempos que não são nada auspiciosos. É em Portugal, é na Europa, é no mundo em geral, mas é particularmente doloroso saber que o nosso pequenino Cabo Verde se ressente imediatamente dos entorses dos outros, já que eles é que vão alimentado a nossa ilusão de estado independente. E tanto que Cabo Verde depende de Portugal...
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