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quarta-feira, 8 de junho de 2016

[9300] - CLARIDADE - O ESCLARECIMENTO DO J.L.FILHO...

Como não perdemos tempo lendo as diatribes de Onésimo Silveira (O.S.), aconteceu mão amiga fazer-nos chegar recentemente aleivosas afirmações por ele proferidas, motivo porque só agora reagimos ao opróbrio com que nos mimoseou nas suas estórias (1).
De forma descabelada, solta-se com esta: “O João Lopes Filho é autor de uma tese desmiolada, segundo a qual Claridade nasceu em Santiago” (p. 42).
Superlativa danação de um complexado. Recorde-se que o mesmo reconhece que “tinha conflitos emocionais” (p. 38), “por causa do (meu) handicap com a perna” (p. 39). E esclarece: “É natural, um caso do género sempre cria complexos a uma criança”, de modo que “era uma criança nada fácil”, “um aluno nada metódico” (p. 38), confirmando ser “possível que parte da minha rebeldia, da minha maneira de ser, do meu voluntarismo, resultasse disso” (p. 51).
É pois sabido que as sequelas psicológicas de criança causam traumas que acompanham as pessoas pela vida fora, tanto mais que, apesar de O.S. ter sido operado “a esse pé” e considerar passar “a andar sem dificuldades” (p. 51), não ficou totalmente reconstituído, ao ponto de o Dr. Morais lhe ter informado “que iria causar-lhe problemas profissionais aprovar-me (lhe) como apto para ir trabalhar nas roças” (p. 55).
Daí O.S. reafirmar que “por causa do (meu) handicap físico” (p. 370), os antigos “conflitos emocionais” continuaram a afectá-lo através de uma instabilidade psicológica e declara: “Eu sou controverso” (p. 172). Assim, para se sublimar gosta de “mandar bocas”, como afirmou publicamente no dia da apresentação pública do livro na Praia.
Perante tal retrato construído pelo próprio, bastaria pura e simplesmente não tomar conhecimento da balela (visto ser mais uma das suas “bocas”, que como tal não merecem um mínimo de crédito), mas por respeito para com o possível leitor menos avisado e que pode ser induzido em erro, resolvemos fazer breves esclarecimentos sobre o assunto.
Para tanto, aos seus ímpetos bombásticos contra tudo que não tenha S. Vicente por epicentro, contraporemos com a realidade dos factos e bastaria remeter para textos publicados sobre o tema (2), mas para facilitar tentaremos resumir algumas informações.
Admite O.S. que João Lopes “foi, sem dúvida, um homem muito respeitado pelos claridosos, mas que ele estivesse na génese da Claridade eu duvido”, asseverando mesmo: “O João Lopes não teve nada a ver com isso” (p.42).
Relativamente a esta declaração, já em 1954 alertava Luís Romano: “A maior parte do público cabo-verdiano desconhece totalmente os pontos iniciais do maior movimento cultural que desde 1924 para cá se evidenciou e com tantas figuras de destaque no campo literário, merecendo por isso apreciações várias, intolerâncias e reacções do meio ambiente” (3).
Daí que, contradizendo o entendimento de O.S., um dos seus fundadores (e Director até ao número 3), Manuel Lopes explica: “Muita gente supõe que o Baltasar é que formou o grupo, mas, na verdade, quando ele chegou a São Vicente (…) havia já grupos literários há bastante tempo” (4). E para que não restem quaisquer dúvidas, explicita: “Eu, o Jorge e o João Lopes dávamo-nos muito bem. E antes de eu conhecer o Baltasar já tínhamos as nossas reuniões literárias.”
Sobre a matéria elucida Aristides Lima: “João Lopes um dos homens que fermentaram o movimento claridoso e o seu projecto literário e cultural, que foi director da revista e dinamizou o grupo”, na medida em que “foi um dos fundadores, colaborador e do terceiro ao último número, director (1947-1960)”, acrescentando mais adiante ele ter sido “um dos percursores do movimento e fundadores da Revista Claridade que se deve colocar na galeria dos protagonistas principais deste feito nacional”(5).
Corroborando estas fundamentações, Félix Monteiro que, apesar de não ter participado nas reuniões, conviveu com todos os elementos do “Grupo” e acompanhou de perto o evoluir dos acontecimentos, assegura: “Outro claridoso da primeira hora foi João Lopes, director da revista a partir de 1937” (6).
Ainda a complementar, Luís Romano revela o papel desempenhado por João Lopes: “Impondo-se pelo talento e visão como figura central das relações públicas e intelectuais entre os membros componentes do grupo Claridade, ele conviveu fraternalmente com todos os companheiros, muitas vezes servindo de mediador e conselheiro para consolidar a camaradagem necessária à vida da Revista” (7).
Entretanto, afiança Germano Almeida (8) que no seu convívio com João Lopes, “entre muitas outras coisas, contou-me a génese da Claridade (…) e que muito pouco se importava com o facto de ninguém se lembrar de o mencionar entre os fundadores da revista, embora tivesse sido seu director praticamente desde o princípio”, o que demonstra, portanto, a inexistência de quaisquer constrangimentos relativamente ao dispositivo de manipulação que ainda continua.
Mas, segundo O.S., “João Lopes não teve nada a ver com isso”, mesmo tendo colaborado logo no primeiro número e ser Director da revista a partir do número quatro até à extinção da mesma… Realce-se, a propósito, que Claridade era uma revista de cultura e não uma revista literária como muito pretendem ao considerarem apenas os cultores desta área específica.
No que concerne à asserção de ser “desmiolada” a tese “segundo a qual Claridade nasceu em Santiago” (p. 42), realçamos que se trata de sua pura invenção, pois nunca tal dissemos nem escrevemos, pelo que publicamente desafiamos Onésimo Silveira a comprovar esta sua tirada.
Porém, confirmando o arranque do “Movimento Claridoso” na Praia, Jaime de Figueiredo, um dos promotores, declara: “Abriu-se uma clareira, que se tornou fecundo caminho de criação. (…) Houve um surto de actuação literária que ficou colectivamente inédito: a Atlanta, mas cujo potencial de directrizes perdurou” (9).
Em relação à mesma iniciativa explica Manuel Lopes: “Esteve para ser publicada uma revista com esse nome, aí por 1931,na cidade da Praia. Foi-me pedido uma colaboração que mandei. Tempos depois fui informado que a revista não se publicara” (10).
No mesmo sentido, Teixeira de Sousa afirma claramente: “Jaime Figueiredo teria sido o motor da modernização das tendências literárias quando em São Vicente, onde esteve alguns anos, se juntou a Baltasar Lopes, João Lopes, a Jorge Barbosa para planearem a publicação duma revista cujo título seria Atlanta” (11).
Portanto, todos apontaram que o projecto concebido inicialmente na Praia, acompanhou os elementos que se transferiram para São Vicente e terá sido a partir daquele que o “Grupo” se baseou para lançar outra revista no Mindelo, embora em novos moldes. Conta Manuel Lopes: “Um grupo de amigos pensou que se deveria criar uma revista que permitisse romper com a tradição clássico-romântica de motivos alheios à nossa realidade. A tarefa era, portanto, fincar os pés na terra, pensar Cabo Verde, sentir Cabo Verde” (12).
Quanto à tonteira que Baltasar Lopes da Silva é pai da revista Claridade, responde claramente Manuel Lopes: “Quando regressa de Lisboa, não trazia nada consigo que provasse que tinha actividade literária anterior. Ali, com o grupo é que despertou para a escrita” (13). Informação que o mesmo autor reforça nestes termos: “Ele também era discursivo, não tinha escrito nada. Vim depois a saber que era um aluno distinto e então entrámos em contacto com ele e começámos a falar dos problemas de Cabo Verde” (14).
Diversamente informa O.S. que “Baltazar considerava-se o pai da Claridade” (p.90) e que “Baltazar via-se como o nervo intelectual da Claridade (p.91). Atente-se, todavia, nas expressões “considerava-se” e “via-se”, que podem acomodar à conspecção daquele escritor e (apesar das suas reconhecidas potencialidades intelectuais) não significar que corresponda à verdade.
Perante este conjunto de elucidativos testemunhos, supomos não restarem quaisquer dúvidas que João Lopes foi um dos elementos do chamado “Movimento Claridoso” e também um dos fundadores da Claridade.
Mas afinal em que ficamos? Dado que nos limitamos a transcrever fundadores e estudiosos, estas pessoas são todas “desmioladas” ou certamente O.S. tem muita dificuldade em conseguir distinguir entre a criação do chamado “Movimento Claridoso” e a publicação da revista Claridade (que começou por ter a denominação de Atlanta), contextos complementares mas que ocorreram em espaços diferentes.
Que grande confusão vai na cabeça de Onésimo Silveira. Como o próprio aconselha (p. 42), haja paciência …


Notas
1 - LOPES, José Vicente – Onésimo Silveira. Uma vida, um mar de histórias, Praia, Spleen Edições, 2016.
2 – Ver Expresso das ilhas, de 07-11-2007 e Artiletra nº 85, de Nov./Dez. de 2007.
3 – ROMANO, Luís – “ O caso cabo-verdiano na moderna literatura” in Vértice nº 131-132, Lisboa, Agosto / Setembro de 1954.
4 - MAIA, Maria Armandina – Manuel Lopes - Rotas da Vida e da Escrita, Lisboa, Instituto Camões, 2001. 
5 - Pré-Textos nº 5, II Série, Praia, Maio de 2014, pp. 21 e 30.
6 – MONTEIRO, Félix - Entrevista in Vozes da Cultura Cabo-verdiana, Lisboa, Ulmeiro, 1998.
7- ROMANO, Luís –“ Testemunho”, in Memoriam João Lopes, Praia, Instituto da Biblioteca Nacional e do Livro, 2007.
8 - ALMEIDA, Germano - A Semana, de 06-04-2007.
9 – “Comentário lido na Rádio Clube de Cabo Verde”, Praia, 03-08-1945, in Raízes nº 1, Praia, Janeiro de 1977.
10 - LOPES, Manuel – Entrevista in Vozes da Cultura Cabo-verdiana, Lisboa, Ulmeiro, 1998.
11 – SOUSA, Henrique Teixeira de – Entrevista in LABAN, Michel - Cabo Verde Encontro
com Escritores, Porto, Fundação Eng. António de Almeida, s/d.
12 – LOPES, Manuel – Entrevista in LABAN, Michel - Cabo Verde Encontro com Escritores,
Porto, Fundação Eng. António de Almeida, s/d.
13 - MAIA, Maria Armandina – Op. cit.
14 - MAIA, Maria Armandina – Op. cit.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 757 de 31 de Maio de 2016.

quarta, 08 junho 2016 06:0

3 comentários:

  1. Até concordo que seja importante conhecer a verdade histórica dos factos, mas tenho para mim que o que, na realidade, foi importante e deveria ser motivo de imenso orgulho para TODOS os cabo-verdianos foi o facto que terem existido os CLARIDOSOS e que, alguns deles - ou todos eles - tenham, em Cabo Verde, editado a CLARIDADE, um testemunho e não um anátema!

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  2. Já conhecia este artigo. Acho deplorável esta tentativa de, habilmente, tentar beliscar o protagonismo de Baltasar Lopes no Movimento Claridoso, e ao mesmo tempo induzir o leitor a pensar que a sua verdadeira génese esteve na Praia e passando pela pessoa do pai do autor deste artigo. Além disso, é lamentável trazer a propósito a deficiência física (no pé) do Onésimo Silveira, e invocar eventuais problemas emocionais com ela relacionados, para somar argumentos favoráveis à tese da deslocalização da Claridade. Isto diz muito do carácter da pessoa que escreveu este artigo.
    Por coincidência, li recentemente uma entrevista dada por Manuel Lopes em que ele não deixa qualquer dúvida sobre a verdade dos factos. Ele é perfeitamente claro sobre o papel que teve o Jaime de Figueiredo e o João Lopes. Muito diferente do que agora o João Lopes Filho pretende passar para a opinião pública.
    Além do mais, como o Zito diz no seu comentário, o Movimento Claridoso não estava a pensar na ilha de S. Vicente quando decidiu agir em prol de... Cabo Verde.
    Já não há pachorra!

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  3. Amigos com a fragilização da ilha De S. Vicente resultante dos 40 anos de insidiosa marginalização para construir de raiz, a partir de 4 ruas a capital de tudo, para a nova elite paigcista, usurpando o papel que esta ilha jogou na formação da identidade cabo-verdiana, este tipo de argumentação tornou-se normal. Os Claridosos formam um movimento genuinamente santiaguese.

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