A Regionalização: Um Desígnio Nacional? – I Parte
“A verdade que faz os homens livres, é na maioria das vezes, a verdade que eles preferem não ouvir” – (Herbert Agar)
Por: José António Lopes
Na agenda nacional não tem faltado ao debate o tema da Regionalização, o que se deve ao papel de muitos cidadãos que se têm envolvido de forma empenhada nesta discussão. Além de posições individualmente expressas, a suportar esta tese, surgiu na sociedade uma corrente organizada de opinião reivindicando a necessidade de um sistema regionalizado em Cabo Verde. O Movimento para a Regionalização de Cabo Verde, nascida em S.Vicente, encarregou-se de transportar esta bandeira. Com uma abordagem comum, vem trabalhando com afinco, no sentido de confrontar a sua versão com a centralização excessiva do país, através duma assinalável intervenção cívica e pública.
Do rol de actividades do Movimento, que data de há três anos, pode-se escrutinar acções de natureza diversa, com o intuito, não apenas de operar a sensibilização da população e realizar a pedagogia sobre esse facto, bem como de manter viva a temática na agenda política cabo-verdiana, um gesto de cidadania que merece ser assinalado. Mau-grado as dificuldades de toda a ordem, que certamente caracterizam acções do género num país como o nosso, o Grupo de cidadãos não dá mostras de cansaço. O dinamismo, visível em S.Vicente, tem resultado num contributo ao processo de democratização da sociedade, que traduz um acto de liberdade de pensamento e de acção. Visitas às zonas da ilha, confecção e distribuição de material publicitário, fora, reuniões, acções de esclarecimento, um pouco de tudo se tem visto nesta caminhada.
Mas não seria preciso recuar às Calendas Gregas para se perceber que esta problemática tivera o seu início, há quase duas décadas, quando o Dr. Onésimo Silveira, quebrou o tabu pondo o tema em cima da mesa. Contudo, nascesse o Movimento em Santa Luzia ou no ilhéu raso, um projecto de Regionalização em Cabo Verde só pode ser de natureza e âmbito nacionais. Assim acontecendo, como se justificariam determinados estados de alma em relação àquelas duas parcelas do território nacional? Por isso mesmo, não cheguei a compreender o interesse, referido algures, em questionar a génese do Movimento na ilha de S.Vicente. É que os acontecimentos ocorrem quando e onde as condições e as razões objectivas e subjectivas se reúnam. Muitas vezes, estas são históricas, sociológicas e culturais.
Já agora, porque não se interpela o facto de ter brotado nesta ilha o “Movimento Claridoso” ou as circunstâncias que denominaram a zona da Rª Bote como primeira Zona Libertada do país. Bastasse revisitar a história recente, para encontrar outros episódios, cujo umbigo se encontra nesta ilha: O 1º grupo de cidadãos a disputar eleições em Cabo Verde; a 1ª mulher presidente de Câmara; o 1º festival Internacional de Música de Cabo Verde, o 1º Festival internacional de teatro; as únicas eleições intercalares em Cabo Verde; a 1ª escola técnica em Cabo Verde, para só citar alguns. Outras ilhas foram pioneiras noutras matérias, e que mal veio ao Mundo? Não pondo em causa o livre pensamento e a opinião que é um direito de todos, o importante no meu entender, é afrontar a discussão da Regionalização na sua substância, no que possa ter de vantagens e inconvenientes para o todo nacional e, pô-los no prato da balança. É esta atitude que me parece louvável e que, acho, deve nortear todos os que nutrem simpatia pelo fenómeno da Regionalização bem como outros, que legitimamente, não concordem com essa visão.
Todavia, quando se aborda o tema da Regionalização, o que verdadeiramente assusta não são os modelos, mas o dilema de ter de partilhar o poder. Aí é que está o busílis – como gostava de dizer o meu amigo de infância, que Deus o tem. É conhecido o quanto custa ao homem partilhar o poder. Dele não quer ouvir falar, muito menos praticá-lo. Em boa verdade, nos novos tempos a luta é cada vez para se ter mais poder e, quanto maior melhor. Então porquê partilhá-lo? Aliás, em várias latitudes, a luta pelo poder tem transformado o homem, não raras vezes, num autêntico demónio. Citando o Dr. Onésimo Silveira, realizar a regionalização é aproximar o poder ao povo, partilhar com o povo o que lhe pertence, é partilhar a liberdade e dar a palavra aos cidadãos. É bom recordar que a obsessão pelo Centralismo data do tempo colonial e os governos pós-independência não souberam contrariar este fenómeno. Em certos casos, a situação até se agravou. Importa que o Estado e a classe política decidam se querem continuar a política centralizadora com as sequelas que dela se conhece, ou pelo contrário, preferem partilhá-lo com as populações em benefício desta e protagonizada com gente digna, capaz e patriota. Gente que saiba valorizar o esforço dos cabo-verdianos no país e na diáspora e que se rege por princípios éticos e pelo mérito.
Do Estado se exige o despoletar de iniciativas que reforcem a cidadania e a participação activa da sociedade, e deve fazê-lo a pensar em “todos” os cidadãos onde quer que estejam. É assim que se constrói a solidariedade activa no seio da sociedade e se realiza a justiça na gestão e redistribuição dos recursos e meios públicos disponíveis. Assim sendo, poder-se-ia evitar que parte da população, flagelada pela injustiça e desigualdade fruto das assimetrias no país, possa não resistir à tentação de revelar indiferença em situações de gravidade nacional e até de sinistro, como a última erupção do vulcão no Fogo.
in A Semana
Começam a aparecer opiniões, o que é de saudar, porque antes eram sempre os mesmos a bradar no deserto. Que venham mais contributos!
ResponderEliminarMuito bem, já aparecem outros a escrever sobre o tema. Já podemos voltar para as casernas!!
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