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quinta-feira, 11 de agosto de 2016

[9551] - IDENTIDADE CABO-VERDIANA...


A problemática da identidade cabo-verdiana vai muito mais além do ser europeu ou africano. Quem o diz é João Branco, doutor em artes, comunicação e cultura. A conclusão foi tirada durante a investigação para a sua tese de doutoramento, defendida em Junho, na Universidade do Algarve, em Portugal.



 http://www.expressodasilhas.sapo.cv/cultura/item/49726-problematica-da-identidade-cabo-verdiana-vai-muito-mais-alem-do-ser-europeu-ou-africano-joao-brancO

Escrito por  Fretson Rocha, Rádio Morabeza/Expresso das Ilhas

Entrevistado do programa Panorama 3.0 da Rádio Morabeza, João Branco, um dos nomes mais influentes do teatro cabo-verdiano, afirma que a riqueza de Cabo Verde vai muito mais além do ser africano ou europeu e que existem múltiplos sentidos, além das duas componentes já referidas. “Basta ir à ilha Brava ou a ilha do Fogo para perceber que a principal influência cultural e identitária destas duas ilhas vem dos EUA. Não tem, rigorosamente, nada a ver nem com a Europa, nem com a África”, exemplifica.
O autor da tese intitulada "Crioulização Cénica, em busca de uma identidade para o teatro cabo-verdiano", entende que, muitas vezes, os cabo-verdianos são colocados numa arena de discussão “um pouco até artificial”, sobre a sua identidade que, segundo diz, existe alimentada por uma rede de pseudo-intelectuais.
“Quando deixarmos de discutir isso dessa forma um pouco obtusa, essas pessoas deixam de ter tempo de antena”, diz.
Assim, João Branco considera que há uma tentativa de padronizar a identidade e de colocar o cabo-verdiano perante essa escolha. Uma escolha que, defende, não se coloca.
O programa Panorama 3.0, da Rádio Morabeza, em parceria com o Expresso das Ilhas, vai para o ar todas as sextas-feiras, às 19 horas, com repetição aos domingos, depois das 11h00.

O COMENTÁRIO DE ADRIANO MIRANDA LIMA...

João Branco tem toda a razão no que diz e subscrevo as suas palavras.
De facto, estas questões de identidade são suscitadas por pseudo-intelectuais vencidos pela vida. Como não têm nada que fazer e ninguém lhes passa o cartão que esperavam, procuram espaços mediáticos para que se possa dar conta da sua existência.
Esse tipo de escolha identitária é um verdadeiro absurdo, não faz sentido. Um povo é o que é e não aquilo que alguns palermas cheios de complexos tentam impingir à opinião pública. Ninguém escolhe o lugar, o momento ou o acaso em que veio ao mundo como ser. É-se simplesmente aquilo que se é. Não há necessidade de procurar padronizações étnico-culturais para catalogar os povos. Estas podem ter um significado estatístico para efeitos de simplificação metodológica mas não explicam nada sobre a natureza intrínseca dos povos. Aliás, as padronizações são muito difíceis de definir porque o ser humano e as comunidades sociais estão sujeitos, ao longo do seu percurso, a toda a sorte de influências: geográficas, históricas e culturais. Estas últimas são tão complexas e incisivas na modelação do ser como acidentais ou arbitrárias na sua ocorrência. Nada é estável ou definitivo. Por exemplo, o povo do Mindelo é o que é porque os ingleses tiveram influência preponderante no povoamento e humanização da ilha. Aconteceu simplesmente. No entanto, se não for preservada a memória histórica da ilha, ou se ela, pelo contrário, for diluída por força de políticas culturais enviesadas no seu cariz, a idiossincrasia do povo do Mindelo pode desaparecer após algumas gerações. Os bravenses e os foguenses têm tiques de americanice por causa das importantes comunidades radicadas na terra do Tio Sam desde há séculos. Tudo porque em tempos remotos navios baleeiros americanos lançaram ferro nas ilhas e contrataram marinheiros.
Por isso, o João Branco tem toda a razão. Não é importante nem decisivo para o futuro das nossas pobres ilhas tentar identificar as suas populações em função de estereótipos. Essa preocupação com que alguns obstinadamente se entretêm pode até ser sintoma de um complexo identitário que, ironicamente, parece apoquentar mais propriamente os que tiveram acesso ao ensino superior. Nunca me apercebi, ao longo da minha vida, de que o homem comum tivesse esse tipo de ralação interior. Dir-se-á então que a instrução pode oferecer vias perversas para a agudização da complexidade da natureza humana, não no sentido da busca das suas verdadeiras potencialidades criativas, mas instigação das suas áreas problemáticas.
Ora, por mais de uma vez ouvi a alguns cabo-verdianos a afirmação de que se orgulhavam de ser cabo-verdianos. Perguntei-me sempre sobre o porquê da necessidade dessa afirmação. É que obviamente não se pode orgulhar de uma condição para a qual não se foi ouvido ou achado. Repito, ninguém escolhe o sítio onde nasceu ou a progenitura que o trouxe ao mundo. Esse tipo de afirmação até dá azo a que se pense que a pessoa no fundo desejaria ser outra coisa e não o que é exactamente. Não me lembro de ter ouvido esse tipo de afirmação ao homem de cabo de enxada, ao marinheiro ou ao pescador. Ora, o enriquecimento do homem provém do seu interior, da cultura do seu espírito e do padrão dos seus sentimentos. Não pode de forma alguma depender da cor da sua pele ou do quadrante geográfico onde lhe calhou viver.
Os intelectuais cabo-verdianos têm é de contribuir para a formação e esclarecimento do nosso povo sobre os desafios do futuro e sobre as ferramentas humanas e científicas com que tem de se prover para os levar de vencida.




1 comentário:

  1. Assino por baixo o que o Adriano escreveu. Se estivesse em casa daria uma leitura mais aprofundada e um comentário à altura do que ele escreveu.
    O que posso acrescentar é que a humanidade só existe porque houve diversificação genética na cadeia humana durante milhões de anos.
    Só se pode entender uma comunidade na sua diversidade ( no quadro de uma certa unidade, possível pela realidade) e na unidade da sua diversidade.
    A padronização aparece como um meio, uma ferramenta organizativa para melhor administrar uma comunidade, o que não exclui, pois, a diversidade.
    O caso específico de CV (um caso já por si muito complexo, por isso não refiro a contextos mais abrangentes, os continentais ou globais) é a diversidade geográfica, geológica, e cultural que define a sua essência. A padronização total e absoluta do arquipélago através da formação do Estado-Nação aparece pois como uma Utopia Totalitária ou algo Contranatura. Não deixa de ser uma Marcha Forçada, um objectivo utópico e uma vontade criada por certas certas elites, muitas vezes tentando contrariar a natureza e a realidade objectiva. Uma coisa é certa, só a mãe Natureza conseguirá, através de gigantescas forças tectónicas juntar,se tal assim desejar, as ilhas do arquipélago!!
    No meu entender acabar ou apagar com a Diversidade Real em favor de uma Unidade Total é algo contra-natura. Mas este tema está longe de ser esgotado e analisado, por outros pontos de vistas.

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