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sábado, 27 de abril de 2013

ERA UMA VEZ, ANGOLA! - XXVIII...



O miúdo do frango havia acabado de sair com os seus "cinco angolar" e desce a escadinha de um pulo o Heitor, com a notícia de que o Soba  N'jamba havia morrido...Era o único Soba da região que sabia umas quantas palavras de português e que denunciava um certo orgulho em ser avô de uma criança adorável, fruto de uma relação furtiva de sua filha com um camionista beirão que o Soba nem sequer conhecia mas a quem se referia como seu "genro"...Andava sempre de calças, óculos escuros e capacete colonial, de cortiça, fumava cigarros Matinée (do Congo Belga) e era adorado pelo seu povo, cristãos, na sua grande maioria, provavelmente devido à proximidade da Missão Católica e à acção evangelizadora dos Padres Dâmaso e David...Eu conhecia-o pessoalmente pois tinha sido já portador de diversas mensagens do Administrador Estaca, principalmente quando, como já referi, começaram a aparecer sacrificados os animais de pelo ou penas brancas... Pode parecer brincadeira mas N'jamba foi o primeiro e até hoje o único africano que conheci, não muçulmano, que não consumia bebidas alcoólicas! Portando, e à partida, quando soube da sua morte tinha a certeza que o "hidromel" não tinha nada a ver com o assunto...Mas, como se veio a saber mais tarde, tudo tinha sido uma trágica precipitação...
O Soba apanhou aquilo que parecia ser uma bruta duma constipação e como o Dr. Poupinha das Neves estava na cidade do Luso (a uns "escassos" 600 quilómetros...) ignorou o enfermeiro Cauevo e consultou o Kimbanda  (feiticeiro), que mandou fazer uma cova quadrangular de dois metros de profundidade, onde o Soba deveria "descansar" durante dois dias...Como se estava na época do "cacimbo", quando foram pelo N'jamba ele estava gelado de morto...Regressado no dia seguinte, o Dr. Poupinha lá fez a autópsia da lei concluindo, claro, que o Soba havia sucumbido a uma pneumonia dupla...Nunca mais ninguém ouviu falar do Kimbanda!
Logo que se soube do trágico acontecimento, perfeitamente audível graças aos sons do telégrafo da selva, o Administrador mandou todos os "cipaios" disponiveis para o Kimbo do Soba,  todos armados, para evitar um hábito ancestral que por vezes se repetia, aquando da morte de alguém importante que, pela sua crueldade, parecia impossível acontecer numa sociedade de povos tão pacíficos e sociaveis. Era escolhidas quatro crianças do sexo masculino, ainda não iniciadas (não circundadas), que eram decapitadas e cujos crânios iriam suportar o estrado onde o corpo do falecido seria depositado para as cerimónias fúnebres...
Se é certo que não havia noticia de tão bárbaro costume se ter cumprido nos últimos trinta anos também era verdade que, entretanto, não tinha morrido nenhum Soba ou personalidade suficientemente importante...Não era seguro facilitar...

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