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quarta-feira, 7 de novembro de 2012

ERA UMA VEZ, ANGOLA (XV) ...


Segunda-Feira, primeiro dia do resto da minha vida...Às sete horas já eu estava a tomar o cafézinho do cigarro, vestido a rigor (embora de calções), barbeado, penteado e cheirando a Old Spice, que eram as minhas loções preferidas, na altura. Recebi os votos de felicidades de alguns madrugadores quando iniciei o percurso, rua (ou estrada...) abaixo, com o Sol já avisando, lá de cima, que não ia perdoar...Quinhentos metros mais tarde, já tinha resolvido comprar uma bicicleta logo que recebesse o primeiro vencimento, cheguei ao terreiro frontal da Sede da Circunscrição Administrativa do Alto Zambeze, cujo aspecto era bem menos sonante: tratava-se de um edifício sobre estacas de cerca de um metro, de adobe e coberto a colmo, com três corpos dispostos em U...Ao centro, a secretaria, com duas meses, armários, cadeiras, enfim, o habitual, incluindo um balcão corrido de  cerca de dez metros. Do lado direito, os gabinetes do Secretário e do Administrador e do lado esquerdo, o arquivo e o paiol onde fui dar de caras com seis metralhadoras FBP, calibre 9.3 com munições de latão, algumas espingardas e, até, quatro canhangulos, que eram armas de fabrico artesanal, de carregar pela boca. Na parte de trás do edifício, havia dois compartimentos: um das instalações dos Correios e Telégrafos e outro equipado com um chuveiro e instalações sanitárias mínimas...No terreiro posterior havia a caserna dos cipaios e, ao centro, uma enorme bloco de...
sal-gema! Esta peça parecia uma escultura futurista, cheia de arestas e covas de diferentes níveis e quando, ao fim da tarde desse dia assisti ao regresso da "nossa" manada de 23 vacas de bossa que tinham andando a pastar todo o dia, compreendi a coisa: a maioria das vacas, ao passar pelo pedregulho, dava uma ou duas lambidelas, com as enormes línguas e lá iam "esculpindo" a sal-gema...que tinha que ser coberto com uma lona quando chovia muito...Lá fora, a uns 50 metros, estava a casa-residência dos Aspirantes e do lado oposto a do Secretário, ambas de adobe e cobertura de colmo...Numa, morava, ainda, o Diz e a esposa e a outra estava fechada pois a Circunscrição estava, no momento, sem secretário, o que significava, claro, um aumento substancial do trabalho e das responsabilidades dos Aspirantes que deviam ser sempre dois, mas que nunca tinha sido mais do que um. O Administrador vivia noutra residência, perto do Hospital, de pedra-e-cal e telha marselha, caiada de amarelo. Note-se, no entanto, que todas as casas-residências eram todas mobiladas e devidamente equipadas com roupas de cama e mesa, louça, talheres, utensílios domésticos, cortinas, tapetes e casas de banho equipadas com duches e sanitários e as respectivas fossas sépticas. Na cozinha o fogão era a lenha e a iluminação da casa era providenciada por candeeiros de petróleo vulgares ou de pressão, do tipo Petromax...A água provinha de depósitos elevados abastecidos pelos cipaios e havia, em cada casa, um rapazinho dos seus 14 anos, que se encarregava de acender a fogueira para aquecer a água para os banhos e para lavar a loiça e, eventualmente, fazer um frango no churrasco com resultados inesperadamente saborosos!
(Continua)
  

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