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quarta-feira, 6 de abril de 2016

[9095] - ARROGÂNCIA COLONIAL E AFRICANISTA...

Para quem se iludiu, em 1974, com súmbias e balalaicas e bailes populares que haveriam de nos tornar todos “camaradas”, falar de arrogância pode parecer exagero… 



A arrogância perverte o Poder. Sendo, por definição, uma atitude de quem manda, é uma forma de prepotência, uma deriva autoritária e complexada no exercício do Poder. Ora, numa Nação cuja história humana teve a sua génese no colonialismo e na escravatura, a arrogância haveria de campear! Fatalmente. Cinco séculos de soberba e injuriosa arrogância colonial deixaram estigmas no mais profundo da nossa idiossincrasia como povo… a ponto de muitos de nós acharem, ainda hoje, que Cabo Verde não é Africa!

E ficou desiludido quem esperava que a arrogância haveria de sucumbir com a Independência! Ficou desiludido porque cometemos, fundamentalmente, dois erros históricos: o primeiro erro foi a nossa reaproximação à África sob o signo de um africanismo meramente político, demagógico e hegemónico, a tal ponto que fechámos os nossos compatrícios no Tarrafal enquanto proclamávamos a plenos pulmões a “unidade Guiné-Cabo Verde”! Segundo erro, foi termos esquecido a Nação caboverdeana para criarmos essa espécie de feudo dos “melhores filhos”! Arvorando-se uma legitimidade das armas nas matas da Guiné, o PAIGC fez-se proclamar “força política dirigente da sociedade e do Estado”, com respaldo no famigerado artigo 4° da Constituição da República (cuja gestação levou cinco anos, para só ver a luz do dia em setembro de 1980!) 

Mas a História é feita de épocas e contextos: tratando-se, neste caso, da resistência anticolonial sem perder de vista o contexto da guerra fria, pode-se hesitar antes de atirar pedras a um regime de partido-único que assim se assumiu no momento histórico em que o fez… 

Vira o disco...

Até que um dia caiu o Muro em Berlim, e nos países pró-comunistas o medo foi recuando. Também aqui nas ilhas mudaram-se os tempos e as vontades, e foi declarada a abertura política… mas à cautela, não fosse o diabo tecê-las, nada de partidos políticos por enquanto! Claro que essa relutância foi entendida como uma tentativa de ganhar tempo, e de nada valeu ao partido único querer adiar o reconhecimento de outros partidos para se atardar no Poder. O povo, que é quem mais ordena, saiu à rua e ordenou: - “Grupos de cidadãos não, queremos partidos políticos agora! Eleições livres já!”

E assim as primeiras eleições democráticas de 1991 levaram ao Poder outros homens e as primeiras mulheres, ministras e secretárias de Estado. Estava aberto o caminho para a Segunda República, democrática e liberal, assim consagrada na Constituição de 1992.

...e toca o mesmo!

Mas… quando era de esperar que a arrogância cedesse lugar à humildade – qual estória! De entre os novos donos da terra, muitos deles antigos pupilos e dissidentes da desbaratada “força dirigente”, alguns pensaram que “nhame era bife”, e não faltaram vaidades e soberbas atitudes; face a orgulhos e cobiças desmedidas, a modéstia continuou a brilhar pela ausência. Nos supremos areópagos do Poder, achando alguns que era chegada a sua hora de fazer História, cada um puxava brasa à sua sardinha, e do novo partido da governança nasceram mais dois!

Em 2001 as urnas voltaram a falar e o partido da estrela negra voltou a brilhar, agora com outra cara. Mas a roupagem não era nova, estava apenas remendada… e pior foi a emenda que o soneto! Os antigos “melhores filhos” e os agora “melhores netos” açambarcaram, como no passado, os melhores TUDO! Quem não era da “dinastia” ou não lia pela mesma cartilha, melhor era não depender do Estado! À boa maneira do antigo partido único, o militante voltou a falar mais alto que o cidadão, muitas vezes com laivos de atrevimento! Claro que todo o mundo podia, aliás devia, exprimir-se… mas nada como o silêncio para uma boa carreira! 

Choque de arrogâncias

Noto que a nossa alteridade política, ainda bipolarizada entre os eleitos das urnas e os que esperam a sua vez, vem sendo marcada por alguma falta de humildade. Daí uma espécie de clivagem que se nos apresenta como um choque de arrogâncias.

Exagero! - dirão os mais descuidados. Como falar de arrogância numa sociedade como a nossa, que fascina e seduz pela conhecida relação de proximidade dos políticos e governantes com as pessoas?

Seja. Para quem se iludiu, em 1974, com súmbias e balalaicas e bailes populares que haveriam de nos tornar todos “camaradas”, falar de arrogância pode parecer exagero… 

Mas não é exagero não! E as vaidades e fátuas presunções que voltaram desde 1991 com os “excelentíssimos senhores” e os “doutores” à portuguesa, tê-lo-ão notado os menos atentos? Quem ousa interrogar-se sobre uma elite política mais ou menos empírica, mais ou menos doutorada, mas nem sempre à altura da sua missão ou dos canudos ostentados, muitas vezes com exigências que oneram o Tesouro Público? Há coisa de um ano demos connosco a manifestar contra os tratamentos de excepção que os nossos deputados, “noblesse oblige”, reclamavam a uma só voz, de costas viradas para a pobreza e as injustiças sociolaborais que grassam neste país! O veto presidencial haveria de pôr cobro a esse controverso projecto par(a)lamentar.

Não resisto a pensar num debate havido durante a recente campanha eleitoral: quando um candidato, aliás candidata, se permite “desqualificar” o seu contendor por causa de um nada-mais-normal lapso de concordância que poderia escapar a qualquer português de Lisboa, parece que a humildade ficou no vestiário! Além disso, defender que nem Camões a pureza da língua portuguesa num debate eleitoral, não é o que se espera do Partido do ALUPEC! É caso para dizer que campanha faz milagres!

Arrogâncias vs demagogias

Na política, lá onde divergem arrogâncias, convergem demagogias! A nossa sociedade já viu tudo: depois de termos sofrido na pele a arrogância colonial, não é que de um dia para o outro virámos todos “camaradas”! Como se tal fosse possível… 

Do populismo igualitário à individualização das oportunidades, foi um passo, aliás uma eleição em 1991, dando liberdade de empreender e prosperar no mundo dos negócios. Súmbias e balalaicas desapareceram (mudam-se os tempos, mudam-se as modas), mas falinhas mansas e palmadinhas nas costas alimentam, até hoje, um discurso e uma postura populistas comuns à nossa classe política, sem distinção. Humildade ou fachada, nada melhor para fazer engolir a pílula das promessas no advento de uma eleição! Pudera!, quem se dá ao trabalho de destrinçar a natural simplicidade do populismo bacoco e oportunista que em tempo de campanha se transforma em pura demagogia! Com papas e bolos se enganam os tolos, diz o provérbio!

Humildade precisa-se! Quarenta anos volvidos após a Independência, o actual Poder sufragado nas urnas deve quebrar o ciclo destes últimos anos de soberba, injúrias e militantismos mandibulares. Praza ao Povo, que o elegeu, que governe com sabedoria e humildade. Não só na rua para parecer simpático e angariar votos, mas nas relações de trabalho, no trato com as pessoas, sem vexames mas no respeito das suas legítimas diferenças. Não se espera outra coisa de uma democracia que já não tem mais nada a provar à face do mundo. (in Cabo Verde Direto)

Mantenhas da terra-longe, 6 de abril 2016

David Leite | davleite@hotmail.com

4 comentários:

  1. Gostei do texto. Uma boa análise do sucedido então.

    Infelizmente dos muitos erros cometidos logo nos inícios do País, foi o de terem transportado para esta pacíficas ilhas, e já com atraso, um cenário de guerra, de perseguição ao cabo-verdiano que aqui residia, como se se estivesse ainda a lutar pela independência. Quando tudo estava já resolvido, negociado com Portugal e na mais pura paz e amizade da "esquerda" portuguesa, então governante. Mas não, quiseram atrasadamente que os ilhéus fossem obrigados a conhecer as situações grotescas, algumas de terror por que passaram algumas famílias. Daí que muitos tivessem abandonado as ilhas.
    Ainda falta deles ouvir o porquê que saíram. E quão perseguidos foram a mando dos novos senhores. Faltam-nos estes complementos históricos, feitos com verdade e realismo.
    Abraços

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  2. Apenas um remate: Serão por essas razões que hoje temos tantos "combatentes" pela liberdade da pátria? ...E a receber, como tal, do erário feito de impostos de muitas das famílias e seus descendentes, que eles, os tais "combatentes" perseguiram, sem necessidade? Para quando um pedidos de desculpas?
    Abraços

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  3. Gostei de ler o texto do David Leite e apreciei o comentário da Ondina Ferreira.
    Quanto a pesporrência e falta de humildade, acho que ultrapassa todos os limites a "correcção" feita pela Janira ao seu contendor. É de todo censurável a "correcção" feita pela senhora Almada ao português do seu contendor. Atitude incoerente, como remata o David Leite nesta passagem: " Além disso, defender que nem Camões a pureza da língua portuguesa num debate eleitoral, não é o que se espera do Partido do ALUPEC! É caso para dizer que campanha faz milagres!"

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  4. Depois de lido o artigo do David e os comentários que antecedem este, afirmo-vos que, mesmo antes de ser levado à pia baptismal o partido único, já esperava do que se passou. Prometeram e cumpriram. Só não liquidaram fisicamente mais porque alguns não estavam próximos. Todavia tentaram manchar uns que não aderiram ao programa que iam anunciando e ameaçando. Falar disso aqui, tintim por tintim, seria mais um artigo que um comentário.
    Louvo (como fiz noutro lugar) o David e, já agora, os dois comentaristas, articulistas que admiro.

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