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terça-feira, 8 de janeiro de 2013

ERA UMA VEZ, ANGOLA...XIX


E intempestiva entrada em cena do Padre Dâmaso teve o condão de acabar com a amena reunião como se se  prenunciassem acontecimentos da mais completa transendência...
Lá nos acotovelamos no jeep da Administração, uma máquina vetusta mas da mais absoluta fiabilidade, com o Administrador ao volante, e mais o Diz, o Dr. Poupinha das Neves, um  cipaio e eu. As senhoras, claro, ficaram em casa.. O padre já havia arrancado na sua barulhenta mota com "side-car" e seguia, rua fora, levantando nuvens de pó, que tivemos que deixar pousar um pouco antes de arrancar também.
O nosso destino era a ponte Carmona em boa hora lançada sobre o Zambeze, a escassos quilómetros de Cazombo..


Anos mais tarde, esta ponte haveria de ser destruída durante a penosa e cruenta guerra que ensanguentou Angola durante anos a fio, isolando metade do Alto Zambeze, uma extensão de alguns milhares de quilómetros quadrados...
Tivemos que parar umas dezenas de metros antes de chegar à ponte e fazer o percurso no maior silencio pois os hipopótamos, ou "cavalos-marinhos" como lhes chamam em Angola, têm um ouvido apuradíssimo e escapam-se para debaixo de água ao mínimo sinal de perigo...Agachados, lá fomos até ao meio da ponte e, por entre o gradeamento, fiquei boquiaberto ao divisar uma dezena daqueles enormes bicharocos, pachorrentamente deitados ao sol da tarde, sobre as areias brancas de uma ilhota no meio do rio que, ali, nem sequer é muito largo...De vez em quando abriam as enormes bocas deixando à mostra um par de dentes do tamanho de punhais e uma cavidade palatal onde quase cabia um carro...Pareciam inquietos, no entanto, tal como eu fiquei quando vi e padre Dâmaso tirar debaixo da batina castanha uma enorme carabina...Todavia, eu parecia ser o único nervoso o que me levou a concluír que o que quer que estivesse a acontecer não seria nada de outro mundo...Mas não deixei de estremecer quando um enorme estampido veio perturbar a calma reinante e vi os volumosos hipos debandarem para o refúgio das águas a uma velocidade perfeitamente insuspeita enquanto nas margens, homens e mulheres que até então se tinham mantido invisíveis, corriam acompanhando a corrente...Mas, afinal o que é que tinha acontecido?  O padre Dâmaso que, ao que parecia, tinha algumas e inesperadas habilidades, havia atirado sobre um dos animais que estavam dentro de água com um tiro certeiro na fronte, entre as duas pequenas orelhas...Mas, porque não atirou num dos que estavam na ilha? Porque, estando dentro de água, uma vez morto acaba por boiar e vir a encalhar onde, claro, será recolhido por alguns daqueles que eu vira correr margens abaixo...Mas, porquê matar um hipopótamo? Porque a Missão Católica de Cazombo e a Leprosaria do Alto Zambeze tinham muitos protegidos e doentes para alimentar e um hipopótamo  reduzido a carne seca ao sol é uma fonte de proteínas inestimável para algumas semanas e ainda fornece grandes quantidades de gordura para...iluminação! Então, de vez em quando, o padre Dâmaso transformava-se em predador e entre duas avés-marias e quatro padres-nossos, lá caçava um cavalo-marinho...

(Continua)

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