Rua Direita - Nova Sintra (Ilha Brava) CONTOS SINGELOS |
Por
GUILHERME DA CUNHA DANTAS
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NHÔ JOSÉ PEDRO
CENAS DA ILHA BRAVA
Primeira parte
Mocidade de José Pedro
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Devaneios que podem servir de prólogo
Bastantes romances, contos, lendas, etc., tenho lido, e entre tantos escritos nenhum ainda encontrei que me falasse do ignorado cantinho da terra onde tive a dita de vir ao mundo, a não serem uns melancólicos versos de Hipólito Garcês publicados num excelente jornalinho literário, e que começava assim; se bem me lembro:
A ILHA BRAVA
Quando o sol brilha ardente
Sobre o cume destes montes.
E no oceano resplandecente
Refletir vai a alta fronte.
Eu afino a minha lira
Com a brisa que suspira
Agitando a tenra flor.
E este mar que aos pés diviso
Eu encaro c’um sorriso,
Sem temer o seu furor
Ruja embora, em fúria embata
Nos rochedos – imprudentes!
Que me importa se ele acaba
Estes montes imponentes!
………..
É tão doce ouvirmos falar da nossa terra quando nos achamos exilados em terra estranha!..
É pois levado das saudosas reminiscências da terra natal, duma lembrança dos meus primeiros anos, que tão impressa trago na imaginação, que pela primeira vez em obras desta natureza, pego na pena, para procurar verter para o papel ideias que tanta impressão produzem em minha alma.
A aldeia – “Pé da Rocha” é uma pequena povoação situada no interior da ilha Brava de Cabo Verde, e os naturais a dominam assim, por se achar edificada nas faldas de rochas enormes, donde de tempos a tempos se precipitam pedras duma grandeza considerável, a cujo estrondo os supersticiosos moradores saem das suas frágeis casinhas invocando o sagrado auxilio, pois supõem ser aquilo obra do demónio.
Nesta aldeia, cujos arredores são fertilíssimos, bem como quasi toda a Ilha, existia a modesta casa de meus avós, e nela se passaram a maior parte das cenas que constituem este outro drama de Paulo e Virgínia, dramas somente semelhantes nos personagens e no cenário.
As casas de Pé da Rocha são quasi todas mal construídas, disseminadas, e cobertas de com folhas e troncos de bananeira, perfeitas cabanas, ou “funcos”, como se dizia na ilha.
A casa de nhô José Pedro – Porém destacando-se de entre estas pobres habitações, quais brilhantes estrelas em negro céu, viam-se umas três casas de boa aparência. Destas sobressaía uma, que se fazia notar pela alvura de suas paredes, seu telhado, e um formoso quintalinho, onde se viam viçosos canteiros de hortaliças e abóboras, de diversas castas de batata vulgarmente chamada doce entre os portugueses, mas a que os naturais dão diversos nomes como de terra, “canêca”, “remisso” inglês” (1).
Ao longo de suas paredes estavam plantadas roseiras e baunilhas em flor, e outras várias plantas trepadeiras. Uma frondosa goiabeira assombreava com a sua verdejante copa uma das duas janelas que davam para o quintal.
Se perguntásseis a qualquer dos moradores de “Pé da Rocha” – a quem pertencia aquela encantadora vivenda, responder-vos-ia logo:
-- É de Nhô José Pedro.
Porque José Pedro, o nosso herói, era pela sua bondade e honradez, conhecido e estimado de todos, e abençoado dos pobres.
Os dois marinheiros – Em 1827 vivia estabelecido em “Santa Ana”, a povoação principal da ilha Brava, um rico brasileiro, por nome António Pedro, e que tendo começado por simples praticante de pilotagem num navio mercante, chegou a enriquecer no comércio, “não de pau de ébano” (escravatura), mas tráfico honrado de produtos da terra.
Chegou a possuir dois navios excelentes, podia possuir muitos mais. De um deles, a bela “Carolina”, era ele próprio capitão. O outro, lindo brigue veleiro, era batizado com o nome de “Esperança”, e era comandado por João Gay, paraguaio robusto e companheiro de fortuna do brasileiro, ambos órfãos desde a infância.
António Pedro fora educado sob a tutela de um tio, que o tratava como filho.
João Gay, filho de marinheiro, nasceram-lhe os dentes sobre as águas do mar, por assim dizer.
Frequentaram juntos os estudos num colégio do Rio de Janeiro, depois a sua vocação os levou a seguir a mesma carreira – a de marinheiro.
Em uma noite medonha de horrorosa tempestade, dois navios abalroaram no alto mar, como se não bastasse o furor dos elementos para os submergir.
Continua
NOTAS: - (1) “Coisas dos meus patrícios! Como aqueles senhores não têm gramática, dizem na sua algraviada: “ um baca”, “dois baca”(…) e assim também dizem “batata inglês “por” inglesa” . Esta é a batata comum de Portugal, e sendo aí muito rara, só em acesso na mesa dos ricos. “
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Biografia com lacunas:
Guilherme da Cunha Dantas – Poeta e escritor – Nasceu na Ilha Brava em 1848/49, sendo o mais provável Junho de 1848….”
Recolha de A. Mendes
Contos singelos mas sem dúvida agradáveis de ler, sobretudo tratando-se da bela ilha Brava. Quem venha a continuação.
ResponderEliminarTanta beleza! A riqueza das coisas simples prendem a nossa atenção...
EliminarTão bem contado, que me senti em frente aquela casinha branca enfeitada de roseiras, trepadeiras, e com uma janela sombreada por árvore verde e frondosa.
O sonho durou alguns segundos - zanguei-me com a realidade...
(aguardo a continuação)
Abraço.
Dilita
A descrição da ilha pequenina e «morabi», do seu casario, do seu quotidiano e das suas gentes de antanho, feita através da pena deste insigne cronista e contista que foi Guilherme Dantas.
ResponderEliminarUma informação: existe um trabalho de pesquisa, de autoria de Manuel Brito Semedo sobre o escritor e poeta Guilherme da Cunha Dantas.
Abraços
Ondina