Páginas

sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

ERA UMA VEZ, ANGOLA...- XVIII

A residência do Administrador e o Hospital eram os únicos edifícios com energia eléctrica, proveniente de motores já de avançada
idade, assim se explicando que na sala de jantar houvesse três ventoinhas de pé mas que apenas amenizavam o calor sufocante graças ao qual o consumo de gelo também subia em flecha. 
Nós sabíamos que o cozinheiro era um luena oriundo da Rodésia que, inclusivamente, constava ter estado na Inglaterra a trabalhar..
Como o homem, de estatura abaixo da média, também servia à mesa, acabou por se verificar uma situação caricata de um grupo de pessoas portuguesas, em território português, nos confins da África profunda, falando com o cozinheiro que servia, em língua inglesa...Mentalmente, tive oportunidade de agradecer a Mr. Window, um rubicundo britânico funcionário do Consulado inglês que, no Mindelo (Cabo Verde) todos os dias complementava as minhas aulas de inglês no Liceu Gil Eanes, com lições de pronúncia, gramática e vocabulário que, naquele inesperado instante provaram a sua eficácia e valimento...Recordo, aqui, a figura volumosa do meu mestre Window, autentica "janela" para o conhecimento do inglês, que consumia doses de "gin&tonic" como se fossem rebuçados para a tosse, tinha cara de Churchil e chorava constantemente do olho esquerdo, umas lágrimas furtivas que ele secava com a ajuda...da gravata!
Voltando à sala de jantar do Administrador espantei-me com uma sopa fria (não gelada...) do tipo gaspacho espanhol, espargos verdes com ovos mexidos e rodelas de beterraba avinagrada...O churrasco de frango seria inevitável, estava tenro e bem passado mas, o acompanhamento surpreendeu-me: repolho cortado tão fino que parecia cabelos, cru e um molho ácido em que, no entanto, detectei vestígios de mel de abelhas...Gostoso! Além de vinho branco (francês) e cerveja, (frescos), havia sumo de maracujá e manga, doce de laranja azeda e bolo de canela, café, chá e, estranhei, Licor de Singeverga, que é um néctar que só costuma haver à guarda dos Frades Capuchinhos...Em verdade vos digo, no entanto, que nem nos meus sonhos mais optimistas eu tinha degustado uma refeição com tal requinte, no meio da savana africana, portas meias com a selva e a sua variegada população de bichos de todas as espécies, hábitos e humores mas todos magníficos na beleza selvagem que lhes confere a patente de reis da selva...Foi uma tarde memorável e a conversa já se generalizara quando, esbaforido, entrou o Padre Dâmaso, perseguindo o seu volumoso ventre e dizendo algo como "imensos cavalos-marinhos na ilhota do Zambeze junto à ponte"...
(Continua...)

2 comentários:

  1. Continua a saga que EU QUERO ver passada a papel!

    Braça com embondeiros,
    Djack

    ResponderEliminar
  2. Um dia, meu caro, um dia, antes que se cumpra a próxima profecia dos Maias...
    Em Angola, diz-se dos imbondeiros que foram plantados de pernas para o ar...Alguns, são autenticas obras de arte!

    ResponderEliminar