Dominique Strauss-Kahn |
O ex-director geral do Fundo Monetário Internacional, Dominique Strauss-Kahn, publicou esta tarde um longo texto onde critica a actuação do FMI na gestão da crise da dívida grega, assumindo parte da culpa, e sugere que se mude totalmente a estratégia das instituições envolvidas no resgate a Atenas.
No texto, que divulgou através do twitter, Dominique Strauss-Kahn (DSK), que liderou o FMI entre 2007 e 2011, começa por explicar o porquê de ter decidido tomar uma posição pública: “A viragem rancorosa nas negociações entre a Grécia, as instituições europeias e o FMI, e o recente anúncio de um referendo, exige que alguns factos sejam esclarecidos e que uma nova direcção seja tomada.”
No entender de DSK, “o FMI não errou” quando decididiu participar nos programas de assistência da Grécia lado-a-lado com a União Europeia, mais não seja porque “não tinha qualquer alternativa”, já que a Grécia é membro do FMI. Além disso, “a zona euro no final de 2010 tinha-se tornado num risco sistémico para toda a estabilidade financeira global”. Considera também que não foi nenhum erro “atrasar a reestruturação da dívida grega” até ao Verão de 2011: “Apesar do intenso lobby feito pelo FMI, a Europa ainda não tinha protecções financeiras em vigor antes disso e, ocorrendo mais cedo, teria aumentado os custos de estabilização da UE e do FMI como um todo”, assegura.
Os erros. Apesar de reafirmar que o atraso da reestruturação da dívida grega não entra no campo dos erros do FMI, a verdade é que “assim que foi decidido, o ‘haircut’ devia ter sido maior”, assume. Diz também que “o atraso provavelmente ajudou alguns bancos e detentores de dívida a salvarem-se sem qualquer perda, o que é um lamentável dano colateral, mas também ajudou a Europa durante algum tempo, suficiente para colocar a Irlanda e Portugal sobre programas e assim reduzir os riscos que o envolvimento precipitado do sector privado poderia ter infligido à região”. Mas isto teve um preço: “Como tal, um imenso esforço foi exigido ao povo grego.”
Sobre a actuação do FMI, DSK aponta que a instituição “cometeu alguns erros” e que “assumo a minha quota de responsabilidade”. Aponta depois que o FMI “diagnosticou mal o problema grego, como se fosse uma típica crise de balança de pagamentos/orçamental, e o estado incompleto (nomeadamente ao nível de políticas orçamentais e de regulação bancária) da União Monetária Europeia, teve tanto de culpa na origem da crise como deveria ter sido essencial para a sua resolução”. Para Strauss-Kahn, “também se subestimou a profundidade dos problemas institucionais gregos, que exigiam muito mais apoio por parte do Banco Mundial”.
Para DSK, o FMI falhou também ao não bater o pé às instituições europeias, obrigando-as a uma maior partilha das dores da austeridade. “FMI devia ter sido mais assertivo nas recomendações à zona euro para forçar uma maior simetria (isto é, exigir esforços aos gregos mas também aos outros países) e uma menor dose de medidas de ajustamento pró-cíclicas por toda a União Monetária”. Para DSK, o FMI falhou também ao não resistir mais “à preferência continental para se tomarem medidas de ajustamento orçamental rápidas e ao conservadorismo das suas autoridades monetárias”.
A crítica (e autocrítica) ao FMI prossegue, com o ex-director geral a diagnosticar que esta instituição “devia também ter sido mais humilde” em relação às hipóteses de avançar com reformas estruturais “num ambiente onde as instituições do Estado” têm e continuam a ter profundas deficiências.
Nova solução. DSK identifica que agora “o perigo” é o de ninguém ter aprendido com todas estas experiências e que as instituições “continuem a criar conflitos entre todos. De facto parecemos estar a repetir os mesmos erros e é por isso que precisamos de pensar diferente, de uma nova lógica, precisamos de mudar radicalmente de direcção e reenquadrar as negociações com a Grécia”.
Dominique Strauss-Kahn avança então com a sua proposta para o desbloqueio da situação grega: “Não deve ter acesso a mais financiamento da UE ou do FMI mas deverá receber uma extensão generosa das maturidades e uma redução significativa da sua dívida nominal”, sugere. “Insistir em mais ajustamentos orçamentais no actual ambiente económico é irresponsável” politica e economicamente e só a ideia “de oferecer mais assistência apenas para a Grécia pagar créditos já existentes é simplesmente insana”.
Recorda depois a promessa do Eurogrupo à Grécia, de Novembro de 2012, quando se comprometeu “a tomar as medidas necessárias para assegurar a sustentabilidade da dívida grega” e diz que chegou a hora de “cumprir essa ambígua mas construtiva promesa”. Também o FMI deve fazer o mesmo e adiar os pagamentos devidos por Atenas nos próximos dois anos, ou refinanciar os mesmos com os fundos remanescentes no programa de assistência, defende DSK. Desta forma, a Grécia ficava liberta das suas obrigações nos próximos dois anos mas continuava obrigada a manter um orçamento equilibrado.
“Sem acesso aos mercados e a novos financiamentos da UE ou FMI terá que equilibrar o seu balanço sozinha. Os gregos terão que tomar decisões orçamentais difíceis mas seriam pelo menos as suas próprias decisões.” Para o conseguir, Atenas teria que “enfrentar os oligarcas, interesses instalados e o próprio Estado”, factores que “estão a ampurar o potencial formidável” do país. O Banco Mundial, a OCDE e a Comissão Europeia poderiam então apoiar Atenas na resolução destes problemas, “mas num contexto radicalmente diferente, de cooperação construtiva e não de um condicionalismo antagónico”.
A redução gradual da dívida nominal grega, avançaria posteriormente à medida que o governo grego fosse conseguindo atingir as metas das reformas desenhadas pelo próprio país, país que DSK descreve como “pobre e altamente endividado”. DSK assegura que esta estratégia já foi implementada pelo FMI em inúmeros países em desenvolvimento.
Para resolver no imediato os problemas e datas que o governo grego enfrenta, DSK pede a devolução à Grécia dos “dez mil milhões reservados para a recapitalização do sector bancário”, o que permitiria ao BCE prolongar a linha de liquidez e enfrentar uma maior corrida aos depósitos.
Strauss-Kahn assume que nada disto “é garantido que funcione”, porém “vale a pena tentar porque as alternativas são piores. Forçar o governo grego a ceder seria um trágico precedente para a democracia europeia e poderia desencadear uma reacção em cadeia incontrolável. Por outro lado, prolongar o programa actual, falhado, e estender a dureza económica além da razão e prolongar a agonia e tensões será desastroso”.
DSK termina: “A Europa já experimentou estes erros demasiadas vezes na sua história. Dito tudo isto, apelo a todos os meus amigos e ex-colegas que não continuem num caminho que aparenta ser um beco sem saída.”
Só não concordará com o DSK quem tenha interesses a defender no capital mafioso internacional. Ou então quem se deixou cegar por certa ideologia e vê como absoluta normalidade que as democracias se verguem à ditadura do dinheiro.
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