Páginas

domingo, 29 de dezembro de 2013

(6337) - EXCERTOS...

Souto Moura: “A arquitectura de Mindelo lembra-me as vilas das novelas brasileira"

29 Dezembro 2013

Uma rápida passagem por S. Vicente deixou o arquitecto Eduardo Souto Moura apaixonado pela “geografia peculiar” da cidade do Mindelo e as suas características arquitectónicas de influências coloniais portuguesas. Adepto do “small is beautiful”, o prémio Pritzker 2011 não gostou, no entanto, de ver edifícios gigantescos construídos nas encostas. São prédios “contra natura” e “banais”, que, na opinião do especialista, podem beliscar a beleza de uma cidade que lembra as vilas das telenovelas brasileiras.


Souto Moura: “A arquitectura de Mindelo lembra-me as vilas das novelas brasileiras”
A Semana - É a primeira vez que vem a Cabo Verde, pelo que a impressão que tem até agora da arquitectura cabo-verdiana resume-se àquilo que viu na cidade do Mindelo. Quais as primeiras impressões daquilo que já observou?
– Souto Moura - Realmente desembarquei na cidade da Praia à noite e vim logo para S. Vicente, pelo que não deu para apreciar nada na ilha de Santiago. Aquilo que mais me impressionou na cidade do Mindelo foi a geografia, a ligação do território com a água, os montes envolventes, enfim, a paisagem é lindíssima. É uma geografia muito peculiar. O segundo aspecto que me chamou a atenção é constatar que as coisas estão muito bem arranjadas, dentro das vossas possibilidades económicas, que não são muitas. Está tudo limpo, tratado com cuidado. Mindelo transmite uma sensação de serenidade. Até perguntei se não há stress aqui. Já conheci outras ex-colónias portuguesas, que são mais agitadas. Aqui o comportamento das pessoas é de uma certa calma. Mas não sei se isso é verdade, porque estou cá há apenas cinco horas.
AS – Acha que essa sensação de tranquilidade pode estar relacionada com a presença da baía marítima do Porto Grande e com a estrutura arquitectónica da cidade do Mindelo?
– SM - Para dizer a verdade, gosto do conjunto, há um certo anonimato (em termos arquitectónicos), harmonioso, gracioso. Percebe-se que está presente uma arquitectura portuguesa do século XIX, marcada pelos chalés, os telhados, os sótãos… Esta cidade faz-me lembrar as vilas brasileiras que aparecem nas telenovelas. Portanto, há uma presença de elementos portugueses, mas que ainda não sei dizer ao certo quais são. Mas chego aqui e posso dizer “isto é uma coisa portuguesa”. Há influências portuguesas que vocês conservaram inteligentemente, naquela lógica de continuidade na história da arquitectura.
AS - Sente, então, que houve uma harmonização entre o passado e o futuro, na ilha de S. Vicente?
– SM - Vejo um certo cuidado, sem excessos, e uma preocupação de não se degradar o conjunto. Fui dar uma volta pela periferia, vi muitas casas por acabar, feitas de bloco, mas as ruas e os terrenos estavam limpos. Não vi os sacos de plástico e os colchões abandonados que encontramos em Portugal, nos sítios mais degradados.
AS - Algum edifício em particular chamou a sua atenção?
– SM - Gostei do prédio da Capitania dos Portos, situado na Avenida Marginal. Apesar da sua idade é um edifício modernista, muito fresco. Acho também agradável o edifício do Hotel Porto Grande.
AS - Possivelmente ouviu dizer que Mindelo pertence ao grupo das baías mais belas do mundo. É uma pessoa viajada, com sentido crítico, por isso lhe pergunto o que acha disso.
– SM - Seria desagradável vir dizer que não concordo, não é?! (risos). Acho que as coisas, às vezes, são exageradas. No fundo, os cabo-verdianos são que nem os portugueses, pois temos a mania de que somos os maiores do mundo. Não sei quantificar, dizer se é a quinta ou sexta baía mais bela do mundo e esta questão não me interessa. Agora, não restam dúvidas de que é uma enseada bonita, por isso estou com medo que a estraguem. Se eu fosse arquitecto da Câmara de SV, a primeira coisa que fazia era construir uma grande maquete da cidade, o que é uma coisa barata. Depois, cada pessoa que fizesse um projecto pedia-lhe para colocar isso na maquete para que visse com os próprios olhos se ficava ou não bem enquadrado no conjunto. Há pequenos processos que nos ajudam e muito a projectar uma cidade.

Edifícios “contra natura” nas encostas

AS - Em Cabo Verde, especialmente na ilha de S. Vicente, as pessoas começam a ficar preocupadas com as construções nas encostas. Falo de projectos aprovados pela Câmara de S. Vicente e não de casas clandestinas. Das voltas que deu pela cidade, como é que sentiu este aspecto?
– SM - Há algumas coisas que me fizeram uma certa impressão, porque sou um bocado adepto do “small is beautiful” (o pequeno é lindo). As pessoas têm um sentido colectivo de responsabilidade social e não restam dúvidas de que há edifícios altos demais implantados nas encostas. São contra natura e não têm a qualidade intrínseca para poderem existir. Eu não me importo que haja uma aldeia, uma cidade ou uma vila com uma determinada silhueta e depois desponte no horizonte uma igreja, uma catedral, um palácio ou um castelo, enfim, qualquer coisa de grande valor intrínseco. Quando vejo uma coisa banal, igual às outras, e que aparece só porque se pôs em bicos de pés, aquilo que posso dizer é que ninguém tem o direito de alterar a imagem e a identidade de uma terra.
AS - Esse tipo de construção pode desvalorizar uma cidade?
– SM - Acho que sim. Cabo Verde é um país recente e não devia cometer os mesmos erros que ocorreram, por exemplo, na Europa. Vocês são cultos, são patriotas, gostam desta terra, portanto deviam ter cuidado para isso não acontecer. Confesso que há coisas que não gostei de ver, mas isto é uma questão de bom senso. Quem é um grande artista, como o Picasso, pode não ter bom senso, mas quem não é genial tem que ter bom senso.
AS - É voz corrente que nas grandes cidades europeias as encostas são os sítios mais valorizados e que quem constrói nesses lugares é quem tem mais dinheiro. Mas parece que aqui em Cabo Verde é o contrário.
– SM - Nos países desenvolvidos paga-se muito bem pelas vistas e a proximidade com a água, como o mar e os rios. Nos países mais pobres, isto funciona ao contrário. Levantei esta questão quando fui à Baia das Gatas, Salamansa e Calhau e deparei com uma paisagem inóspita, que me tocou por ser áspera. Perguntei ao arquitecto César Freitas se essa paisagem está virgem por bom senso, mas a resposta não foi clara. Temos tanto espaço e já temos tantas infraestruturas nos aglomerados urbanos, por que razão vamos ocupar os montes?
AS - Não sei se sabe, mas há projectos turísticos para essas zonas da Baia, Calhau e Salamansa…
– SM - O turismo é uma fonte da economia como outra qualquer. Não sou contra o turismo; as geografias e paisagens são democráticas, toda a gente tem o direito de as ver e usá-las. Agora, há que haver planeamento. Não posso espalhar casas por onde quero. Faço parte de uma tradição, posso ser proprietário de um terreno, tenho o direito ao uso, mas isso não me permite fazer o que me apetece.
AS - Se tivesse a oportunidade de construir nessas tais paisagens ásperas que viu, que tipo de obras escolheria?
– SN - Construiria pequenas coisas. Penso que os arquitectos deviam aprender muito com as construções espontâneas e vernaculares. Passamos pela Ribeira d’Calhau, que é um vale bastante seco, e vi um conjunto de casas ainda sem reboco, envolvidas por algumas árvores. A vegetação, embora escassa, ajuda, porque aconchega, ampara. Quero dizer que as construções ficam desapercebidas, sem agredir a paisagem envolvente. Os arquitectos deviam aprender um bocado com isto. Penso que deve haver na arquitectura a vocação de se querer ser anónimo. Para mim, o patamar mais alto da arquitectura é fazer um edifício que o coletivo reconhece como seu.
– As pessoas falam do Castelo de Guimarães e não de quem o arquitectou. A Torre Eiffel é o símbolo de Paris e não do arquitecto Eiffel. As construções saem da cabeça de uma pessoa ou de um grupo e depois passam para um colectivo que as transformam em objectos afectivos. Se fossem demolir estas obras, certamente que haveria uma resistência popular.
AS - Mas ainda não disse que obras poderia fazer, por exemplo, na planície da Baía das Gatas.
– SM - Há ali um vazio junto a uma praia maravilhosa, que é uma piscina natural. Faria construções com o máximo de dois metros e meio de altura, bem integradas e construídas com material muito ligado à areia e à terra. Na Baía faz falta, por exemplo, um bar de praia. Junto ao muro poderia haver um conjunto de construções descontínuas e de pequena escala, para não formarem uma barreira                       

“Casa da Arquitectura Cabo-verdiana”

AS - A Ordem dos Arquitectos de Cabo Verde (OACV) quer abrir a sua Casa da Arquitectura, que é um conceito aplicado noutras partes do mundo. Como é que vê essa iniciativa?
– SM - Acho importante. A Casa da Arquitectura em Portugal é um projecto do arquitecto Siza Vieira. O que está a acontecer em Portugal é que a arquitectura passou a ser um tema quase que diário, que aparece nos jornais e os arquitectos são agora considerados personalidades do ano. Já não são só os actores e futebolistas.
AS - Está disposto a apoiar a OACV na abertura desse espaço?
– SN - Claro, mas não estou disposto a fazer o projecto, porque acho que não faz sentido ser um tipo de fora a fazer isso, quando há bons arquitectos em Cabo Verde. Estou disposto a ajudar a futura Casa de Cabo Verde a estabelecer relações com outras Casas que conheço.
in A SEMANA
 

2 comentários:

  1. Cabo Verde, em geral, e S.Vicente, em particular, bem pecisava de uma opinião destas.
    Talvés o Grande Arquitecto Sousa Moura acorde os sàdicos e os incompétentes.
    Espero que todos os Amigos do Mindelo acordem e se dêm a mão para a salvaguarda do que resta.

    ResponderEliminar
  2. Gostei de ler mas acho que é deitar água no balaio furado pois a situação vai continuar. E a culpa é de quem? Dos que tem o poder de zelar pelo planeamento da cidade de forma harmoniosa de modo a conseguir um equilíbrio entre as construções e a sua envolvente para preservar a sua beleza e originalidade.
    Fátima Lopes

    ResponderEliminar