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domingo, 10 de julho de 2016

[9431] ...NÃO DÃO VOTOS...

As eleições autárquicas estão marcadas para 4 de Setembro. Escassos dois meses separam o momento actual do dia “D”. Dois meses para fazer (pré) campanha e conquistar a preferência dos eleitores


Espera-se há muito a normal intensificação do debate político na arena pública. A normalidade de qualquer processo eleitoral local ou nacional é a marcação da agenda política pelas forças partidárias e, no caso das autárquicas, também por grupos de cidadãos, com temas de elevado interesse para a melhoria da qualidade de vida das comunidades e das famílias e para o desenvolvimento e modernização do Concelho e do País.

Não vale a pena neste particular tentar escamotear o óbvio: o debate político em época eleitoral autárquica tem sido pobre.

Há temáticas de grande relevância para embasar novos feixes de políticas públicas locais que simplesmente não são nem nomeados quanto mais trazidos à arena pública.

A lógica não confessa é que “há temas que não dão votos”…

E nem podiam dar! É que são temas nunca discutidos com as comunidades e as populações em geral. A função de “escola de cidadania” pela promoção generalizada do debate dessas e doutras matérias; a função de mediação política entre as comunidades, os cidadãos e o poder político local, essas e outras funções típicas das formações partidárias não são exercidas de forma sistemática e com intencionalidade ao longo do mandato.

Deste modo, é normal que, aos olhos e à consciência dos cidadãos organizados em comunidades, tais e tais temas surjam como sem interesse e como “coisa de intelectual”…

Para concretizar: quando é que por impulso do Presidente ou do Executivo Municipal, dos eleitos das Assembleias Municipais, da situação e da oposição, se discutiu uma Agenda Ambiental? Entretanto quando se discute a problemática da água e saneamento, dos espaços verdes que uma urbe moderna e sadia deve ter (e falo especificamente de Mindelo e da Ilha de S. Vicente), da agricultura no sentido lato, do planeamento urbano, do turismo e de seus impactos, etc., está-se a falar de ambiente. Só que esses temas não surgem na oferta eleitoral integrados numa política ambiental local, numa visão a que já é moda chamar-se de holística.

Quando é que se discutiu, no âmbito do debate eleitoral autárquico, a problemática da Descentralização vs. Desconcentração e da Regionalização vs. Poder Local, matérias vitais que o movimento cidadão pró-regionalização tem mantido na ordem do dia?

Pensamos que o cidadão vicentino quer ouvir sem hesitações e mensagens subliminares qual a posição do Presidente da CMSV (que, ademais, é candidato à sua sucessão) face à regionalização. É a favor? Porquê? É contra? Porquê? Como vê a articulação e necessária partilha de poderes e de recurso entre o Poder Local, o Poder Central e um futuro Poder Regional? Que posição o Edil e sua equipa têm da descentralização e da desconcentração? É a favor ou contra a ideia de um organismo de coordenação dos serviços desconcentrados? Se contra, como acha que deve ser resolvida a coordenação para se evitar ou pelo menos diminuir ao máximo zonas cinzentas (de conflito de competências) e maximizar a subsidiariedade entre todos esses poderes?

Não cabe à edilidade em geral e ao PCMSV em particular a exclusiva responsabilidade de trazer essas importantes matérias para a arena do debate público mas, sem dúvida, cabe-lhe a fatia maior dessa responsabilidade, por estar em exercício há alguns mandatos, logo, com uma experiência que mais nenhum candidato tem, de lidar com a Administração Central e os Serviços Desconcentrados, e por ter a obrigação de zelar por um processo de regionalização, se este se mostrar mesmo indispensável, que não coloque em perigo a autonomia e a sustentabilidade do município.

Aliás, o mesmo se dirá da UCID que tem sido um aliado constante do MpD na gestão da edilidade vicentina. Não se pode aceitar da parte desses sujeitos políticos, pelas razões expressas e não apenas essas, que tenham respostas dúbias, hesitantes, subliminares em relação a essas problemáticas. A fala democrática só o é se for reflexo e fizer parte de uma práxis política autenticamente democrática.

Conhece-se também o posicionamento do PAICV sobre a Regionalização, sustentada pelo então PM José Maria Neves que sempre defendeu uma regionalização administrativa que não política. Aliás, seguindo a formulação constitucional de autarquias locais de grau superior aos municípios (Art.º231º da CRCV) essa posição, a de uma Regionalização Administrativa, consta de documentos seminais do PAICV como Moções de Estratégia e Programas de Governo… Mas o o PAICV local, salvo melhor opinião, não deve escudar-se nesse posicionamento a nível da cúpula do Partido (parto do princípio que a ideia de regionalização administrativa tenha sido subsumida pela actual liderança) para não provocar, também, um debate profundo sobre os temas atrás aflorados.

Esse mutismo dos eleitos locais é tanto mais inexplicável, quando a opinião generalizada é que a proposta do novo Estatuto é substancialmente melhor que os Estatutos vigentes, muito limitados e completamente desadequados em matéria de sistema político local e de atribuições e competências dos órgãos previstos, entre outras inovações que favorecem a modernização e a qualidade das políticas autárquicas, com impacto directo, positivo, junto das famílias, bairros e localidades.

Nesses exemplos, termino com o mais gritante (muitos mais poderiam ser trazidos à colação...): como compreender que não se tenha inscrito na agenda do debate público (não apenas agora) como uma das questões mais prementes para a cidade do Mindelo e a ilha de S. Vicente, a do património em geral e do património arquitectural e urbano, em particular, com destaque pelo Centro Histórico, classificado, e que dia a dia está sendo violentado e descaracterizado?

Como e porquê esse silêncio cúmplice de todas as forças políticas? A Câmara Municipal de S. Vicente e o seu Presidente têm sido acusados, sem reacção, de serem os principais responsáveis pelo ataque ao património arquitectónico e urbanístico da Cidade, quando deviam estar na linha de frente da defesa desse mesmo património, aliás, como prescreve o Estatuto dos Municípios nas atribuições das autarquias. Este assunto, vital para Mindelo, tem-se mantido na ordem do dia graças a um movimento promovido por conhecidos cidadãos, intelectuais, académicos, arquitectos, etc., que não têm poupado esforços em denúncias, abaixo-assinados e outras formas de intervenção numa cruzada incansável e louvável de cidadania.

Será que desta vez teremos algum debate dessa ou de outras matérias que até agora não constam do debate político local ou já se transformaram em non issues, porque “não dão votos”?

marzim54@gmail.com - (A Semana)

2 comentários:

  1. Um artigo bastante pertinente.Coloca questões muito oportunas, que se vêm levantando com bastante insistência

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  2. É de facto um artigo que está em sintonia com as nossas teses. As interrogações sobre o silêncio do executivo mindelense relativamente à descentralização têm toda a razão de ser.

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