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quarta-feira, 20 de abril de 2016

[9145] - CARTA ABERTA AOS DEPUTADOS...

Termino esta carta a pensar no exemplo dos países nórdicos: não são os mais ricos do planeta, mas neles reina a prosperidade e ninguém passa falta do essencial; governantes e deputados nesses países vivem sóbria e modestamente (porque alguém há-de pagar quando um país distribui a uma classe mais do que lhe consentem os seus recursos). E ainda ajudam os países mais pobres – pobres mas ricos de bazofaria e vaidades de poder que a ética de Estado proíbe nos próprios doadores!


Digníssimos Senhores Deputados da Nação,

Vós sois os eleitos do Povo com assento na Casa Parlamentar para esta IX legislatura que se constitui amanhã, dia 20 de abril! E é com muita honra que me dirijo a V. Excias neste início de mandato que desejo auspicioso e de pleno sucesso.

Antes de mais, para vos desejar boa sorte e bom trabalho! Parabéns aos nobres eleitos que receberam o mandato do Povo para nos representar e legislar em nosso nome durante os próximos cinco anos!

E se me permitem, dizer-vos o que vai na alma deste simples e humilde cidadão-eleitor de entre os 229.337 que vos confiaram o seu voto.

Desde o mês de março do ano passado que tenho vindo a pensar para os meus botões: - “Espero que os próximos candidatos à deputação reflitam muito bem antes de se lançarem na disputa para a Assembleia Nacional”.

Foi a primeira vez que esta questão me veio à mente, e se calhar não fui o único. Vós sabeis porquê, Senhoras e Senhores Deputados. Ninguém esqueceu o famigerado Estatuto dos Titulares de Cargos Políticos que pôs este país em polvorosa em março do ano passado, até que sobre ele recaiu o bem-avisado veto de S. Excia o Presidente da República. Serenados os ânimos, o espectro da reforma por fazer continuou a pairar nos espíritos até à última campanha para as eleições legislativas.

Não sei em que consiste, Digníssimos Senhores Deputados, o acto de candidatura à Assembleia Nacional. Existe alguma carta de compromisso avalizada em sede própria pelas instâncias superiores dos partidos concorrentes (visto que só os partidos estão habilitados a propor candidaturas)?

Pensei que desta vez, depois daquele controverso Estatuto, seriam tomadas algumas providências para no futuro se evitar equívocos e surpresas a meio da legislatura. Pensei, meio a brincar comigo mesmo, que se haveria de perguntar aos candidatos – “ Vossemecê tem a certeza que quer servir o seu país como deputado? Então queira tomar nota das condições: vai ganhar tanto por mês e as regalias que o Estado pode oferecer-lhe são as seguintes” (e explicar muito bem). E feito esse preâmbulo, uma pergunta a rematar: -“ Vossemecê está de acordo?”

Aí, de duas uma: ou o candidato aceitava as condições, nesse caso “favor marcar ‘ciente’ e assinar” preto no branco... ou as condições lhe não convinham, e assim sendo abdicava da Casa Parlamentar e deixava avançar outro! E não lhe pesaria a consciência pois outros candidatos à candidatura não haveriam de faltar. Não é raro, aliás, haver mais pretendentes do que vagas a preencher, com os habituais “chega para lá” no seio de um partido para figurar em posição elegível nas listas eleitorais!

Assim não faltaram, graças a Deus, candidatos para, de entre eles, elegermos os nossos 72 deputados, mesmo sem o Estatuto dos Titulares de Cargos Políticos que ficou em águas de bacalhau (desculpem a linguagem trivial)! Ninguém arredou pé. Dos deputados cessantes, os que não se recandidataram, não foi por “ganhar pouco”, e ninguém disse “eu não vou lá porque é mal pago”.

Compreende-se: o fascínio e a atracção pela função (e pela Casa Parlamentar onde ela se exerce) conjugam-se com a honra e o prestígio que essa função confere. Servir a Nação não é uma maçada, é um privilégio!

E outra vez dou comigo a cogitar: se nunca faltam candidatos, se calhar a função de deputado não é assim tão mal remunerada e sacrificada! Mas o idealista que sou prefere acreditar que o compromisso com a causa nacional conta mais do que o dinheiro! Quanto mais não seja porque o Parlamento da República não é uma empresa, e ser deputado é uma opção – ninguém é obrigado!

O mesmo é pensar que vós sois, senhoras e senhores Deputados, patriotas abnegados e comprometidos com os supremos interesses da Nação. Quisestes servi-la com espírito de sacrifício e sentido de missão, e assim fazendo sereis dignos da nossa estima (a vossa dignidade começa na estima e respeito daqueles que vos elegeram).

Claro que ninguém de bom senso se opõe a que os nossos representantes – Presidente da República, Primatura e restantes membros do Governo, deputados, presidentes de Câmara – possam auferir salários dignos do cargo, com as regalias inerentes e facilidades para o seu desempenho. E sendo prerrogativa do Parlamento a função legislativa, ela não pode ser coartada na sua legitimidade de reformar o Estatuto dos Titulares de Cargos Públicos! Pretender o contrário seria laborar num grosseiro contrassenso!

Que os nossos eleitos pensem num estatuto digno para os titulares de cargos políticos é, pois, normal e legítimo. Tão normal e legítimo quanto pensar nos que não têm título nem cargo político, servidores públicos ou simples trabalhadores anónimos! Estamos todos no mesmo barco e a dar no duro para o levarmos a bom porto.

Dito isto, antes de rever aquele Estatuto, deve a Assembleia Nacional interrogar-se sobre as causas que levaram à rua este resignado povo que raramente manifesta, pessoas de todos os partidos desfilando de mãos dadas contra uma lei que afinal não passou! Quando um Parlamento é desautorizado pela população que o elegeu, convém saber porquê! No caso vertente não é preciso mandar investigar: se tivesse sido promulgado, aquele diploma teria aumentado em 65% os vencimentos dos titulares de cargos políticos, com privilégios e regalias que ultrapassam o entendimento numa conjuntura económica de vacas magras! Está tudo explicado. 

E antes de ser adoptado um novo Estatuto, deve o Governo verificar se as finanças públicas estão à altura de agir em consequência sem passar por cima de problemas prioritários por resolver, entre eles os direitos socio-laborais elementares que é preciso restituir a quem os perdeu ou nunca os teve. Salário digno e consideração não devem ser apanágio de uma elite política mas um direito de todos aqueles que trabalham! Se há crise, então é distribuir o mal pelas aldeias!

Ilustres Deputados, Senhoras e Senhores,

Termino esta carta a pensar no exemplo dos países nórdicos: não são os mais ricos do planeta, mas neles reina a prosperidade e ninguém passa falta do essencial; governantes e deputados nesses países vivem sóbria e modestamente (porque alguém há-de pagar quando um país distribui a uma classe mais do que lhe consentem os seus recursos). E ainda ajudam os países mais pobres – pobres mas ricos de bazofaria e vaidades de poder que a ética de Estado proíbe nos próprios doadores!

Despeço-me com este paradoxo para reflexão, esperando não ter ultrapassado as minhas prerrogativas de simples e humilde cidadão-eleitor. (in Cabo Verde Direto)

Mantenhas da terra-longe, 19 de abril 2016

David Leite | davleite@hotmail.com

1 comentário:

  1. Bom trabalho, David !
    Espero que o novo Governo seja de Cabo Verde inteiro.
    Aliàs, foi a primeira razão dos que votaram.

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