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terça-feira, 16 de abril de 2013

ERA UMA VEZ, ANGOLA - XXVII...



Era segunda-feira e era feriado...já não me lembro porquê e, por isso, quando me levantei o sol já ia alto mas a ressaca dos exageros da véspera não se haviam dissipado por completo...Tinha a boca a saber a "papeis de música" como se dizia antigamente, vá-se lá saber a propósito do quê...e o estômago parecia um fogão com carvões em brasa...Nada que um belo copo de água fria e uma boa dose de sais de frutos "Eno" não curasse...Um duche quase frio e uma caneca de um bom e fumegante café completaram a cura, enquanto eu fui à loja do Mário Matos, o dono da pensão, mesmo ao lado...
Para manter as lojas mais frescas, elas tinha o soalho abaixo do nível da rua, cerca de um metro. Era, pois, preciso usar, nas duas portas de acesso ao exterior, umas escadinhas de cinco degraus...O edifício não tinha janelas pelo que a única luz era a que entrava pelas portas de dois batentes, abertas ao público, apesar do feriado...
Conforme eu já tinha verificado, os autóctones que entravam para "negociar" raramente traziam dinheiro mas sim umas bem pesadas bolas de cera de abelha, que se produzia na região às toneladas...De acordo com o peso e o valor comercial da cera, o pagamento era feito em géneros: mantas, fósforos de cera, sal, lâminas para a barba, linha de coser, agulhas, petróleo e, uma vez por outra, um garrafão de vinho de qualidade mais que duvidosa...
Nessa manhã a loja estava às moscas...Sentei-me sobre um saco de feijão "congo" e quando ia fazer conversa com o Mário, desde a escada um miúdo dos seus 10 anos, sobraçando uma galinha estranhamente muda e queda...Vinha vender o galináceo e quando lhe foi perguntado o preço, respondeu: "Cinco angolar..." Na altura já a moeda era Escudos mas para muitos povos do interior nunca deixou de ser angolar...
Foi então que o Mário me disse:
-Você prepare-se que vai assistir a uma coisa muito interessante e que pode ensinar-lhe muito sobre a nobreza deste povo!"
Então, virando-se para o rapaz, disse-lhe que o bicho estava muito magro e não valia mais do que três angolares...O miúdo terá contraposto que com boa comida dentro uma semana ia ficar bem gorda e o preço era cinco angolar...Mudando de táctica, o Mário disse que, sendo assim, a galinha até valia mais pelo que estava disposto a pagar dez angolares! Imperturbável, o moço abanou a cabeça e, preparando-se para se ir embora dizia: "Não pode...Preço é cinco angolar!"
Antes que desaparecesse, o Mário pegou-lhe no frango, deu-lhe os cinco escudos e uma mão cheia de rebuçados que fizeram os olhos do moço brilhar como duas estrelas em céu nocturno...


Luenas de Cazombo

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