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terça-feira, 1 de novembro de 2016

[9867] - A ERA DE TODAS AS COMEMORAÇÕES...


QUANDO FIAT LUX EM CABO VERDE: DO OBSCURANTISMO À CLARIDADE 

Uma Retrospectiva Histórica

Em 2016 e 2017 comemoram-se várias efemérides, várias datas e marcos importantes na História de Cabo Verde, quase todos tendo S. Vicente como palco. Para os objectivos deste artigo,  vou cingir-me aos que fazem parte da história mais recente mas que paulatinamente vai se distanciando no tempo, contudo imperecíveis na nossa memória nostálgica: o 100º Aniversário da introdução do Ensino Secundário (S.Vicente); o 150º Aniversário do Liceu-Seminário de S. Nicolau; o 80º aniversário da revista Claridade, movimento literário autónomo; o 150º aniversário do nascimento daquele que é considerado um génio da literatura, o Eugénio Tavares; os 90 anos da electrificação de S. Vicente. São praticamente 150 anos, um curto período em que o arquipélago, Cabo Verde, deu um salto para a modernidade. 

Estes eventos, que podem parecer anódinos para o comum dos cidadãos ou para um desconhecedor da história contemporânea de Cabo Verde, fizeram, na realidade, transitar o arquipélago do estado de subdesenvolvimento crónico, do obscurantismo e da escuridão nocturna, para um tempo de abertura à cultura e à modernidade. A instalação, sob o impulso do Senador Vera Cruz, do primeiro liceu oficial em S. Vicente, substituindo o ensino secundário religioso praticado no Seminário de S. Nicolau, é um evento cujo impacto sociocultural foi extraordinário tanto para S. Vicente como para todo o território. Por outro lado, quando o arquipélago ainda estava imerso na escuridão nocturna, Fiat Lux (fez-se luz), graças ao empenho e empreendimento de Pedro Bonucci. Por fim, o movimento Claridoso instala-se num ambiente cultural e Intelectual com o Liceu Gil Eanes em pano de fundo, uma universidade ‘avant la lettre’ onde leccionava a fina flor de Cabo-Verde, pessoas de grande craveira moral e intelectual, que hoje justificariam o estatuto de catedráticos. Este movimento pretendia simplesmente colocar Cabo Verde no mapa da literatura, abordando questões como a identidade cabo-verdiana e os problemas sociais e económicos do arquipélago. A electrificação da cidade e o surgimento do movimento literário são assim dois elos de uma conjugação simbólica, pelo que se pode dizer que Fiat Lux simultaneamente nas ruas e nos espíritos. E a propagação da luz operou-se em todo o território, a partir do ponto de irradiação que foi a ilha de S. Vicente. Em 2014, publiquei no Jornal de São Nicolau o seguinte artigo: Do fim da Sociedade Escravocrata à Eclosão do Cabo Verde Moderno no Mindelo (Quando a Inglaterra Achou/Redescobriu S.Vicente: http://www.jsn.com.cv/opiniao/496-jose-fortes-lopes-do-fim-da-sociedade-escravocrata-a-eclosao-do-cabo-verde-moderno-no-mindelo.html), onde demonstrei como a história do arquipélago mudou, quando em início do século XIX Portugal cedeu ao seu aliado britânico a ilha de S. Vicente, para estabelecer uma base de comunicações e transporte marítimo no Atlântico Norte. S. Vicente era uma ilha perdida, quase inabitada, situada no extremo norte de um arquipélago que o Tratado de Tordesilhas trouxe para a História, mas que as vicissitudes da própria História levariam a que voltasse a perder-se por muito tempo na imensidão do Atlântico, fora do mapa mundial. Mas em meados do século XIX ela converteu-se de repente num ponto estratégico, num nó da densa rede ultramarina e colonial do Reino Unido. Cabo Verde voltou, assim, à luz da ribalta, pelo efeito induzido da presença da então primeira potência mundial, ganhando de novo uma importância geoestratégica que tinha perdido havia séculos. Este evento teve no arquipélago um impacto socioeconómico revolucionário, marcando a ruptura com a antiga sociedade, estruturalmente tradicional e rural. 

Sendo os ingleses praticamente senhores e donos da ilha (indirectamente governavam, visando os seus interesses e objectivos), esta deixou-se configurar nos moldes do modelo anglo-saxónico, formatando o próprio traçado da cidade, tanto na definição do espaço edificado como na tipologia habitacional. A própria população acabou por se tornar  anglófila, a elite ganhando tiques aristocráticos britânicos. Para além disso, onde se instalavam ingleses prosperava a actividade económica, e não tardou que portugueses, italianos, judeus, indianos, sírios, etc., fossem atraídos e se instalassem na cidade, ao passo que a população trabalhadora (essencialmente camponesa e oriunda do arquipélago) acorria em massa para o que representava um verdadeiro eldorado cabo-verdiano. Em S. Vicente, o modelo britânico impulsiona o comércio, criam-se empresas de serviços, nasce uma pequena burguesia e indústrias em torno das actividades portuárias do Porto Grande, surgem sindicatos, grémios, rádios, e associações diversas florescem, o que gera um clima de total liberdade, “sui generis” no arquipélago e mesmo no espaço português. Generaliza-se a prática do desporto: ginástica, atletismo, natação futebol, golfe, cricket, ténis etc. 

Na prática, Cabo Verde estava cada vez mais a depender do Reino Unido, tomado como modelo, para além da atracção e do fascínio natural da elite local pela primeira potência mundial. Dava-se assim o nascimento de uma micro-sociedade funcionando nos moldes e valores ocidentais: uma sociedade cosmopolita, sofisticada, estratificada, e com todas as contradições e consequências que daí podiam advir. Apesar da dependência administrativa e política em relação à metrópole colonial, a hegemonia britânica gerava um universo social  onde coabitavam as autoridades coloniais, a elite social e os interesses britânicos. Este caldo social, com o tempero da liberdade, estará na origem de alguma reivindicação nativista e da aspiração de uma maior autonomia em relação à metrópole colonial, a ilha tornando-se um paradigma das lutas cívicas e democráticas. Haveria mesmo quem pensasse inclusivamente na separação em relação a Portugal (a independência), já que o modelo clássico colonial de dependência estava a ser posto em causa. Daí se pretender que já no início do século germinava a ideia de que Cabo Verde deveria deixar de ser colónia para adquirir outro estatuto mais condigno, tal como o deputado Adriano Duarte Silva viria a aspirar e a advogar junto de Lisboa, nos anos 30 do século passado. É pois neste contexto que se criaram  as condições para o nascimento em Mindelo do movimento literário e intelectual Claridoso. O que é que o jovem guineense Cabral pensaria do Mindelo dos finais dos anos 30, aonde se tinha deslocado para fazer o seu ensino liceal, numa ilha em pleno boom social e económico, em tudo diferente da desolação da Praia, de Bissau ou de Bafatá onde nascera? Vejamos então:
“........................................................................................................................... A evolução da sociedade cabo-verdiana a partir dos meados do século XIX poderia ser a de um banal arquipélago perdido no oceano, saído lentamente e dificilmente do período escravocrata. Situar-se-ia do ponto de vista cultural e civilizacional muito aquém de uma qualquer ilha tropical caribenha, ou pior, poderia ter um destino bem triste, sem nenhum interesses económico nem estratégico, fechado inexoravelmente em torno do seu umbigo ou totalmente dependente da assistência da metrópole. Ascenderia talvez à independência em 1975, mas a sua história poderia ser tão conflituosa como a de qualquer país africano.
Mas no século XIX o mundo já tinha sido varrido pela avassaladora influência da revolução francesa e americana e entrava na era da revolução industrial inglesa, caracterizada por ideias liberais e por um capitalismo mercantil, dominado pelo imperialismo britânico, que tentava a todo o custo de reforçar o seu poderio mundial em detrimento das outras potências rivais, ganhando posições geoestratégicas para assegurar a comunicação e a circulação dos bens essenciais entre os diversos ponto do seu império. 
É neste contexto de afirmação do imperialismo britânico que S. Vicente/Mindelo surge na cena de Cabo Verde e do Mundo, num momento histórico não muito distante da abolição da escravatura no arquipélago......................................................................
...................................................................................................................................... In Quando a Inglaterra Achou/Redescobriu S.Vicente: http://www.jsn.com.cv/opiniao/496-jose-fortes-lopes-do-fim-da-sociedade-escravocrata-a-eclosao-do-cabo-verde-moderno-no-mindelo.html”

19 de Outubro de 2016
José Fortes Lopes

Bibliografia
Do fim da sociedade escravocrata à eclosão do Cabo Verde moderno no Mindelo (Quando a Inglaterra Achou/Redescobriu S.Vicente: 
http://www.jsn.com.cv/opiniao/496-jose-fortes-lopes-do-fim-da-sociedade-escravocrata-a-eclosao-do-cabo-verde-moderno-no-mindelo.html)
http://www1.umassd.edu/specialprograms/caboVerde/jewslobban.html
http://en.wikipedia.org/wiki/Lan%C3%A7ados
http://www.mixedracestudies.org/wordpress/?tag=peter-mark
http://pt.wikipedia.org/wiki/Mindelo_(Cabo_Verde)
http://www.casadasafricas.org.br/wp/wp-content/uploads/2011/08/Santo-Antao-De-Cabo-Verde-1724-1732-Da-ocupacao-inglesa-a-criacao-do-regime-municipal.pdf

6 comentários:

  1. O meu comentário ao post anterior, 9866, aplica-se inteiramente a este, dado que o tema tratado e a intenção dos seus autores são os mesmos.
    Releve-se, no entanto, e em particular, a grande e louvável militância cívica do Professor José Fortes Lopes, que está sempre na linha da frente de combate e de pena brandida em nome da ilha onde nasceu. É dos mais proeminentes contribuidores para o esclarecimento dos nossos conterrâneos sobre os graves problemas do país e sobretudo sobre a insídia de uma política governamental que visa marginalizar a ilha de S. Vicente e secundarizar, se não eliminar, o papel que lhe cabe na política nacional.
    Outro entendimento houvesse da História do território, outro reconhecimento se perfilasse na consciência dos governantes da “Praia” sobre o contributo da ilha de S. Vicente ao progresso e modernidade do território, o ano de 2017 seria de grande solenidade festiva em Cabo Verde.

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  2. Caro amigo Adriano estes aniversários são provas acabadas do contributo da ilha de S. Vicente ao progresso e modernidade do território. Se Cabo Verde fosse verdadeiramente um país democrático 2017 devia se o ano de todas as comemorações. Mas os poderes 'en place' so comemoram o que hes interessa, de acordo com as suas narrativas actuais. Espero que apesar do investimento no ALUPEK sobrará tempo e recursos para estas comemorações.

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  3. Assino na sua totalidade o que o Adriano pensa e diz ezlativamente ao Professor e Amigo José Fortes Lopes a quem desejo a mesma energia e longa vida. Estamos pobres de gente corajosa e determinada para defender os direitos da maioria amordaçada e sacrificada. Que Deus nos livre do que se passou hà décadas na Uganda.

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  4. No meu modesto ver e pelo muito que tenho lido sobre os ingleses em CV
    Até certa altura foram, de facto, o elo de desenvolvimento ECONOMICO de S. Vicente, mas com a mesma propriedade podemos dizer que foram eles a sua DESGRAÇA.... Prova-o as Canarias e Dakar... Outra mistificação a ser bem elucidada é maneira particular com o viviam em SV: - Clubes, Igrejas, clubes privados. onde cabo - verdiano e mondrongo " câ táva entrá" " NO desporto eram simples "candies" e criados lhe que lhe levavam os apetrechos.".. DE boa vontade vos faço chegar estudos bastante sérios sobre este tema. Uma das maior manifestações repudio havida em S. Vicente foi à porta do Senador Vera Cruz.... por precisamente, quando os ingleses proibiram a ROCEGA!!!
    ......

    Em matéria de comemoração de Centenários: Há precisamente 107 anos que foi implementado o RElacionalisno Critão ( Centro Espirita) .

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  5. O que diz o Amendes é incontestável. Todos sabemos como são exclusivistas os ingleses. Já não digo racistas porque o conceito de racismo tem que se lhe diga. Em todo o caso, será sempre de considerar o papel que exerceram na ilha de S. Vicente e o seu reflexo no resto do arquipélago.

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