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domingo, 23 de outubro de 2016

[9822] - AS CRÓNICAS DE ARSÉNIO DE PINA...



      CRÍTICAS E DICAS À BOA GOVERNAÇÃO (1)

Tentemos decifrar alguns termos de economia e política que lemos e ouvimos todos os dias nos meios de comunicação social, por vezes deturpados no seu significado e finalidade, a fim de os esclarecer: economia de mercado, globalização, liberalismo e neoliberalismo, Estado mínimo, regulação, agências de rating (agências de notação de risco), inflacção, recessão, bens transaccionáveis e intransaccionáveis, entre outros.
Comecemos pela globalização, inicialmente vendida como salvação para a exportação dos países subdesenvolvidos, que, afinal, vem favorecendo os países altamente desenvolvidos e industrializados, que passaram a poder exportar para todo o lado os seus produtos manufacturados, sem limitações quanto à quantidade, concorrência e peias aduaneiras. Outros países não desenvolvidos mas com matérias-primas valiosas (petróleo, gás e minérios estratégicos raros) como a China, India, Angola, Brasil, entre outros, chamados BRICS, e com indústrias à base de salários miseráveis, ausência de leis laborais de protecção dos trabalhadores e de sindicatos, também beneficiaram, por poderem vencer na concorrência exportando a baixíssimos preços. Os outros países subdesenvolvidos, mesmo produtores de matérias-primas existentes nos países desenvolvidos ou não valorizados industrialmente, perderam porque as suas indústrias atrasadas ou ainda incipientes, no início, deixaram de poder vender, portanto, também de produzir, torpedeados pelos produtos dos países desenvolvidos de melhor qualidade e favorecidos por subsídios que os desenvolvidos conferem às indústrias exportadoras e à agricultura, o que os subdesenvolvidos não podem fazer. Invadidos pelos produtos importados e pelo consumismo criado na população com algum poder de compra, passam a ter dívidas enormes, cada vez mais dependentes de credores e multinacionais. Com o tempo e devido à ganância das grandes empresas até os países altamente industrializados, começam a ter problemas devido à deslocalização das suas indústrias para países de mão-de-obra barata, sem leis laborais de protecção, de segurança social dos trabalhadores e sem ou com sindicatos fracos, obtendo lucros fabulosos, mas criando desemprego nos seus países de origem, enfraquecendo assim os sindicatos. Basicamente, globalização significa uma economia mundial ligada pela abertura universal das actividades nacionais aos mercados financeiros, permitindo que o capital internacional molde a produção, o comércio e até muitos serviços pelas suas opções de investimento. Promovido como “comércio livre”, é, na realidade, a liberdade de comprar e vender produtos e serviços num complexo sistema de acordos internacionais que facilitam a circulação de capitais de investimento para dentro e para fora dos países em detrimento das regulamentações nacionais dos países que importam. Em Cabo Verde tivemos a ilusão dos benefícios da globalização, por exemplo, com as indústrias deslocalizadas de exportação instaladas na zona industrial do Lazareto, que tiveram isenções diversas e benefícios por dez anos. Puderam produzir e exportar, criaram muitos empregos a baixos preços, sobretudo para mulheres, e, ao cabo de dez anos, quando deveriam começar a pagar alguns impostos, foram-se embora, sem pagar nenhuma indemnização aos trabalhadores, depois de terem ganho rios de dinheiro. Quando o Governo quis responsabilizá-los e levá-los à justiça, descobriu que essas empresas já não existiam nos seus países de origem (Portugal e Espanha) e as suas sedes eram fictícias. Houve até uma delas, que devia produzir enchovas, utilizando fundos perdidos da União Europeia, que, depois de ter comido todo o fundo, levantou ferro sem nada produzir.
Há, de um modo geral, consenso em admitir que a economia de mercado é a melhor estratégia para se criar riqueza, mas para isso precisa de ser muito bem regulada pelo Estado. Sem regulação, como pretendem os neoliberais, ou com o chamado Estado mínimo, alegando-se que a economia de mercado é autoregulável, isto é, regula-se automaticamente por si graças ao equilíbrio entre a oferta e a procura e à acção da concorrência, o que é um mito e sabemos ser falso. As crises que temos vivido são o resultado da falta de regulação estatal da economia promovida pelo neoliberalismo, o que levou o sistema económico e financeiro a sobrepor-se aos poderes do Estado, tomando os freios nos dentes, anulando o poder político do Estado em benefício das grandes empresas. Não havendo regulação estricta, o que manda é o sistema económico e financeiro, que tem adquirido um poder superior ao de alguns Estados, o que levou a desastres, por prevalecerem os interesses das multinacionais e não do Estado, que somos todos nós. 
As agências de notação de risco (rating) internacionais - teoricamente avaliam o grau de risco de empréstimos - são privadas, portanto, ao serviço do capital, não do trabalho, nem sempre são fiáveis. O exemplo típico mais recente foi o da falência do super banco americano Lehman Brothers – grande de mais para falir -, que, por essas agências, estava seguríssimo, de pedra e cal, na véspera da sua falência.
A inflacção significa subida generalizada e constante do preço dos bens e serviços devido a distorções entre a oferta e a procura, desajustamentos entre a massa monetária em circulação e a quantidade de bens produzidos. Portanto, há uma desvalorização do dinheiro e subida de preços.
Neoliberalismo é a doutrina defendida por alguns economistas no que respeita à limitação da intervenção do Estado (defende o Estado mínimo), à defesa da iniciativa privada, da livre concorrência e do mercado enquanto pilar de regulação de toda a actividade económica. É o sistema económico que prevalece e criou a crise global.
Produtos transacionáveis são os que poder ser exportados, em oposição aos não transacionáveis, bens e serviços, que não podem ser importados ou exportados, que, por isso, não estão sujeitos à concorrência de empresas de outros países. Obviamente, os países que nada ou pouco exportam e ainda por cima importam o que poderiam produzir ou não, não são viáveis e ficam dependentes ou subjugados pelos desenvolvidos. Alguns vão sobrevivendo graças à caridade ou à solidariedade internacional.
As parcerias publico privadas (PPP) são proveitosas para o país desde que o privado partilhe o risco com o público, mas o que vem acontecendo mais vezes é o Estado assumir cada vez mais uma parte dominante dos riscos, como aconteceu em Portugal com as auto-estradas, barragens e pontes, o que obrigou a aumentos de impostos para suportar tamanhas despesas e perda parcial da soberania. Como a nossa Saúde pretende utilizar essa estratégia, chamo a atenção para a salvaguarda dos interesses do Estado no sentido de minimizar os riscos, a serem igualmente repartidos.
Flexibilizar o trabalho é expressão que mete medo aos trabalhadores e sindicatos por, geralmente, se reduzir ao direito e facilidades no despedimento sem justa causa, quando deveria incidir no direito das empresas de poderem alterar, mudar e despedir, evidentemente que com a devida indemnização.
Recessão significa baixa de actividade económica com diminuição da taxa de crescimento.

                                                                             [continua]

4 comentários:

  1. Se me fosse possivel constituiria uma equipa onde figurariam - entre outros - o Adriano, Arsénio, a Ondina, numa equipa técnica com os Administradores do AcA e do BdB para que recebessemos, com mais assiduidade, artigos e crônicas para a nossa informação e para recados a quem os precisa ouvir porque sem os manifestos não desbloqueamos a màquina trituradora e/ou os politicos/terroristas.
    Esperemos que isso suceda pois não podemos continuar com o mesmo programa ineficaz e velho de 41 anos.

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  2. Bem gostaria, Val, de estar em condições de ombrear com o Arsénio de Pina na produção de opinião que seja verdadeiramente contributiva do esclarecimento cívico da nossa gente.
    Nos últimos tempos, tenho lido textos de opinião de Robert Shiller, nobel de economia em 2013 e professor de economia na universidade de Yale, sobre a actualidade da economia mundial. São textos com qualidade técnica indiscutível sobre a matéria em causa mas que quanto a mim pecam por emaranharem-se em argumentos que não poucas vezes caiem em indesejáveis ambiguidades. Deviam primar um pouco mais pela linearidade na exposição dos conceitos e das ideias, tal como faz, por exemplo, o Arsénio neste seu artigo. É disso que o grande público precisa para perceber a engrenagem e os contornos desta economia global que condiciona as nossas vidas, a ponto de quase determinar a fronteira entre a abastança e a fome, entre a vida e a morte. Como se ela tivesse sido ungida por um dom divino, acima de outros poderes, inquestionável e irrevogável.
    Ao dizer isto, está praticamente tudo dito sobre o que eu penso do presente artigo. É acima de tudo extremamente pedagógico e de grande isenção intelectual na análise que faz. Nenhum prosélito do neoliberalismo poderá dizer que há aqui manipulação ou distorção da verdade factual só para zurzir os que defendem as virtudes do mercado convencidos de que ele é capaz de, auto-regulando-se, resolver os problemas dos povos e tornar o mundo melhor.
    Em Cabo Verde, o discurso que sinalizou o desejo de mudança de governo e de política era o da aposta na defesa sistemática do mercado, deixando-o livre, sem peias, para resolver os problemas de emprego e de crescimento da nossa economia. É a tal criação ou aperfeiçoamento do “ambiente dos negócios”, com que alguns enchem a boca sem no entanto explicarem convenientemente o que isso é e como se faz. Ou melhor, desconfio que para muitos será o embaratecimento ainda mais da nossa mão-de-obra e a desprotecção total dos trabalhadores.
    Realista como sou, e conhecendo um pouco da nossa realidade e do mundo que nos cerca, e que o Arsénio explicou aqui com mestria, só posso aconselhar cautelas e caldos de galinha aos que na nossa terra embarcam facilmente em fantasias e vivem de ideias feitas.
    Naturalmente que acredito nas virtudes de uma globalização, que aliás era inevitável com os atuais recursos tecnológicos ao nível da produção industrial e das comunicações. Mas sobram evidências de que o tal mercado livre e isento de regulação é uma falácia. Para que seja algo propiciador dos nossos sonhos de felicidade e justiça planetária, o homem terá de reconverter a sua mentalidade e os seus códigos morais, à mesma escala com que fez grandes avanços científicos.


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  3. Mas ninguém mais aparece a dar uma opinião sobre os assuntos abordados pelo Arsénio? Ao menos o Djosa, caramba... Penso que os artigos de opinião deviam justificar mais intervenções.

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  4. Um texto profundo que bate sobre uma tecla bastante actual, a globalização. A globalização é uma realidade: como minimizar os seus malefícios ninguém sabe responder. Mesmo assim está toda a gente a correr no mesmo sentido rumo à uma maior globalização para tirar as suas castanhas do lume, sabendo que são os grandes os que colocam mais castanhas e que mais retiram. Podemos dizer que o século XXI está enterrada a bandeira da esquerda tradicional anticapitalista já que toda esquerda se converteu ao capitalismo. O que são precisos são novas teorias para transformar a inexorável globalização capitalista em algo que sirva os povos e as nações, pois até agora os sistemas alternativos ao capitalismo tem sido tragédias. Uma alternativa é preciso, pois caminhamos para a insustentabilidade, mas até lá vão-se passar dezenas de anos. Penso que as novas ideologias que acredito já estão em gestação vão ter que encontrar um equilíbrio entre a nova economia o social e a ecologia. DE resto na Europa já existem os ecologistas de esquerda e de direita.

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