ERA UMA VEZ, SEBASTIÃO ...

Quando Sebastião nasceu, num dia 29 de Fevereiro, houve quem pensasse que o miúdo haveria de ter sorte pois, segundo consta, são raras as pessoas que fazem anos, ora a 29 de Fevereiro, ora a 1 de Março...Coisas de gente simples da Beira interior onde tudo falta menos a coragem para sobreviver aos pontapés da sorte - ou da falta dela... O que é certo, no entanto, é que o Sebastião, logo pouco depois de nascer, começou a provar não ter lá muita sorte. O primeiro vagido foi uma coisa linda de se ouvir, estridente, prolongado, como um berro à liberdade mas... foi só um! Depois de uma triunfante entrada no mundo dos vivos, Sebastião ficou silencioso, tão silencioso que pouco tempo levou a que toda a gente concluísse que ele era mudo.

E era verdade; veio a verificar-se que o miúdo não articulava sons audíveis e assim foi crescendo sem jamais dizer uma palavra que fosse. No entanto, era um pequeno extrovertido, muito meigo e absolutamente doido pela mãe e pelas brincadeiras ao "som" de gestos que ele inventava para substituír as palavras que não conseguia dizer. Era esperto e inteligente e ouvia - não era surdo - extasiado as histórias da carochinha que a mãe ocasionalmente lhe contava, quando conseguiu roubar alguns minutos à lida da casa e do campo, de onde a família, esforçadamente, retirava o seu magro sustento.
Como o miúdo era, assim, muito dado e respeitador, o Presidente da Junta lá inventou uma verba não se sabe onde, para custear umas sessões de terapia da fala pois havia quem dissesse que com esforço e perseverança o moço haveria de falar. Durante algum tempo o lugarejo viveu em suspenso à espera de ouvir Sebastião falar e até o terapeuta estava francamente optimista. Até que, um dia, à tardinha, no silêncio quente de Verão, ribombou como um trovão a primeira palavra do Sebastião: -" ERMELINDAAAAAAAA..." . Era o nome da mãe que, quando soube, deixou rolar duas lágrimas pela pele curtida do rosto e murmurou:- "Meu rico filho!"