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quarta-feira, 5 de junho de 2013

ERA UMA VEZ, ANGOLA - XXXIII


As minhas primeiras reminiscências com a dor física em particular e a doença, em geral, remetem-me para os meus sete anos, e umas lancinantes dores nas canelas a que, na altura, ouvi chamar de reumatismo infantil mas que hoje julgo que eram mais dores do crescimento dos ossos, ou coisa que o valha...Já estava em Cabo Verde, aí pelos meus doze anos, recordo-me de estar deitado no quarto dos meus pais, com os vidros das janelas cobertos de papel se seda encarnado, à espera da visita do Dr. Miranda: estava com sarampo...Anos mais tarde andei às voltas com uma espécie de furunculose que me afligiu durante meses com sete dessas danadas feridas a emergirem, uma a seguir a outra, no pulso, no cotovelo, no joelho, na nádega, nas axilas, enfim, dei graças a Deus por não ter tido nenhum na ponta do nariz...Descontadas as "espinhas" faciais da puberdade,  uma ou outra gripe ocasional e umas dores de garganta daquelas que até parece que a gente está a engolir arame farpado, nada de importante sucedeu e já eu estava em Cazombo quando ocorreram os factos mais significativos do meu percurso sanitário, desde uma febre curada com água-de-colónia, a um tendão decepado numa queda de mota e uma operação cirúrgica a um quisto coccigeo, no então Hospital Central de Nova Lisboa...
Quando, uma manhã, me faltaram as pernas para me levantar da cama e a minha testa estava tão quente que dava para estrelar ovos, bebi, quase de um trago, o meio litro de água que havia sempre na mesa de cabeceira e voltei a deitar-me...Devo ter adormecido pois fui acordado pela Necas, a irmã do dono da pensão, que normalmente arrumava os quartos, que me disse que eu estava com os olhos vermelhos e todo suado...Pedi-lhe que fosse chamar o enfermeiro Josué ao posto médico, um kimbundo bem disposto e sempre disponível e que procurava fazer o melhor com os escassos recursos de que dispunha. Apareceu, impecável na sua bata branca, com uma cruz vermelha bordada do lado esquerdo e um "J" cheio de arabescos do lado direito, e a inseparável malinha preta das seringas e outros apetrechos e alguns medicamentos...Saudou-me com a frase habitual. "ora, então, o que é que nós temos aqui?" colocou-me o termómetro na axila e tirou de um frasquinho dois comprimidos que disse serem de "aspirina", que era o único anti-pirético disponível no Posto. Disse que eu precisava de uns pachos de álcool mas havia muito pouco pelo que me pediu que lhe permitisse comprar um frasco de...água-de-colónia! Dizia ele que o perfume continha álcool que, ao evaporar-se fazia com que o pacho encharcado se mantivesse fresco...A ideia podia ser perfeita para colmatar a falta de álcool mas o cheiro penetrante e constante acabou por me provocar dores de cabeça e fiquei enjoado a pontos de quase vomitar...Depois de curado, andei meses com aquele cheiro a perseguir-me como uma sombra...Acabei por consumir três frascos da colónia e muitas bolinhas de algodão para tapar o nariz e, depois de um clister de água morna e uma dúzia de aspirinas fiquei pronto para uma canja de borracho de pombo verde...


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