ERA UMA VEZ NEVES DE SOUSA
O PINTOR DE ANGOLA
- Albano Silvino Gama de Carvalho das Neves e Sousa -
Quando a Administração recebeu um telegrama do Governo do Distrito do Moxico a informar que o Alto Zambeze serra visitado, por três dias, pelo pintor Neves e Sousa, a quem deveríamos prestar toda a colaboração possível, fiquei em pulgas: eu já tinha ouvido falar do homem, que também era poeta e pintava com um vigor e um colorido que francamente me agradavam...
Felizmente, o Administrador Marques Estaca conhecia-o, pessoalmente e instalalo-ia na sua residência que, por acaso, até tinha quarto de hóspedes e tudo...Fui avisado que eu escoltaria o artista para onde quer que ele desejasse ir, mais um cipaio, ficando o Jeep Willis a meu cargo para todas as deslocações...
Falei longamente com o administrador que me esclareceu ser o pintor natural de Matosinhos, perto do Porto, onde nascera em 1921, pelo que era treze anos mais velho do que eu. Tinha feito o Liceu já em Luanda e em 1936 já tinha realizado a sua primeira exposição de pintura...Era um homem afável, fumador de cachimbo inveterado e conhecido, especialmente, pelos seus quadros de mulheres de todas as regiões do imenso território angolano. Alias, doze dessas figuras foram seleccionadas para uma colecção de selos notável.
Foram, afinal, três dias memoráveis, em que percorremos algumas centenas de quilómetros...Quer parados, quer em movimento, Neves e Sousa não parava de fazer esboços, a "crayon" sobre folhas de papel A5 com imensas notas escritas nas margens...Confidenciou-me que aquilo eram apenas umas indicações para que tudo, depois, ficasse dentro de limites que não dessem uma ideia distorcida das reais dimensões do "assunto"...As notas escritas eram sobretudo sobre as cores a utilizar, a luminosidade, a direcção dos raios solares, etc...
Sempre que possível, programávamos as deslocações por forma a estar de regresso a Cazombo às horas das refeições mas, quando isso não era possível, lá levávamos umas latas de sardinhas e de atum, alguns pães e cerveja, imaginem, dentro de garrafas térmicas! Claro que perdia muito gás mas, pelo menos, era uma bebida fresca...Até o cipaio gostava!
Saíamos sempre muito cedo pois, segundo Neves e Sousa, à medida que o Sol ia subindo no horizonte e a temperatura a aumentar, o calor provocava ondas térmicas de baixo para cima. que deturpavam a paisagem, esbatendo-lhe os contornos, deturpando as cores, escondendo pormenores, enfim, adulterando a realidade...Aliás, quando não voltávamos à base para almoçar, era fatal andarmos a procura de uma sombra segura onde acabávamos por dormir uma bela duma sesta, depois de uma sandes de atum e alguns goles de Cuca, entre as 12 e as 15 horas...
Na véspera do seu regresso, Neves e Sousa ofereceu-me um postal com uma cena dramática, que ele considerava um dos seus melhores trabalhos.
Nessa noite fui convidado, bem como o Dr. Poupinha das Neves e sua belíssima esposa, para o jantar de despedida do Neves e Sousa. Foi uma noite animada com o pintor a afirmar que, graças ao apoio que lhe tinha sido proporcionado tinha conseguido reunir material que lhe daria para muitos meses de trabalho...Até disse ao Administrador que me devia condecorar pela paciencia e boa vontade que eu tinha colocado à sua disposição ao que aquele retorquiu, com um sorriso um tanto amarelo que, condecoração, não, mas que um louvor no Diário da Circunscrição, talvez...Se me foi concedido, nunca cheguei a saber...
No dia seguinte, lá se foi, aproveitando a boleia do fiscal do Grémio do Arroz que tinha andado a visitar as lavras...
Gostei de conhecer este homem e grande artista que, infelizmente, foi forçado a abandonar Angola, que adorava, vindo a falecer, em 1995 na Bahia, Brasil...Paz à sua alma!
Bom trabalho, bom trabalho!
ResponderEliminarIsto é que é escavar com interesse.
Braça pictórica,
Djack
Caro Arrozkatum
ResponderEliminarMagnifico texto, magnificos quadros de Neves e Sousa.
Só um pequeno reparo: Se assim o etender corrija o nome do Pintor
António por Albano.
Viva Angola!
ResponderEliminarEstimado,fugindo a comentar o post,venho por este meio apenas e de uma forma singela lamentar a sua decisão de terminar as suas aventuras bloguistas,venho aqui religiosamente todas as noites e lamento a decisão mas compreendo...forte abraço.
Ricardo Santos
Biografia de Albano Neves e Sousa
ResponderEliminarNasceu em 15 de Janeiro de 1921em Matosinhos. Fez o curso liceal em Luanda. Por motivos alheios à sua vontade deixou a sua Angola e fixou-se em Salvador, Bahia/Brasil, onde faleceu, em 11 de Maio de 1995.
As suas primeiras exposições foram em Angola, em 1936, no Andulo, e em 1937, em Luanda, com o apoio do jornal A Província de Angola.
Integrado na Missão de Estudos Etnográficos do Museu de Angola, trabalhou na recolha de elementos de etnografia e pintura, nomeadamente, em Quissama, Dondo, Moxico e Dembos.
Em 1943, obteve uma bolsa de estudos, da Câmara Municipal de Luanda. Fez o curso superior da Escola de Belas Artes do Porto, onde obteve os prémios "José Meireles Jr.", "Centenário Soares dos Reis", "Três Artes", "Rodrigo Soares", "Rotary Club do Porto 1950" e "Rotary Club do Porto 1951".
Participou no Grupo dos Independentes do Porto, de cujo núcleo fez parte nos anos de 1944 a 1950; tendo organizado, com Fernando Lanhas, a 1ª exposição de arte infantil no Porto, Galeria Portugália, 1949.
Defendeu tese em 1952 e regressou a Angola, passando a viver em Luanda. neves
Recebeu, também, mais os seguintes prémios: 1º prémio de aguarela da I Exposição de Artes Plásticas de Luanda; 2º prémio de pintura da Casa de Metrópole, em Luanda; medalha de bronze de "Caça e Pesca", Dusseldorf, Alemanha, 1954; 1º prémio, pastel, na exposição de artes plásticas da Câmara Municipal de Luanda, 1967; menção honrosa na Exposição Internacional de Desenho em Rijeka, Yugoslávia, 1970; medalha de ouro de desenho na Academia de Pontzen, Napóles, Itália, 1974.
Participou em várias exposições, designadamente, em: África do Sul, Angola, Bélgica, Brasil, Espanha, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Venezuela; e realizou viagens de estudo ao Brasil, Espanha, Estados Unidos, França, Inglaterra e Itália.
Executou várias decorações em edifícios públicos em Angola (incluindo o Hotel Universo), São Tomé e Cabo Verde. No aeroporto internacional de Luanda, tem um trabalho em grafite com a área de 345m2. Executou também a decoração do Pavilhão de Angola na exposição de Bulawaio, Zimbawé, 1953. Em 1975 foi aos Estados Unidos decorar os interiores dos aviões "Boeing 737" dos Transportes Aéreos de Angola. Pintou, também, dois painéis para o Banco Auxiliar, no Brasil, em Salvador, 1981, e em Aracaju, em 1983.
Foi agraciado pelo Governo Português com a comenda da Ordem do Infante D. Henrique, em 1963, e com a comenda da Ordem de Mérito, em 1993.
Está representado nos Museus: dos Açores; do Caramulo; da Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa; Nacional de Arte Contemporânea, Lisboa; Nacional Soares dos Reis, Porto; de Angola; de Ovar; da C.M. de Maputo, Moçambique; de Pontevedra, Espanha; de Arte da Universidade do Ceará, Fortaleza, Brasil; e em diversas colecções particulares, incluindo: rei Juan Carlos de Espanha; rei Semião da Bulgária; Unilever, Holanda; Nestlé, Suíça; dr. António Espírito Santo; dr. Manuel Espírito Santo; dr. Manoel Vinhas e Luís Miranda, de Portugal.
Faleceu em Salvador, Bahia, Brasil, em 11 de Maio de 1995.
Obriado, amigos, é muita bondade vossa mas deve ser da quantidade de coração que coloco nas minhas memórias de Angola...
ResponderEliminarCaro Ricardo, tenho recebido tantas provas de carinho contrariando a minha dcisão de "desertar" que, sinceramente, já quase me envergonho de ter falado no assunto! Um abraço!
Ó nha irmon, vá que calma, pá!
ResponderEliminarÉ Albano...
Mantenha
ARROZKATUM FOR EVER
O Albino já passou a Albano...É da idade, meu caro! Obrigado pelo auxílio...
ResponderEliminarPor favor... Cabá quesse estória didade...*
ResponderEliminarVelhos são os trapos!
Bom fim de semana!
* crioulo fonético.