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domingo, 29 de dezembro de 2013

(6338) - O LIVRO DA DENÚNCIA...

 
DAME UM CAFÉ – de Hélder Fortes!
Este é um romance que convida à leitura de um só fôlego, porque está pejado de vida. Vida real numa interessante mescla com a ficção. O ecrã ou palco é a cidade cosmopolita do Mindelo.
Ao ler este DAME UM CAFÉ do Hélder Fortes, somos obrigados a viajar para uma pequena cidade-mundo sui generis. Mindelo. Nesta sua prosa ele cria-nos cenários tão fortes que, por vezes, podem parecer chocantes.
Trata-se de uma espécie de olhar social, antropológico, cultural, psicossociológico de uma certa realidade sanvincentina. A nu e cru. Com poucas papas na língua. Na tessitura desta obra de Hélder Fortes, temos a sensação, vezes sem conta, de que paira no ar o eterno mistério dessa necessidade da recriação das coisas em imagens, através da escrita, para terem mais vida, para poder ser mais vivida.
A abordagem de DAME UM CAFÉ – perdoem esta invenção terminológica – é SUXIAL. Trata-se aqui de uma tentativa minha desnexada de querer misturar o social com o sexual numa palavra híbrida.
A vida das noites mindelenses depois do cambar do sol é espelhada aqui sem contemplações. A análise social pode aparentar-se dura. Mas, é uma realidade quase fílmica do género hollywoodesco. Trata-se daquelas realidades a que muitos de nós – pseudo-analistas sociais – fechamos os olhos ou simplesmente fazemos de conta que não existem, até essa mesma realidade nos bater à bater ou invadir o nosso campo ou área de conforto.
Hélder Fortes consegue de forma magistral neste livro espelhar vivências várias na sua perspetiva antropológica, social e de citadino sanvicentino. Retratar o Mindelo dessa forma é uma “forma de justiça”. O cosmopolitanismo, a criatividade, a alegria contagiante, o brincar com coisas sérias, o não esconder as desgraças, e o vangloriar das suas doces loucuras, continuará na génese mindelense. No entanto, este livro vai mais fundo. Retrata a fuga da miséria e ao desemprego a que a ilha está votada nas últimas décadas num crescendo assustador.
O próprio termo DAME UM CAFÉ poderá ser muito sugestivo. Infirmativo até.
Vejamos que o acto de pedir um café é um signo ou gesto social. Este gesto poderá estar em equilíbrio ou não, dependendo do estatuto momentâneo, casual ou social do indivíduo nessa hora.
DAME UM CAFÉ, com efeito pode ser um gesto amistoso de socialização. Mas, também poderá estar a entrar no descambar da ruptura social, de alguma penúria alimentar.
DAME UM CAFÉ numa visão interpretativa poderá igualmente ser um grito de desespero. Ou mesmo “troco um CAFÉ por qualquer coisa que esteja à vista” já que já não nada mais para dar em troca.
DAME UM CAFÉ de Hélder Fortes, conduz-nos por esse Mindelo by night com uma alegria e uma vivacidade estonteantes. Dos turistas à procura do exotismo crioulo em que a terminologia é extensa. Dame um café, macacas e macaquinhas, para além das acompanhantes de luxo, nos hotéis e bares luxuosos, às estudantes universitárias que desenham esquemas para propinar o ano – umas só isso, outras viciam-se numa vida faustosa e sem limites… a não ser o próprio céu.
Das mulheres sonhadoras que ainda debruçam-se à janela a sonhar com príncipe/marinheiro encantado, não num cavalo-marinho, mas numa embarcação que levará o seu coração para longe.
Das macaquinhas que aprendem os rudimentos da arte da sedução, junto de emigrantes, dos homens casados e endinheirados, dos empresários aos políticos abastados. Por entre um CAFÉ, um poff, um ray, uma comidinha para as crianças que ficaram lá em casa à míngua. O pai e o marido – alguns fugiram à sua responsabilidade – e nem dão pão, nem farinha, nem consolo na horizontal às pobres mulheres, porque o álcool e outros vícios fumegantes levaram-lhes o orgulho fálico. Só resta mesmo fugir ou bater na companheira.
Do velho que quando novo não “curtiu” a juventude, e que agora num ímpeto louco de se agarrar à vida, gasta a sua reforma se enrolando dia sim dia sim com meninas de vida incerta.
Do emigrante que vem à procura de reminiscências e de presas fáceis, mas, que entra num jogo luxuriante em que nunca se sabe ao certo quem é caça e quem é caçador.
Monte Cara permanece vigilante. A Baía continua linda. As pessoas deambulam – umas com o rosto cheio de luz, outras com o esgar dos traços das doces manhas entranhadas em todos os movimentos dos antigos ingleses, outras loucas e/ou macambúzias de tristezas, porque em Mindelo vivia-se com intensidade. Era quase um Carpe Diem constante. Agora vive-se e sobrevive-se com o que Deus quiser.
Nesta complexidade societal, em que a volúpia se confunde e se transveste com mil argumentos, restará a muitas dessas lutadoras e ou vítimas sociais, poucas saídas. Não obstante o meio ambiente e social ser aparentemente leve e liberal, há estigmas que rotularão algumas “símias” (metaforicamente falando). Atingindo alguma maturidade, ou fogem da ilha ou montam esquemas mais sofisticados, mas, sempre com a plena consciência de que o seu tempo de DAME UM CAFÉ se perdeu no próprio tempo ou por algumas esquinas ínvias da cidade, onde a regra o jogo é viver/sobreviver/desenrascar.
Valeu e vale sempre a pena mexer em alguns baús das histórias das nossas vidas. Os passos vivenciados, as músicas dançadas, as guerras travadas, os sonhos sonhados, os amores amados ou capitulados, podem de rompante vir à tona da mente, quão lembrança de infância ou juventude.
Confesso que ao ler este “nosso” livro (porque agora passou a ser de todos nós também) senti-me amarrado ao chão dessa escrita, descrita e narrada, mesclada com imagens, que nos fizeram irromper também por algumas outras histórias da nossa infância e juventude passadas no Mindelo.
A escrita tem um enorme poder. Mais do que qualquer imagem, a escrita, a boa escrita, é tanto ou mais do que a imagem. Ela pinta várias imagens numa tela só. Ela traduz um, vários sentimentos de uma, de várias pessoas, faz ver uma sucessão de quadros. Veicula som, movimento, tato e acorda sentimentos indizíveis nos leitores.
Como todas as outras artes, a literatura reflete as relações do homem com o mundo e com seus semelhantes. Na medida em que essas relações se transformam historicamente, a literatura também se transforma, pois que sensível às peculiaridades de cada época, de cada espaço geográfico – neste caso também arquipelágico - aos modos de encarar a vida, de problematizar a existência, de questionar a realidade, de organizar a convivência social, etc.
Por um lado ela pode ou poderia ser uma invenção. O autor cria uma realidade imaginária, fictícia. Mas o universo da ficção mantém relações vivas com o mundo real. Nesse sentido, a literatura aqui é a imitação da realidade, construída de uma forma artística.
Esta é uma terapia. Envolve-nos e transporta-nos de forma arrojada numa viajem vertiginosa para espaços nunca antes imaginados, de soltura, diversão, descontracção, energia positiva e fuga da realidade. Este livro de histórias de vida – nossas e dos outras também – fundem-se, vezes sem conta com as experiências e/ou observações de cada um de nós.
Texto (resumido) do apresentador da obra - Daniel Medina
 
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Li por duas vezes esta obra por razão de ter dado modesta contribuição na revisão do texto final. E aquilo que, à partida, se poderia apresentar como uma "obrigação profissional" revelou-se um agradável prazer. Conheço Hélder Fortes há alguns anos, desde que me começaram a passar pelas mãos os seus textos empolgados publicados no extinto Liberal e onde assinava como Norga Fortes. Desde essa altura que me pareceu estar em presença daquele que poderá vir a ser um grande escritor. Penso que o tempo me dará razão. Ler "Dame um Café" é um encontro com um grande contador de histórias e a revelação de uma realidade que está escondida debaixo dos tapetes das conveniências sociais e políticas, que o Hélder desmonta de forma magistral: a exploração sexual de menores na cidade do Mindelo.
 
Alte Pinho António
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Helder está aqui a denunciar verdades bem inconvenientes às elites comodistas e autoconvencidas sobre os paradoxos dos desenvolvimentos e das agendas de transformação de CV, a história dos grandes bluffs e mentiras com idade de 40 anos que agora estão sendo desmascaradas neste livro que conta a mundi-vivência mindelense.
Cabo Verde em situação precária e de emergência social é a verdadeira história contada nesta obra como aparece no letreiro. E ninguém quer ver esta realidade nem fazer nada para resolver o emaranhado conjunto de problemas sociais políticos e económicos em que CV se encontra, tirando as histórias de pacto de Regime e outras tretas que os PAI /MPD gostam de inventar. Quando denunciamos situações muitos ‘politicos preguiçosos’ retorquem que não podemos mudar o Mundo, e perturbar a rotina da Praia.
Agora se não fizerem nada CV vai-se transformar num verdadeiro ‘nightmare’ social.
Foi este caminho que seguiu há 20 anos a Jamaica o Haiti etc e muitos outros estado falhados caribenhos, que hoje se transformaram em narco-estados, far-west, Chitty Chitty Bang Bang, para não falar dos estados dos estados falhados CEDEAO.
Abraço & votos de um Bom Ano para todos e para Cabo Verde!
José Fortes Lopes
 

2 comentários:

  1. Dá-me um copo d'água tenho sede e está se de me mata é, diz por cá o poeta.

    Tenho curiosidade pelos imperativos e este me pareceu convidativo a leitura.
    Abraços de vapor

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  2. Há muita gente que precisa ler este livro porque, segundo penso, retrata uma certa degradação moral que não pode deixar ninguém indiferente.

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