No decurso dos últimos anos, tem havido uma tentativa deliberada de um “grupinho” de presumíveis intelectuais deste país, no sentido de impor “um crioulo” aos cabo-verdianos, tendo até recorrido às altas individualidades deste Arquipélago, visando a concretização de tal intento. Talvez tivessem esquecido de que a língua não é propriedade exclusiva dessas individualidades ou dos partidos políticos, mas sim de um povo e de uma nação. Se todos estamos de acordo de que os cabo-verdianos são apaixonados pela língua materna, utilizando-a de todas as formas no seu quotidiano (na música, na poesia, nas relações interpessoais, etc.), a ponto de alguém ter afirmado que ela se encontra no “DNA dos cabo-verdianos”, menos razoável ou até absurdo, seria querer tirar dividendos político-partidários e/ou procurar protagonismo pessoal nessa matéria, sem se preocupar com as consequências que daí possam resultar. Pois é, ilustres leitores, para além de não existirem condições para se debruçar sobre essa problemática de momento, ela não é prioritária para o país e irá brigar com uma das maiores proezas conquistadas ao longo de mais de cinco séculos – a CABO-VERDIANIDADE. Ademais não traria qualquer mais-valia à nação mas sim o contrário, pelos motivos seguintes:
1. O Arquipélago de Cabo Verde é formado por nove ilhas habitadas, cada uma delas com a sua realidade e variantes sociolinguísticas próprias que, efetivamente, dão “sal” à nossa cabo-verdianidade. Por isso, insistir apenas nos crioulos de Santiago (que também possui as suas “sub-variantes”) e de São Vicente, seria, pura e simplesmente, menosprezar a cultura e os costumes das restantes ilhas. Pior ainda seria padronizá-lo, porquanto, não seria nem lógico nem legítimo obrigar uma pessoa de S. Nicolau, por exemplo, a falar ou a escrever um crioulo inventado pelo Alupec ou por outro instrumento que alguém, a seu bel-prazer, vier a criar.
2- Uma eventual imposição de “um crioulo”, provocaria, obviamente, divisões e inevitáveis tensões sociais, a nível nacional, como já se começa a sentir;
3- O sector do Turismo é considerado uma alavanca do desenvolvimento destas nove ilhas do arquipélago, o que significa dizer que, para além de se investir em infraestruturas e em outros benefícios sociais capazes de atrair turistas das diferentes partes do mundo, torna-se necessário apostar, cada vez mais, na formação dos nossos quadros em línguas estrangeiras, sobretudo em língua inglesa que, para além de ser internacional, é considerada a língua de desenvolvimento. Seguramente que não precisaríamos formar Guias Turísticos em crioulo atendendo que não seriam os cabo-verdianos a sustentar essa nossa “galinha de ovo de ouro”.
4- Para uma eventual aposta no crioulo, precisar-se-ia de muito tempo e dinheiro não só para pagamentos de equipas de consultoria na matéria, como também na planificação e conceção de vários instrumentos necessários ao seu ensino e à sua aprendizagem. Isto sem falar de um trabalho aturado para a sua introdução nas NTIC’1. Daí que, se se fizer uma análise prévia e cuidada do custo-benefício, o resultado de tudo isso reduziria em nada.
5- Os nossos estudantes e futuros governantes precisam da língua portuguesa e de outras como a inglesa, a francesa, a alemã, a chinesa, etc., não só para poderem ter acesso às universidades, através de concursos nacionais e internacionais, mas também para conseguirem aguentar a formação escolhida, desenvolver trabalhos de investigação e, obviamente, concluir com sucesso, todas as etapas da vida académico-profissional. A aposta no crioulo constituiria, simplesmente, um contratempo às legítimas aspirações das gera1 Novas Tecnologias de Informação e Comunicação
ções futuras deste País. Significa que devemos segurar e nos aperfeiçoarmos cada vez mais na língua portuguesa, e em outras línguas de desenvolvimento, atrás referidas, se quisermos, efetivamente, que Cabo Verde avance.
7. Os “fundamentos” para se apostar no crioulo por parte desse “grupinho”, já referido anteriormente, são os mais incompreensíveis possíveis, que não convém aqui detalhar. O certo é que os cabo-verdianos já demonstraram e continuam a demonstrar o contrário, estudando em vários países do mundo, muitos deles em línguas completamente estranhas em relação à própria língua portuguesa (como por exemplo nos países do Bloco Leste, nomeadamente, Bulgária, a Checoslováquia, a Ucrânia, a China, o Japão e nos países da Europa e das Américas) e nem por isso tiveram constrangimentos de maiores que lhes tenham impedido de concluir as suas formações. Pelo contrário, desde a independência nacional até hoje, tivemos governantes e quadros competentes em vários domínios, dando contribuições valiosas para o desenvolvimento do país. Sendo hoje a estatística um dos métodos de capital importância na tomada de decisões, convém recorrer aos números para que os leitores e decisores deste país tirem as devidas ilações sobre a questão em alusão: o crioulo cabo-verdiano, apesar de ser, na verdade, a paixão de todos nós, é falado apenas por cerca de 496 mil habitantes, num universo global de mais de sete mil milhões, cuja representatividade é de tal forma insignificante, que dispensa qualquer tipo de cálculo ou interpretação. Já em relação à língua portuguesa, as coisas mudam de figura, ou seja, para além dela ser falada por aproximadamente 290 milhões de habitantes, nos quatro cantos do mundo, é a língua de desenvolvimento porque nos leva facilmente a chegar às mais diversas línguas faladas no mundo. É graças à língua portuguesa que conquistamos e inte
gramos os irmãos da CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa), uma comunidade que vem se expandindo pelo mundo fora, com todos os benefícios daí advenientes. Com efeito, trata-se de uma língua com história e alcance mundial que poderia ser utilizada como um instrumento fundamental para afirmação e desenvolvimento de Cabo Verde nesta era de globalização. O próprio fundador da nossa nacionalidade, Amílcar Cabral, tivera reconhecido e afirmado, antes da independência nacional de que “a língua portuguesa é uma das melhores coisas que os portugueses nos deixaram”, isto pensando, efetivamente, não apenas na condição sociocultural do nosso povo, mas também na necessidade de podermos reforçar as nossas relações internacionais e investir na Ciência, na Tecnologia… e em outras áreas importantes para o progresso de Cabo Verde. Embora apologista (na altura) do ensino do crioulo, mas só depois do mesmo ser bem analisado, refletido e estudado, Cabral defendia que, antes disso, “se queremos levar para a frente o nosso povo, durante muito tempo ainda, para escrevermos, para avançarmos na ciência, a nossa língua tem que ser o português...”. Ilustres leitores, a língua crioula é já afirmada e valorizada na nossa sociedade, servindo-nos muito bem (internamente), no nosso quotidiano. Assim sendo, não convém decretar medidas a esse respeito ou impô-la, de forma precipitada, destorcida e inútil aos filhos destes dez grãozinhos de terra semeados no meio do Atlântico e pertencentes a todos nós. Por conseguinte, será preciso uma análise fria e desprovida de carga ideológica no debate sobre a política da língua no nosso país.
Se estamos bem e de saúde em matéria de língua aqui em Cabo Verde, com as nove variantes do crioulo, para nos comunicarmos e com a língua oficial portuguesa para melhor nos unir e nos abrir portas ao mundo globalizado, para quê “buscar doença”?
A língua deverá ser vista, não apenas como uma mera paixão político-cultural, mas também e sobretudo, como fator de desenvolvimento.
José Avelino Rodrigues de Pina
in A Nação, 440.
Gostei do artigo e acho essa reacção muito feliz. So lamento não ter saido antes das decisões tomadas sobre a imposição incrivel.
ResponderEliminarO Alupec ainda por cima não é uma língua adequada à situação climatológica das ilhas, pois sendo uma língua com "k" em sítio de calor não tem futuro. É como a estátua de Diogo Afonso: "oi nha mãe, tonte ropa naquel home,num terra de tonte calor"...
ResponderEliminarBraça descapada,
Djack
Artigo bem escrito e que utiliza o mesmo argumentário de outras tantas opiniões já derramadas sobre o assunto. Por isso, Val, sair agora ou antes não iria tolher os propósitos dos fundamentalistas. Se bem que esses propósitos corram o risco de ser como água dentro dum balaio, como se diz na nossa terra.
ResponderEliminarTexto oportuno
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