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terça-feira, 8 de dezembro de 2015

[8734] - É AGORA, O NOSSO MOMENTO!...

Humberto Cardoso
Michael Spence, prémio Nobel da Economia, num artigo recente publicado no Project Syndicate chamou atenção pelo facto de que a economia mundial está a acomodar-se num caminho de baixo crescimento conduzida pela incapacidade ou falta de vontade dos políticos de contornar os importantes constrangimentos que se colocam no caminho de uma maior dinâmica económica a nível global. Acrescenta ainda que mesmo o actual crescimento anémico poderá vir a revelar-se insustentável. Outros economistas como Larry Summers, Paul Krugman ou J. Bradford DeLong falam abertamente do que chamam de estagnação secular – uma nova era que estaria já à porta caracterizada por baixo  crescimento num ambiente de baixa inflação ou mesmo deflação e de taxas de juros próximas dos 0%.
Todos estes avisos de eminentes economistas em relação à evolução da economia global nos próximos anos devem constituir um motivo de preocupação para os cabo-verdianos. Fraco desempenho da procura global significa menos estímulo económico, menos crescimento e concomitantemente menos capacidade de diminuir o défice orçamental e a dívida pública que segundo o último relatório do GAO situou-se, em 2014, nos 116% do PIB. Já temos um problema grave de estar a crescer muito abaixo do potencial. Segundo o GAO, o crescimento em 2014 foi de 1,8% quando em 2013 tinha sido de 1%. Os dados do INE do último trimestre (2º) apontam para uma taxa de crescimento de 0,1% do PIB. O 1º trimestre tinha sido de 1% do PIB, o que não augura nada de espectacular para 2015. Se as perspectivas mundiais para os próximos anos não são as melhores, mais razões devemos ter em pensar políticas no curto e médio prazo que, citando o relatório do GAO, ajudem a “recuperar do período de estagnação e a recuperar o diferencial em relação ao potencial” de crescimento económico.
2016, o ano de todas as eleições, está aí à porta. Devia ser o momento certo para se discutir abertamente a situação real do país e o contexto global onde vai labutar para encontrar o seu caminho para um desenvolvimento sustentável e sustentado. Devia ser também o momento para se deixar cair a propaganda e o ilusionismo enquanto instrumentos de governação para se focar na discussão séria do como fazer e que opções tomar para ultrapassar os múltiplos constrangimentos que não deixam o país crescer e mantém a sua população num nível de vulnerabilidade inaceitável.
Aparentemente todos sabem o que fazer. Sabe-se por exemplo que:
Devíamos ter uma administração pública isenta, imparcial, profissional, atenta às necessidades da economia e favorável à manutenção de um ambiente de negócios atractivo.
Devíamos assumir uma política de atracção de investimento externo suportada em políticas que dão competitividade ao país designadamente nos domínios da segurança, no domínio legal/contractual, fiscal, energético e de transportes e comunicações.
Devíamos primar por um ensino de qualidade com ênfase nas ciências e na aquisição de competência linguística a todos os níveis de forma a qualificar a mão-de-obra cabo-verdiana e construir bases sólidas para o empreendedorismo e a inovação.
Devíamos quanto ao turismo assegurar uma outra atitude das instituições, mais positiva e criativa e da sociedade um novo engajamento e uma renovada cultura de serviço para se poder conseguir sucesso sustentável neste sector crucial para a dinâmica económica do país. 
Devíamos tudo fazer para que o apoio ao sector privado nacional e à iniciativa individual deixe de ser um mero slogan para passar a ser um objectivo essencial para se poder ganhar capacidade endógena de criação de riqueza no país.
Devíamos fazer uma aposta séria nas tecnologias de informação e comunicação como actividade que permite ultrapassar os constrangimentos do isolamento e de fragmentação territorial do mercado nacional e ao mesmo tempo servir de veículo para talentos e criatividades individuais com potencial de retorno extraordinários para as pessoas e para o país.
Devíamos considerar vital para o futuro reorientar a mentalidade no sentido de produção de bens e serviçostransaccionáveis como condição necessária para alargar mercados, obter economias de escala e criar emprego num ritmo que efectivamente diminua as taxas de desemprego no país.
Todos, o governo, a oposição e a sociedade sabem isso. O governo mostra saber isso quando impregna o seu discurso com referências ao empreendedorismo, inovação e desenvolvimento do sector privado. A oposição critica falhas nesses domínios e promete medidas mais eficazes para as superar. A sociedade é bombardeada todos os dias com notícias de fóruns, workshops, feiras e outros eventos em que pelaenésima vez se promete que agora é que se vai fazer o take off, ou tirar as amarras para a largada ou realmente mudar o chip. Na prática o que todos os dias se vê é que a Administração Pública continua partidarizada e pouco sensível ao pulsar da economia, o sector privado anda pelas nas ruas da amargura, a competitividade mantém-se baixíssima, o desemprego fixa-se em taxas elevadíssimas e o crescimento económico permanece anémico.
A questão que se coloca é se a discrepância entre o discurso do governo e os resultados que obtém devem-se à incompetência ou são consequência de uma opção bem clara: por um lado, fazer o discurso politicamente correcto e, por outro, actuar numa perspectiva diametralmente oposta em que a preocupação com o controlo e a manutenção do poder sobrepõe-se a tudo, incluindo ao desenvolvimento. Hoje é evidente para qualquer observador que o discurso que o governo faz, e que é salpicado de referências a políticas e medidas que poderiam agradar a todos, fica pela aparência. Não há acção consequente. Serve fundamentalmente para ofuscar a realidade do controlo que realmente pretende ter sobre o país e a sociedade.
Na prática, procura introduzir no tecido social, económico, cultural e até no seio dos outros partidos redes de influência através das quais as pessoas ficam dependentes do Estado, dos seus caprichos e suas preferências. Com este objectivo central em mente, os resultados só podiam ser os que se vêem actualmente no país. Em vez de gente activa, produtiva, ambiciosa e orientada para o sucesso quer-se pessoas a disputar acessos, benefícios e favores. 
A verdade é que nenhum país consegue desenvolver-se reproduzindo esse tipo de mentalidade na população. Em países com petróleo ou outros recursos que se pode simplesmente extrair da terra e vender, governos similares procuram o apoio do povo distribuindo parte da bonança. Mas mesmo aí não há garantia que a barganha dure para sempre. A coisa complica-se quando o preço internacional desses produtos, caso do petróleo, cai e a bonança fica menor. Ou no caso de Cabo Verde se a ajuda externa diminui. Vai-se então para o endividamento mas até isso tem limite. Neste particular o relatório do GAO chama a atenção mais uma vez quando diz que “a redução do peso da dívida externa é crucial para o país poder ceder a mercados financeiros internacionais, à medida que a ajuda externa tradicional diminui”.
Insistir nesse tipo de governação só pode levar a retornos cada vez mais baixos em relação aos investimentos feitos e a resultados com sustentabilidade cada vez mais precária. A contínua vulnerabilidade da população rural, em particular na ilha de Santiago, mas também em Santo Antão e Fogo apesar dos enormes investimentos feitos, é prova evidente disso. A persistência do desemprego elevado e do crescimento raso também confirmam a inadequação das políticas do governo. Empresas públicas como a TACV e a ELECTRA só conseguem sobreviver imputando custos altíssimos às pessoas, às famílias e à economia do país.
Podia-se  pensar que, particularmente com sombras negras a pairar sobre a economia mundial, o PAICV, o partido no poder, mudasse de políticas. Quinze anos depois todos vêem que elas não funcionam e os resultados que apresentam não têm garantia de sustentabilidade futura. Mas o partido não muda. Em vez disso opta por aumentar até o paroxismo o ritmo da propaganda e os actos de ilusionismo que suportam a ficção que luta a todo o momento para impor ao país. É só ver como o Sr. Primeiro-ministro e os seus ministros têm circulado pelas ilhas e comunidades emigradas neste ano de 2015. Até dá para perguntar se, de facto, andam mesmo a governar.
Em todos os discursos, mesmo quando finge reconhecer insuficiências actuais, a mensagem principal é que tudo vai bem e que as falhas são provavelmente de outros e de causas externas sobre as quais não têm controlo. Põe, por exemplo, a Dra. Leonesa Fortes, o sétimo ministro da Economia dos governos do PAICV, num frenesim por todas as ilhas particularmente as do Norte do arquipélago, prometendo fazer nos últimos meses do mandato o que não se fez nos últimos quinze anos. E sabe-se perfeitamente que ela não tem força política para mudar nada como, aliás, os outros seis ministros que a antecederam não tiveram. Muito menos tê-la-ia num hipotético governo da Dra. Janira Almada. De facto, com todo este lançar de poeira nos olhos das pessoas, o PAICV está a reafirmar que vai continuar igual a si próprio. Faz o discurso do desenvolvimento que se lê nos manuais de economia ou se ouve nos corredores das instituições internacionais, mas depois “pensa com a sua própria cabeça” e põe o controlo e o desejo de poder acima de tudo. Por isso é que os resultados são os que tem.
Cabo Verde paga o preço de ser governado por quem, no fundo, bem no fundo, acredita que o país não é realmente viável. Que o país sempre há-de viver da ajuda externa. Convém-lhe que seja assim porque dessa forma poderá continuar a ter o controlo dos recursos e a manter o poder. Há países autoritários e não democráticos como a China e a Singapura que usam a bandeira do crescimento económico acelerado para legitimarem o seu regime. O PAICV mesmo quando governou como partido único nunca quis promover as exportações como as Maurícias e fomentar o turismo como as Seychelles para atingir taxas elevadas de crescimento e diminuir rapidamente o desemprego. Sempre preferiu o controlo.
Nas eleições que se aproximam, há que dizer um basta a isto. O mundo à nossa volta não espera. Todos os dias está a ficar mais rigoroso nas exigências e menos generoso nos seus gestos de solidariedade. A Espanha vai deixar o GAO porque, segundo o relatório citado, mudou de política de cooperação e vai ter um menor foco na ajuda não reembolsável. Essa é a tendência que os outros, mais cedo ou mais tarde vão seguir. Por isso, um outro rumo tem que ser tomado para que o cabo-verdiano finalmente encontre o caminho para a sua felicidade e prosperidade na Liberdade. Parafraseando o presidente Obama: O nosso momento é agora. 
*Intervenção na Assembleia Nacional, no dia 24 de Novembro de 2015

(in Opinião)

1 comentário:

  1. O discurso é de grande lucidez. Embora proferido em nome do partido a que o deputado pertence, não creio que o pensamento aqui expresso tenha muito a ver com a fidelidade partidária. O que é dado ler se prende menos com a obediência ao pensamento do partido do que com os ensinamentos e princípios das ciências económicas, tendo, neste caso, como pano de fundo a nossa realidade tal como ela é e não como desejaríamos que fosse.
    Há factos que são de uma verdade meridiana e não é nada confortável termos de os encarar. Realmente, não podemos viver em permanente ilusão, não podemos continuar a usar óculos de Pangloss. Se não formos nós a arrepiar caminho, outros nos forçarão a fazê-lo. É ver o nível que a nossa dívida já atingiu (116%, conforme é citado) e o obstáculo que isso representa, ou pode vir a representar, para o acesso aos mercados financeiros internacionais.
    Contudo, o Humberto Cardoso fala sobre a economia de Cabo Verde, sem denunciar que o peso do Estado, assim como o seu figurino organizativo, é um estorvo ao relançamento e crescimento da economia. Ele nem sequer insinua que uma profunda reforma do Estado tem de ser empreendida para se poder libertar recursos para a economia. Temos em Cabo Verde um Estado que é decalcado de modelos continentais e de países ricos. Essa reforma tem de ser profunda, mexendo com tudo para reduzir o Estado à expressão mínima, e tem de ter como objectivo a regionalização e a desconcentração do aparelho do Estado. Em simultâneo e em concorrência. Assim se poupará recursos e se dará a cada região a possibilidade de ser uma parceira efectiva no desenvolvimento global do país.

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