Páginas

segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

(6329) - ACTUAL, QUINZE ANOS DEPOIS...

INTERVENÇÃO NO II CONGRESSO DE QUADROS DA DIÁSPORA CABO-VERDIANA, 1998

Nota Introdutória: 15 anos passaram desde a intervenção de Luiz Silva no II Congresso de Quadros da Diáspora. Embora o grosso da intervenção abordou a problemática da Emigração Caboverdeana em França e no Mundo, o autor já nesta altura fez uma relevante exposição sobre o papel do Eden-Park na formação cultural e intelectual dos mindelenses, na sua consciencialização política, lembrando aos responsáveis políticos de Cabo Verde que este é um património histórico e cultural do país. Alertou, muito cedo, a sociedade civil, o município e o governo dos perigos da sua alienação, chamando a atenção para o facto de que o seu desaparecimento da cena cultural do Mindelo corresponderia a amputar Cabo Verde, os seus artistas e homens de cultura, de uma parte significativa da sua história. Este apelo não foi ouvido (Esh Ca Ta Cdi) e o pior cenário aconteceu, estando o edifício, num momento em que a ilha encontra-se mergulhada numa profunda crise económica e cultural, num estado total de degradação, após ter sido vendido a terceiros. Os alertas do Luiz foram premonitórios, pois desde então nos envolvemos em constantes e sucessivas lutas para salvaguarda do Património Arquitectónico e Cultural de S. Vicente, que vem sofrendo perdas irreparáveis, resultantes do desleixo e da incúria dos governantes, e do facto que a sociedade civil mindelense se encontra desorganizada, falida e impotente. Tratam-se dos terrenos de Golf De S. Vicente de que o autor corporizou um movimento para a sua salvaguarda, da problemática da Casa Adriana pela qual nos batemos até ao último momento contra a sua demolição, e as questões candentes e actuais de abandono e actos de vandalismos perpetrados ao Património, despoletadas e denunciadas no Notícias do Norte: Liceu Velho (ou Gil Eanes), o Fortin D’El Rey, a Escola da Praça Nova, etc. Não podia ainda deixar de referir a importância deste artigo na denúncia da ausência de Políticas Específicas da Emigração/Diáspora da parte do Estado de Cabo Verde e de um conjunto de propostas aqui elencadas já em 1997 para solucionar a vida de muitos emigrantes tanto na Diáspora como nas suas regiões/ilhas em Cabo Verde, mas que nunca foram tidas em consideração. Agora que se vislumbra a perspectiva da Regionalização em Cabo Verde, pela qual o Luiz Silva vem batendo, acreditamos que muitas das suas propostas para a Emigração/Diáspora poderão ser solucionadas no quadro das reformas da Regionalização e do futuro Governo Regional instalado em S. Vicente e nas restantes ilhas de Cabo Verde.

Portugal, 22 de Dezembro de 2013

José Fortes Lopes

Senhor Presidente da Câmara Municipal de Vicente,
Senhores Representantes do Corpo Diplomático,
Senhor Presidente do Congresso dos Quadros,
Caros Congressistas,
Minhas Senhoras,
Meus Senhores,

Eu queria, antes de entrar no tema que me é proposto sobre a emigração cabo-verdiana em França, prestar uma justa homenagem e muito particular ao Eden-Park e, em especial, ao seu fundador nhô César Marques pela sua criação em 1922 e pela sua grande contrlbuiçâo para a cultura cabo-verdiana. Acho que, melhor do que qualquer escola ou revista, o cinema Eden-Park foi uma verdadeira escola da vida de todas as classes desta ilha, para não dizer de todas as ilhas. Aqui tomámos consciência das injustiças sociais, com os filmes de Charlot. Um filme célebre como Cochise pela primeira vez dava razão na história aos índios da América. Sobre o racismo nos Estados Unidos, principalmente no Sul, pudemos ver o filme “A imitação da vida”que faz uma fotografia das consequências da escravatura nesse país.
Os valores de fidelidade, de luta pelas causas nobres, a nossa maneira de sentir e amar e até à nossa própria nossa própria heroicidade, muito se deve ao Eden-Park.

Gostaria ainda de :
- Relembrar que ‘os rapazes da Praia de Bote’, sem saberem ler e escrever, aprendiam o inglês no cinema, e que graças ao Eden-Park, puderam, com maior facilidade, integrar as sociedades europeias e americanas para onde emigraram.
- Recordar a importância do Eden-Park como centro de discussão e de debate, de conferências, por onde passaram homens distintos como Baltazar Lopes e Aurélio Gonçalves.
- Invocar o papel do teatro, que teve grande desenvolvimento no Eden-Park, (saúdo a presença de Dante Mariano nesta sala), recordando os seus grandes momentos nos anos cinquenta e sessenta. E também o Onésimo Silveira, porque foi aqui que se prestou a grande homenagem a Olavo Bilac, grande músico desta terra, autor da morna “Destino negro” num momento crucial da sua vida e cujo lucro foi destinado a apoiar a sua deslocação a Portugal para tratamento.

Resumindo, sinto que existe uma grande injustiça da parte da sociedade civil, do município e do governo em relação ao cinema Eden-Park que faz parte da história cultural de Cabo Verde. O desaparecimento do Eden-Park da cena cultural do Mindelo seria o mesmo que amputar Cabo Verde e os seus artistas de homens de cultura de uma parte da sua história.

EMIGRAÇÂO CABO-VERDIANA EM FRANÇA
Não posso ter a pretensão de lembrar aos nossos congressistas, de que a França e a sua cultura sempre tiveram um grande acolhimento em Cabo Verde. Os ideais progressistas da Revolução Francesa, como a liberdade, a igualdade e a fraternidade, sinónimos da Caboverdianidade, não podiam deixar de fazer eco num país marcado pelas sequelas da escravatura ou das injustiças agrárias que levaram centenas e centenas de Cabo-Verdianos à morte e à emigração. Eugénio Tavares (1868/1930), homem político para além de homem de cultura, foi sem dúvida um dos maiores defensores dessa emigração. Ele via nela não só uma via de libertação económica, mas também de conquista de valores como a dignidade, o direito à igualdade e à autonomia. A seu lado destacou-se uma geração de combatentes para a autonomia e independência desde os princípios deste século. Entre eles: Sena Barcelos, democrata infatigável que se levantou contra a dolorosa fome de 1903 ou ainda contra a emigração forçada para São Tomé e Príncipe; o Senador Vera Cruz, homem de cultura sempre referenciado por Baltazar Lopes e que fez de Mindelo a cidade culta do Arquipélago; o poeta José Lopes e tantos outros cidadãos que exerciam com grande mérito na língua e cultura francesas. O papel da França na literatura cabo-verdiana é menos reconhecida, no entanto não se pode ignorar a sua importância nas obras de Baltazar Lopes, Manuel Lopes ou António Aurélio Gonçalves. Se Manuel Lopes abre o romance “Os Flagelados do Vento Leste” com uma citação do escritor marxista Henry Barbusse, se Aurélio Gonçalves é sem dúvida um grande conhecedor de Flaubert, de Balsac ou Emile Zola, acontece que foi em Victor Hugo, André Gide e Fustel de Collanges que Baltazar Lopes encontrou a força e a argumentação necessárias para combater o racismo epidérmico do sociólogo brasileiro Gilberto Freire quanto analisava a realidade cultural de Cabo Verde.
Ao nível do ensaio repare-se que as contribuições de Amílcar Cabral, de Teixeira de Sousa ou de Gabriel Mariano revelam os contactos com os escritores africanos que marcaram o movimento da negritude. Os ensaios de Franz Fanon ou de Aimé Césaire foram as leituras essenciais para a nossa consciencialização.
Por Paris passaram nos anos cinquenta e sessenta a maior parte dos nacionalistas africanos das colónias portuguesas à procura não só do exílio político, mas também de armas teóricas para o combate de libertação. A livraria de François Maspero e a Présence Africaine eram lugares obrigatórios de todos os nacionalistas africanos.
Para além de se poder desfrutar de uma certa liberdade de acção, Paris era também a escola da democracia, em oposição a todas as ditaduras. Podia-se consultar livremente todas as obras ligadas às experiências da descolonização. Além disso, havia em Paris uma elite anticolonialista rara no mundo, tendo como chefe de fila o existencialista Jean Paul Sartre, que dirigia a revista Les Temps Modernes e que se dispunha a ajudar todas as lutas de libertação dos países colonizados, como também as reivindicações dos emigrantes.

OS PRIMEIROS CABO-VERDIANOS...
Não possuímos dados estatísticos sobre a presença de uma colónia cabo-verdiana em França, anteriormente aos anos sessenta. Podemos no entanto afirmar que ela era conhecida dos nossos intelectuais, dos nossos marítimos e também de alguns Cabo-Verdianosemigrantes no Senegal. No cemitério do Petit Parnasse em Paris repousa, ao lado de grandes personalidades da vida cultural e científica francesa, a figura do sábio químico Cabo-Verdiano Roberto Duarte Silva, falecido em Paris em 1905. A sua estátua nesse cemitério encontra-se em mau estado de conservação. Se Cabo Verde se orgulha de possuir um filho tão importante, é seu dever ocupar-se das suas campa e estátua, que ao lado da de Chateaubriand se destoam por falta de cuidados.
A independência do Senegal, em 1960, seguida da senegalização dos serviços públicos, levou ao desemprego uma boa parte dos Cabo-Verdianos ali residentes, que preferiram emigrar para a França ou Holanda. Se os homens emigraram principalmente para a Holanda, as mulheres, pelo facto de dominarem a língua francesa, emigraram para a França, estabelecendo-se principalmenteem Marselha, na região parisiense ou em Moulhouse. Hoje, a presença da comunidade cabo­ verdiana oriunda do Senegal é bastante importante em França e não conhece quaisquer dificuldades de integração.
Na zona leste, precisamente em Mozelle, vive, desde os princípios dos anos sessenta, uma pequena colónia de trabalhadores cabo-verdianos, na grande maioria originários de Santo Antão, vindos directamente de Cabo Verde (via Portugal) e onde puderam reconstruir o seu Cabo Verde, com as suas tradições, usos e costumes. Trata-se de pessoas que primeiramente tentaram emigrar para a Holanda e que, face às dificuldades da marinha mercante ou de entrada naquele país, encontraram um lugar de acolhimento nessa zona de minas de carvão e de ferro. Pouco a pouco, como é próprio do Cabo-Verdiano, começaram a fazer vir os amigos e familiares e já em 1964 havia uma pequena comunidade que pôde acolher alguns militantes da independência de Gabo Verde. Foi dali que, em 1964, partiram para as matas da Guiné-Bissau os primeiros combatentes da liberdade da Pátria. Com o fecho das minas de ferro e carvão, a maior parte dos fundadores dessa comunidade foram reformados. Os filhos tendo seguido uma boa escolaridade trabalham nas zonas limítrofes, no Luxemburgo e Alemanha.
Na região parisiense, ainda nos fins dos anos sessenta, os Cabo-Verdianos podiam contar-se pelos dedos das mãos. No 16° bairro de Paris havia uma pequena colónia feminina que trabalhava em casa de famílias burguesas, ocupando pequenos quartos nos últimos andares e onde modestamente recebiam outros emigrantes que vinham chegando pouco a pouco das ilhas de Santo Antão e São Vicente. Com o tempo essa emigração parisiense, inicialmente essencialmente feminina, começa a equilibrar-se com a chegada de amigos e maridos, especialmente da Holanda. Mas é nos princípios dos anos setenta que chega o grosso da emigração Cabo-Verdiana, constituída deemigrantes da ilha de Santiago, via Portugal, à procura de melhores salários. Bons operários, integram-se na construção civil e instalam-se nos foyers de trabalhadores emigrantes, principalmente na zona sul de Paris. Com a independência de Cabo Verde, essa emigração não cessa de aumentar e em 1981, com a subida do Partido Socialista ao poder uma nova vaga de jovens cabo-verdianos chega a França e, graças aos apoios do Movimento Associativo Cabo-Verdiano, muitos conseguiram legalizar-se.
O recenseamento eleitoral elaborado pelo Consulado de Cabo Verde em 1995 acusa um número de 14 616 inscritos. Ora, se considerarmos os Cabo-Verdianos que têm a nacionalidade portuguesa ou francesa e que não se inscrevem nos consulados, bem como os inúmeros clandestinos que estão a lutar pela sua legalização, podemos afirmar afoitamente que existem mais de 30 000 Cabo-Verdianos em França. Com o regresso dos socialistas ao poder em 1997 apareceram de novo centenas e centenas de trabalhadores cabo­verdianos à procura de legalização. Muitos deles estão em França há mais de 10 anos, trabalhando clandestinamente e sujeitos muitas vezes à exploração dos patrões e até de patrões cabo-verdianos. Aqui deixamos um apelo aos representantes da emigração, aos deputados, no sentido de acompanharem de perto esta situação, para que os emigrantes possam sentir-se apoiados pelo seu governo (CONTINUA).
LUIS SILVA

2 comentários:

  1. Olá Zito amigo.

    Descobri Visão Periférica...
    Só ontem... Imperdoável, tamanho lapso.

    Abraço,e bom dia!
    Dilita.

    ResponderEliminar
  2. BOA TARDE, BOA AMIGA...A VISÃO É COMO A DESPENSA DO MATERIAL QUE EXCEDE OS LIMITES DO ARROZ, PARA QUE NÃO SE PERCA NADA...
    QUE A PAZ SEJA CONSIGO,
    Zito

    ResponderEliminar