Humberto Cardoso
Estatuto administrativo especial
Nas festividades do Dia do Município o Primeiro-ministro Ulisses Correia e Silva retomou a questão do estatuto administrativo especial para a capital da República, como estabelece o n.2 do artigo 10º da Constituição. A dificuldade em cumprir esse preceito desde que foi introduzido na revisão constitucional de Novembro de 1999 é que não se chegou a acordo sobre o conteúdo do mesmo. Do legislador constituinte não se consegue nenhuma ajuda pois o artigo foi proposto sem uma justificação e logo de seguida aprovado sem debate prévio. Remete-se tudo para a lei, mas as dificuldades em termos conceptuais e de encontrar casos similares no direito comparado não são poucas. Capitais com estatutos administrativos especiais normalmente só se encontram em estados federais como os EUA com a sua Washington DC, o Brasil com a capital federal na Brasília, assim com Abuja na Nigéria, Bruxelas na Bélgica ou Berlim na Ale- manha. Estados unitários não têm a necessidade de construir a ideia da “capital da nação” para promover o sentido de unidade do país. Mas há casos especiais como a Espanha que mesmo sendo um estado unitário tem regiões políticas com graus elevados de autonomia justificando aí um estatuto administrativo especial para a cidade de Madrid. No caso de Cabo Verde, seguindo o exemplo desses países, poderia eventual- mente justificar-se se paralelamente houvesse um movimento de grande autonomia político-administrativa para as ilhas e a criação de uma segunda câmara para o parlamento. Isoladamente e fora desse contexto a proposta de estatuto administrativo especial para a Praia tem sido explicada por alguns dos seus apoiantes como forma de beneficiar a capital com a transferência de mais recursos do Estado. Que faria jeito à cidade ter mais recursos é um facto, mas difícil de justificar num ambiente em que de vários quadrantes vêm críticas acesas contra a crescente centralização na capital em detrimento do resto do país. Neste aspecto não deixam margens para quaisquer dúvidas os dados do INE publicados em Agosto de 2015 (PIB por Ilhas) que revelam a grande concentração de recursos na Praia: 39% do PIB nacional enquanto o interior de Santiago vive com o PIB per capita abaixo da média do país e ilhas como Santo Antão, Brava, Fogo e S. Nicolau labutam com a economia estagnada e a perder população. Praia tem ainda problemas difíceis designadamente de segurança, saneamento, habitação, transportes, que em boa parte são derivados das migrações internas causadas muitas vezes pela vã esperança de pessoas do interior de Santiago e das outras ilhas de captar a prosperidade gerada pela alta concentração dos recursos do Estado. Aumentar esses recursos com novas transferências não será provavelmente a melhor forma de resolver esses problemas. Para isso contribui- ria muito mais se as ilhas conseguis- sem uma maior dinâmica num quadro de expansão rápida da economia privada impulsionada por investimentos nacionais e estrangeiros. Por outro lado, falar de estatuto administrativo especial para a capital pode indiciar, a exemplo do que se passa em capitais federais, alguma partilha com o governo de certas competências normalmente exclusivas dos órgãos municipais. Neste sentido pode configurar alguma perda de autonomia municipal. Quanto às transferências extraordinárias justificar-se-iam com dados concretos demonstrativos de perdas sofridas pelo município da Praia por ser capital da República, a exemplo do que é previsto no estatuto administrativo de Madrid. E mesmo assim nas condições actuais de Cabo Verde ter-se-ia que contabilizar os benefícios e os custos da capitalidade para se ter uma ideia certa de como agir e quais deveriam ser os montantes a transferir.
Ainda a propósito de estatuto especial…
A possibilidade de atribuição de um estatuto administrativo especial a alguma parte do território nacional é um sinal de que alguma flexibilidade pode ser introduzida na organização administrativa do país para melhor a adequar às suas necessidades de desenvolvimento. Cabo Verde como país arquipélago tem um mercado interno fragmentado e custos enormes em infraestruturas de desenvolvimento por ser obrigado a repetir portos, aeroportos, estradas, sistemas de energia e outros, em todas as ilhas. Estes custos multiplicam-se se a abordagem dos problemas lo- cais de desenvolvimento for feito no estilo rígido de “tamanho único” ou “modelo único”. Um exemplo é tentar resolver os problemas complexos de Santa Maria, na ilha do Sal, enquanto cidade turística, com a criação de um novo município quando se sabe que algumas das possíveis soluções não são de competência das câmaras municipais. Uma outra via a explorar seria a criação de uma outra entidade que poderia administrar a cidade turística com poderes delegados tanto do Estado como dos municípios. Na perspectiva de desenvolvimento já se experimentou aqui em Cabo Verde com sociedades de desenvolvimento e zonas francas. Uma outra ideia que tem ganho crescente atenção no mundo é a das Charter Cities, cidades com estatuto próprio, promovida pelo economista americano Paul Romer. Nessas cidades, questões designada- mente de planeamento urbano, segurança, marketing e desenvolvimento de vantagens competitivas e até de incentivos fiscais são assumidas directamente pela direcção da cidade num quadro de delegação de competências. Independentemente do formato encontrado, o importante será deixar espaço para alguma flexibilidade na gestão do desenvolvimento das ilhas que não fique só pelos municípios ou outras estruturas como as regiões administrativas, limitadas que são necessariamente pela sua condição de autarquias.
Manter para poder mudar
A recondução ao cargo do conselheiro de segurança nacional do governo anterior deixou muita gente perplexa. Se tinha sido algo desconcertante o Primeiro-ministro Ulisses Correia e Silva convidar para o cargo de ministro da Administração Interna o então director dos Serviços de Informação da República nomeado pelo governo de José Maria Neves, este último acto de UCS parece sugerir que não haverá mudanças de fundo em todo o aparatus de Segurança no país. Em relação à actual estrutura de forças, no programa do governo não há uma única palavra. Assume-se que continuará a mesma, mas paradoxalmente espera-se que chegue a melhores resultados do que os conseguidos até agora. Aquando da aprovação das leis estruturantes do sistema de defesa e segurança, em 2005 e 2006, o MpD questionou as opções apresentadas pelo então governo, propôs outras e previu que não iriam funcionar, que não deixariam as forças policiais melhor preparadas para combater o crime e responder a emergências nacionais e que afectariam negativamente as Forças Armadas. O governo do PAICV preferiu ignorar as objecções do MpD e aprovou sozinho toda a legislação sobre a segurança. O resultado, todos conhecem. O Príncipe de Lampedusa professava uma teoria que era preciso “mudar para ficar tudo na mesma”. Parece que por aqui a ideia é de manter as coisas no seu lug ar e querer mudança e resultados. Vamos ver como serão cumpridas as promessas de mais ordem e tranquilidade para as pessoas e mais segurança para o país. (E.I.)
É precisamente o que temos dito . Eu só concebo estatuto especial no quadro de uma grande autonomia para as regiões (Humberto deixa em entrelinha/em aberto esta possibilidade) , e é essa a razão do nosso combate. Fora disto a argumentação que trazem não passa de uma gigantesca mistificação.
ResponderEliminarDe qualquer maneira é inaceitável inventar um Estatuto Especial como forma de transferir subrepticiamente mais verbas para a cidade da Praia (o que redundaria numa forma desorçamentação), ela que já se rebenta pelas costuras. A acontecer tinha que ser transparente, bem explicadinho, demonstrado com o plano detalhado para resolver num espaço de tempo finito esses problemas. Mas politicamente isto não tem como explicar, razão porque o PAICV de JMN enquanto governo deixou o MPD com o bébé ao colo. Podem ainda á vontade repescar a Cidade Administrativa assim como o Campus Universitário!!!
O Estatuto Especial para cidade da Praia, não passa de um expediente para justificar mais recursos financeiros para capital. O legislador ao introduzi-lo num dos artigos da Constituição deu à Pró-Praia e outros Fundamentalistas um argumento de grande valia.
ResponderEliminarNão dá para entender como é que um artigo pode ser "proposto sem uma justificação e logo de seguida aprovado sem debate prévio" e que não se tenha chegado a acordo sobre o conteúdo do mesmo? Pelo menos os que se encontravam em representação das populações das diferentes Ilhas deveriam ter antecipado as consequências disso tudo. Mas não, aplaudiram e disseram Amén.
ResponderEliminarMatrixx