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quinta-feira, 30 de maio de 2013

ERA UMA VEZ, ANGOLA - XXXII...


Chegou ao fim da tarde, com o espalhafato de uma buzina do tipo corneta e o ruído caracteristico, semelhante ao de uma máquina de costura, do seu Ford dos anos 30, verde, porque Simões de Abreu, o António, era do Benfica mas, antes disso, "era do contra"...
Era um homem alto, de um metro e oitenta e tal, cabelo ralo cobrindo metade do crânio, magro, olhar penetrante, bom garfo e sofrendo de uma sede permanente que devia colocar-lhe os rins a cem à hora e o fígado em vinha-de-alhos...Tinha uma voz metálica mas de meio tom, tez clara com aquela "patine" de bronze da responsabilidade do sol de Benguela e dos dias passados a visitar as lavras de arroz...
Nunca soube a sua idade, mas devia andar já pelos seus 60 quando o conheci e o ouvi  pela primeira vez quando me mirou de alto a baixo e declamou: "Viva, estou a ver que temos carne fresca!"...À gargalhada geral que sublinhou a piada,  seguiram-se as apresentações, os apertos de mão, os abraços e aquela frase  sacramental que eu iria ouvir milhares de vezes, a todas as horas do dia ou da noite, feriados e dias santos, inclusive: "Raios, estou com uma sede que nem cão no deserto!"...
Esta necessidade de hidratação constante nunca foi saciada mas, apenas, mitigada o que, aliás, suscitava no António a desconfiança de que sofria de diabetes...
Mas, o mais estranho é que, como no dia seguinte de manhã vim a verificar, o Ford do Simões de Abreu, pelos vistos, também sofria de diabetes pois só pegava (de manivela...) depois de ter recebido, no carburador, umas pródigas gotas de...whisky! Era, afinal, uma acção tão rotineira como o "café-do-cigarro" o banho morno e a primeira manifestação de míngua hídrica do António...
Tínhamos-nos deitado tarde, na noite anterior, pois o novo hóspede estivera a colocar a farta audiência a par das suas ultimas aventuras, relato interrompido pela triste notícia de que o gelo...tinha acabado e o whisky da terceira garrafa levava o mesmo caminho...
Recordo-me que a ultima gargalhada ecoara quando o António relatou a sua visita a uma "boutique" na sua ultima estadia em Luanda, para comprar uma prenda para levar à mulher, Dona Josefina, em Benguela. Acertado o numero e o modelo dos "soutiens", era necessário saber a forma do peito e, para ilustrar, a balconista explicava: "A forma, o feitio, por exemplo, tipo Pera!"...Como se tivesse, naquele momento, descoberto a pólvora, António disparou: "Ah! Já percebi - dê-me aí uns três, tipo ovo estrelado!"..


6 comentários:

  1. Cruel, se não o fosse risível.
    Estou gostando da produção e rezando que o veio nao se esgote.
    Abraços

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  2. O António era do contra mas não tinha maldade...Costumava dizer que nunca enganara a mulher...duas vezes com a mesma!
    Abraço!

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  3. Como diz a sempre presente Heide Oliveira gostei...também rezo para que o filão não acabe! Continua e que a mão não se canse, já que a cabeça está de boa saúde e com excelente produção.
    Abração

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    Respostas
    1. Tuta
      Que nossos votos sejam atendidos.
      Quando tiver um tempinho passe lá no blog cafeebolinho.blogspot.com onde nasceu a amizade com Zito - meu amigo de além mar.
      Votos de paz e harmonia
      Nouredini - Heide

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  4. O.K., Brotas, obrigadão.Espero ver-vos, amanhã, por aqui!
    Cara Heide, apenas para que tudo fique claro, Tuta é meu irmão caçula...O Brotas é uma corrutela de Brother...
    Sorte a minha...
    Zito

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  5. Este comentário foi removido pelo autor.

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