“Foi esta centralização forte que destruiu esta ilha...”
Augusto Neves, Edil de S. Vicente.
José Maria Rosário
O povo das ilhas vem pressionando cada vez mais um maior protagonismo e participação política na gestão e resolução dos seus próprios problemas.
Igualmente, são crescentes as preocupações não só dos actores políticos, mas também da sociedade civil, em torno do equilíbrio regional e distribuição pelas autarquias locais de mais atribuições do poder central.
O PAIGC, na lógica de “dividir para reinar”, perfilhou uma política velada de discriminação das autarquias de cor política diferente, criando, deliberadamente, um ambiente de difícil coabitação. Esse relacionamento tenso mereceu a seguinte apreciação do Presidente da Câmara Municipal da Ribeira Grande de Santiago, Manuel de Pina: “por certo todos os nossos projectos vão desencalhar e há todo um conjunto de stresses provocado pelo governo que agora não irá haver”.
Haveria vontade, do governo de JMN, em assumir, seriamente, o princípio da regionalização?
Sobre o tema correram já rios de tinta, assinalando as mais díspares opiniões, havendo inclusive estudos -não humanizados- que defendem supressão de autarquias recentes e até outras, com raízes irreversíveis, como o caso de Paúl.
A natureza morfológica do arquipélago evidência a complexidade da matéria, muitas vezes analisada mais com paixão do que razão.
Finalmente, com o país bafejado de “uma forte lufada de ar fresco”, o primeiro-ministro Ulisses Correia e Silva, comprometeu-se levar a questão ao parlamento e consensualizar com as outras forças políticas uma lei da regionalização.
Definindo, com clareza, o tema diz o perito Lucas Monteiro, “Regionalização é entendida como um processo que deve permitir a cada parcela ou região de Cabo-verde desenvolver as suas capacidades e vocações singulares e além disso, constitui um valioso instrumento, quer dizer um importante meio a favor do aprofundamento da democracia e do respeito pelas diferenças e especificidades próprias de cada região.”
Mas, não será exactamente isso que todos os cristãos, de S: Antão à Brava, desejam? Desenvolvimento equilibrado, mais empregos e melhor qualidade de vida. Desiderato que aliás converge com o foco das promessas dos partidos políticos, nas recentes campanhas legislativas.
Aceite como salutar o princípio da descentralização de competências e havendo consenso de que o centralismo soçobrou-se, agora os actores políticos questionam, como e qual a via ideal?
Aí é que a porca torce o rabo. Querer basear-se -strito senso- nos parâmetros da constituição de 92, é usar tácticas dilatórias ou dar azo a “egos centralistas”, ignorando que os eleitores estão atentos e de olhos abertos.
Algumas mentes mágicas defendem nove parlamentos e nove governos. Das duas, uma: pretendem camuflar a realidade ou levar Cabo-verde ao “Guiness Book” , na categoria de ciências políticas.
Por outro lado, alguns politólogos movidos por interesses obscuros, optam por omitir, exemplos que nos são pertinentes como o caso da Igreja, apesar de tida como conservadora, antecipou-se e deu um passo inteligente ao separar as dioceses da Praia e Mindelo, com ganhos que só não vêm aqueles que os não querem ver. A experiência de S. Tomé e Príncipe é pura e simplesmente omissa.
Outros, com posições extremistas, apontam “alabardas” a uma hipotética “república de Santiago” como factor obstrucionista, quando esta ilha, que ficou órfã depois das relações adúlteras da Pró-Praia, é tão prejudicada pelo centralismo como as restantes.
A regionalização é vital ao processo de consolidação da democracia. Estratagemas para distorce-la é lutar contra a roda da história e abrir espaço ao dissenso, que felizmente o 20 de Março descartou.
O compromisso de UCS é clarividente: “Avançaremos com a regionalização, cada ilha uma economia que se interliga no todo nacional, não só através dos transportes, mas através do conhecimento, do domínio das línguas e das tecnologias”.
Com a tripulação reduzida, o novo capitão tem à frente a espinhosa tarefa de mobilizar todas as capacidades para materialização da visão estratégica do MPD, para o desenvolvimento do país e projectar o futuro “em alicerces sólidos a partir dos quais cada cabo-verdiano poderia apoiar-se para realizar os seus sonhos”.
Bases para Regionalização
Nos anais da vida dos povos, jamais se vislumbrou sucesso num processo de regionalização que não levasse em conta o nível de desenvolvimento sócio– económico e as características dos aglomerados populacionais.
A base histórico-cultural é a seiva que alimenta a melhor forma de organização jurídico-administrativa de Cabo-Verde.
Mesmo no período colonial esses princípios foram ponderados, pois em Angola e Moçambique a orgânica já previa secretarias provinciais, o que não acontecia em Cabo-verde (onde chegou-se a criar cargo de governador de Barlavento), sendo ainda diferentes das demais colónias, os estatutos de Goa, Damão e Dio.
Ainda, na década 80, fora criada a figura de ministro-adjunto para a região norte, o que não teve continuidade devido ao erro fatal de se escolher uma pessoa sinistra (acaba mal o que começa mal) para essa função.
Cada ilha, um governo e um parlamento, distancia-se tanto do bom senso, como da optimização da gestão dos parcos recursos endógenos. Divorciar Monte Cara de S.Antão, ilhas com ligação funcional e ”emocional” muito fortes seria um paradoxo.
Todavia, se aquele modelo adapta-se a S. Vicente “pelo seu peso económico e relevância política”, o mesmo não acontece com Maio, cujo atraso em relação a essa ilha ronda quatro décadas. Algo análogo para a ilha das flores é o mesmo que acordar o poeta, lá nos espaços siderais, para vir dar uma risada do tamanho “do céu e da terra”.
Entretanto, restringir uma elite governativa apenas aos limites da cidade de Mindelo, desligada de toda a região norte, seria uma reversão em termos de melhor aproveitamento de cérebros, o nosso principal recurso.
Com isso não se pode deduzir que teríamos ilhas com menos direitos e oportunidades. O que se deseja é exactamente o contrário, criar condições e gerar sinergias para que todas ganhem velocidade cruzeiro ”onde cada ilha se torna capaz de libertar e aproveitar todo o seu potencial humano, natural, organizacional e económico, para criar riqueza, gerar rendimento e emprego”.
É imperioso que a mitigação das assimetrias passe pela racionalidade de se evitar estruturas pesadas - ineficientes e ineficazes - que em vez de contribuir para melhoria das condições de vida das populações, se despencariam em “fantasias e mordomias”.
Duas Regiões: Sotavento e Barlavento
O “modus operandis” da experiência piloto em cogitação, deveria configurar-se em duas grandes regiões, conceito que sobreviveu a mais de 500 anos da história de Cabo-verde: Região de Sotavento, com sede na Praia, abarcando as ilhas de Santiago, Fogo, Brava e Maio e Região de Barlavento, com sede em Mindelo, abrangendo as ilhas de S. Vicente, S.Antão, S.Nicolau, Sal e Boavista.
Com dois grandes pólos de desenvolvimento, Mindelo beneficiar-se-ia de um estatuto de Zona Económica Especial e a cidade da Praia o da Capital, burgos que teriam, igualmente, a missão especial de arrastar o desenvolvimento do país como um todo.
Oxalá com dois “Faróis” possamos enxergar o rumo do desconhecido caminho ao País Desenvolvido, cujo “take off”, tantas vezes publicitado no passado, não passou de conto de fadas.
Pelo contrário, em vez de um ”país mais rico”, herdamos um “Micro-Estado não competitivo” com gordura a mais -130 por cento do PIB- e o ilusionismo do cluster (cujo arquitecto após passagem fugaz pelo governo e assegurar uma reforma milionária, tomou chá de sumiço como fizera em 91).
Divisão do território, tema na ordem do dia já atingiu o topo, sendo sábio o compromisso do chefe de executivo de chamar a si este melindre.
Se “o poder come o homem”, desse contágio UCS está imunizado, pois prometeu orações para que a tentação não lhe perturbe o ânimo, sendo nas palavras do ex-primeiro ministro Carlos Veiga,“ O líder certo, com as palavras certas, o programa certo para satisfazer os anseios dos cabo-verdianos”.
Todavia, a última palavra está reservada aos deputados, legitimamente, eleitos que em plenária da Assembleia Nacional, decidir-se-ão qual o modelo que melhor corresponde às legítimas aspirações dos cabo-verdianos e salvaguarde a unidade e coesão da Nação. Conforme defende Lucas Monteiro, “O desenvolvimento equilibrado e harmonioso das regiões constitui uma aposta muito forte no futuro de Cabo-Verde e ajusta-se ao imperativo de pôr um ponto final nas actuais assimetrias sócio-económicas entre ilhas e municípios”.
Seja qual for o caminho a trilhar e ou figurino a prevalecer, percebe-se no ar um sentimento generalizado que algo terá de mudar, pois, já não é de feição o tempo em que um engenheiro, chegava à ilha das montanhas, mandava colocar cadeados na boca de um poço até quando “pudesse”regressar, de novo.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 756 de 25 de Maio de 2016.
Palavras sábias que devem ser tidas em conta para a discussão sobre o assunto tão importante que é a Descentralização/Regionalização.
ResponderEliminarQue venham mais participantes, ou melhor, que participem os invisiveis para convencer os incondicionais que existem vozes discordantes, vozes que não se contentam com imposições que mais têm de ditadura do que de democracia.
E esta voz é do interior. Portanto não pode haver a desculpa de ser... de fora.
A tarefa é difícil e "espinhosa" se tivermos em conta a natureza dos protagonistas (Deputados) e o momento difícil (herança da dívida e o aumento de desemprego).
ResponderEliminarQual deve ser prioritário não sendo possível resolve-los em simultâneo???
O governo do PAICV durante os 15 anos no puder aumentou o numero de autarquias e outros tantos de cidades se qualquer estudo nem critérios. Agora, depois de perder eleições, em menos de três meses, já esta a fazer visitas ao eleitorado e fazer pressão para que o Governo cumpra as promessas eleitorais para já. Alias, atitude da sua líder por altura da discussão do programa do Governo é prova mais que evidente de que, no que deles depender, o projecto de Regionalização não vai ter vida facilitada.
Contudo, continuamos a acreditar no bom senso dos Senhores Deputados, que pelo facto de terem sido eleitos em listas partidárias, são acima de tudo Deputados da Nação
Qualquer pressão sobre o Governo depois de três meses é mà fé e desejo de complicar a vida de todos. Como se o Pais se prestasse a uma coisa dessas.
ResponderEliminarEduardo Oliveira
Depois de ler este artigo, tive este desabafo para comigo: até que enfim surge alguém, fora do grupo regionalista, que opina sobre este assunto da regionalização com lucidez, ponderação, objectividade e sentido da realidade.
ResponderEliminarDesde a primeira hora, tentei demonstrar que um modelo que consagre cada ilha como uma região é um autêntico disparate e uma espécie de haraquíri do processo. Primeiro, porque, à excepção de São Vicente e Santiago, as nossas ilhas não têm massa crítica para se constituírem em regiões administrativas. Não têm população, não têm quadros e não têm uma economia minimamente capaz. Depois, só quem vive na lua pode pensar que, no arranque do processo, o país disporá de recursos súbita e miraculosamente multiplicados para alavancar o desenvolvimento de cada ilha de per si. Bem diz o articulista estas palavras que eu sublinho: “Algumas mentes mágicas defendem nove parlamentos e nove governos. Das duas, uma: pretendem camuflar a realidade ou levar Cabo-verde ao “Guiness Book”, na categoria de ciências políticas.”
É um facto. Fazer ficção científica com este processo é matá-lo à nascença e de forma irreversível. E isso não podemos consentir, pelo menos enquanto não nos escassear verbo.
Eu sempre entendi, e continuo a entender, que uma solução que pode ter pernas para andar, acaso queiram os homens das ilhas, é o agrupamento de ilhas para formar regiões. Mas agita-se logo o fantasma de uma suposta incapacidade de os ilhéus se darem as mãos para viabilizar o processo. E infelizmente esse fantasma poderá ser mais corpóreo do que pensamos, bastando atentar nas reivindicações de alguns políticos e intelectuais de Santo Antão instalados na… Praia.
A não ser possível a conjunção voluntária das ilhas para a formatação e viabilização desse modelo, restará o que este articulista aqui preconiza como solução possível: reorganização político-administrativa do território nos seus dois grupos históricos: Barlavento e Sotavento.
Não aceito que se diga que essa solução tem conotações com o regime colonial porque isso é um perfeito disparate. Os dois grupos são diferentes na sua história e na fisionomia cultural das suas populações. Basta ver que o padrão do crioulo é distinto entre os dois grupos. A administração colonial não concebeu essa articulação em função de qualquer critério político ou ideológico mas numa perspectiva meramente geográfica e científica. Bem diz o articulista que “ a Igreja, apesar de tida como conservadora, antecipou-se e deu um passo inteligente ao separar as dioceses da Praia e Mindelo, com ganhos que só não vêm aqueles que os não querem ver”. Pois é verdade, José Maria Rosário, há muita gente que em Cabo Verde não quer ver ou então só quer ver na exclusiva perspectiva dos seus interesses imediatos e muitas vezes mesquinhos.
De resto, muitas vezes damos voltas e giramos em torno dos problemas e o óbvio está mesmo à frente dos olhos. É a história do Ovo de Colombo. A recuperação da concepção dos dois grupos remete-nos, aliás, para algo similar ao que se consagrou nas Canárias, que tem duas capitais, Santa Cruz de Tenerife e Las Palmas. Nos Açores, assegurou-se igualmente um equilíbrio regional, de tal modo que é impensável considerar S. Miguel uma capital macrocéfala. Nem pouco mais ou menos. A desconcentração e a descentralização transferiu poder para as outras duas ilhas mais populosas e desenvolvidas: Terceira e Faial.
Este assunto tem pano para muita manga e daria para uma longa e interessante discussão. Não vou deter-me em cada peça da sua argumentação, José Maria Rosário, mas creia que subscrevo toda esta sua lúcida análise.
Eu já disse o que penso deste modelo. Tendo em conta reacção obstructiva da Praia, que têm a faca e queijo, acho inútil nesta fase insistir neste modelo como solução a curto prazo, já que os poderes já têm um modelo pronto-vestir. Poderá ser o modelo a médio prazo. É um modelo natural e possível de ser estudado. Sendo o modelo que existia no tempo colonial, muitos vão ver o espectro, a mão do colonialismo português!!! o que dará um não debate: em vez de discutirmos as virtudes ou não do modelo, iremos ser arrastados por atalhos inúteis. Mas convenhamos que muita coisa que o dito colonialismo português fez não caía do céu: obedecia a alguma lógica e ao princípio da realidade. A partir do momento em que aprendemos a tapar a realidade com uma peneira....
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