ERA UMA VEZ, ANGOLA...II

A Pensão de D. Teresinha ficava numa rua sossegada perto do Largo da Mutamba, de onde saíam os "machimbombos" das carreiras urbanas e para as zonas limítrofes...Era um enormecasarão, de estilo colonial, com um salão de jantar enorme, onde pontificavam dezenas de mesas cobertas com toalhas brancas. Em cima de cada uma delas, havia um pequeno frasco sem rótulo que, vim a descobrir mais tarde, continha "gindungo", piri-piri ou malagueta, como lhe queiram chamar.  Ao tempo, em Angola, toda a comida era apaladada com o picante condimento, a começar pela sopa..

D.Teresinha era um cinquentona, natural de S.Vicente, tinha uma filha lindíssima que, dizia-se à boca pequena era fruto de uma relação com o Dr. F. e que tinha o péssimo hábito (ou seria óptimo?) de se passear semi-nua pelos corredores, fazendo aumentar, de forma perigosa, a temperatura ambiente...D. Teresinha barafustava com a filha pedindo-lhe mais decoro mas quanto mais ela rezingava mais a giríssima Belmira se despia, pondo os olhos em bico à rapaziada, toda ela de sangue na guelra e desejosa de se agarrar à escultural moreninha que, mau grado os assédios, nunca baixou a guarda...Era danada de todo a moça!

A meio da tarde, quando desaguamos na Pensão Monte-Cara, a enorme sala de refeições estava ocupada por seis animados colegas que tinham chegado uma semana antes, quatro dos quais jogavam o "King", um jogo de cartas muito em voga, na altura. Fiquei pasmado quando vi que estavam a jogar a cinco tostões o ponto quando, em S.Vicente, a malta costumava jogar a "um centavo"...É que jogar o "King" onde facilmente se podem perder mais de mil pontos, a cinco tostões, era perigoso para quem, como nós, Aspirantes Adimistrativos, ganhava 1.400 escudos por mês ou, no limite, 2.800 para os que tivessem a sorte (ou o azar...) de virem a ser colocados no mato o que normalmente significava a centenas de quilómetros da vila ou cidade mais próximas...Mas o Carlos Jorge, o Lúcio, o Caldeira Marques e o resto, lá saberiam das contas dos seus rosários, suando em bica apesar do tronco nu, e berrando uns com os outros para se fazerem ouvir acima do ribombar da chuva grossa que desabava sobre a cobertura de zinco da comprida varanda corrida...
A minha primeira experiência de Angola prometia e, nesse dia, ao jantar, comi pela primeira vez, sopa bem amalaguetada...e estava óptima!
CONTINUA...