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quinta-feira, 22 de novembro de 2012

ERA UMA VEZ, ANGOLA - (XVI)...


Quando me apercebi do volume e variedade das minhas funções veio-me à cabeça a velha frase "criada para todo o serviço"...E pouco faltava para o ser...O Aspirante, para além de fazer os serviços de secretaria, incluindo atendimento publico, era uma espécie de "impedido" do secretário - que, felizmente, não havia - oficial dos correios - vender selos, expedir e receber correspondencia, transmitir telegramas ditados - oficial meteorologista com a missão de anotar, duas vezes ao dia, as temperaturas (máxima e mínima), volume da precipitação, velocidade e direcção predominante do vento e, claro, manter a estação meteorológica, acomodada numa caixa branca de paredes fenestradas, impecavelmente limpa e os instrumentos a funcionar a 100%...Era uma quantidade de coisas, fora os imponderáveis, como as chamadas "makas" - problemas entre a população autóctone trazidos para "julgamento sumário" na Administração - a uma média de dois ou três por dia...Em todas as latitudes há fulanos que gostam do alheio de forma que, não raro, roubavam uma cabra uns aos outros, umas espigas de milho, umas bolas de cera, quando não era a mulher...Normalmente tinham sempre mais que três ou quatro que eram a força de trabalho (e não só...) da família, tratando da "lavra" dos animais e dos filhos, cozinhando e lavando enquanto os homens "diziam" que iam à caça, de onde normalmente regressavam a cair de bêbados, encharcados em "hidro-mel", uma mistela de água e mel fermentado, que nunca tive coragem de provar!
As "makas" acabavam, normalmente, imagine-se, com o cabo de cipaios, um tipo de quase dois metros de altura, dólman, calções, bivaque e grevas de caqui, a aplicar umas palmatoadas com uma velha e pesada palmatória de cinco olhos...Devo dizer que a primeira vez que assisti ao espectáculo o achei degradante e disso dei conta ao Administrador. Fiquei surpreendido quando ele me disse que, naquelas paragens, só se mandavam os indígenas para a cadeia por crimes de sangue, fogo posto e pouco mais...O resto, eram castigos corporais aplicados de acordo com graduações sugeridas pelos "sobas" de cada uma das etnias residentes, nomeadamente e na maioria, "luenas"...Uma ou outra bebedeira seguida de distúrbios mais ou menos graves, podia valer uns baldes de água fria pela cabeça abaixo e uma noite na enxerga da única cela do Posto...E, na manhã seguinte, a vergonha pelo coro de gargalhadas que saudavam os pingas devolvidos à liberdade...
(Continua...)

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