1ª Parte-Revisitando a história de Cabo Verde no período que precede a independência (Continuação)
Secção B -Os condicionalismos históricos que levaram à instalação do monopartidario
O PAIGC surge, assim, na óptica de uma descolonização à pressa, paradoxalmente como um respirar de alívio para Portugal em Cabo Verde, pois, após 500 anos da sua presença, assim se livrava a custo zero de um problema colonial num dos territórios dos mais carenciados, deixado sem a mínima estrutura económica sustentável, sem uma sociedade civil minimamente organizada, como se tivesse pensado com os seus botões: eles agora que se entendam. Por outro lado, esta situação era de toda a conveniência para o PAIGC (sobretudo os jovens turcos ou ‘cristãos novos’, que ascendia num golpe de magia ao poder, depressa e de mão beijada, e o cúmulo da sorte, sem oposição. O melhor dos dois mundos estava reunido para os dois protagonistas. É obvio que à luz daquilo que se conhece hoje, reconhece-se que organizar um governo de transição à pressa e com a duração de alguns meses (antes da ascensão da independência) para um arquipélago tão desnutrido como Cabo Verde, sem economia digna do nome, sem uma classe política minimamente organizada, sem contra-poderes, correspondia ao lavar das mãos como Pilatos. Contudo, nenhuma força política deveria arvorar-se em dono da pátria por ter lutado pela sua independência, mesmo que assumindo a responsabilidade da governação do país e até melhorando o seu nível sócio-económico relativamente à herança colonial. Mas as circunstâncias exigiam um tempo razoável, a acordar entre ambas as partes, para dotar o território de condições mínimas que o propiciassem para a auto-governação, o que passaria sobretudo por alguma infraestruturação básica e certas medidas cautelares nomeadamente no que concerne a organização político-administrativa do futuro jovem país, necessariamente a expensas do colonizador. Tudo se precipitou porque Portugal, sob pressão da facção esquerdista do MFA e das forças políticas da mesma cor, teve pressa em livrar-se de uma das batatas quentes e, por seu turno, o PAIGC, a que se juntaram os combatentes e também os heróis de circunstância e um séquito de "cristãos-novos", quis liquidar depressa e em tempo record a presença colonial e ocupar o vazio deixado. E este pecado original talvez seja a fonte de todos os problemas políticos, sociais e económicos actuais por que Cabo Verde atravessa: criou-se um buraco geracional, um vazio que nunca foi preenchido e a natureza tem horror ao vazio.
Mas é o Estado Novo que, pela sua natureza fechada e totalitária condicionou à partida o futuro do território de Cabo Verde, ao inviabilizar o nascimento de correntes políticas autónomas e autóctones no arquipélago, não somente devido à sua natureza totalitária mas também por temer fomentar o separatismo. Sabemos que historicamente situações de bloqueio político só podem alimentar opções extremas. É esta atitude de fecho do regime, que infantiliza politicamente a sociedade cabo-verdiana, situação que faria pagar caro politicamente ao arquipélago ao criar condições objectivas para a ulterior instalação de um regime de partido único, mal tendo saído de um outro. Num país recém-independente, sem controlo político de uma oposição, escancaravam-se as portas para o aventureirismo e o experimentalismo político e social. A tese da necessidade de um período de mono-partidarismo ou de democracia condicionada durante um certo período é pois inaceitável.
Embora o evento do 25 de Abril em Portugal tenha marcado o fim da glaciação salazarista e o início de uma nova era, Cabo Verde encontrava-se no ponto zero politicamente, em 1975, atrasado de um ciclo político e histórico, não podendo assim aproveitar a lufada de ar fresco proporcionada pela revolução do 25 de Abril na Metrópole. Na realidade, Portugal entrara em convulsão política e o clima era pouco inspirador para as colónias, que naturalmente tomaram outros rumos com as suas independências. A partir daqui, as trajectórias iriam divergir inexoravelmente. Depois de um período conturbado politica e economicamente, Portugal seguiria a todo vapor o caminho da normalização da revolução, da democratização do regime, da liberalização da sua economia e da entrada na organização europeia CEE (mais tarde UE), o clube das ricas democracias liberais europeias. Cabo Verde seguiu ao mesmo ritmo o caminho da revolução, mediante a instauração de um regime autocrático corporizado no partido único, cuja lógica implicou a adopção de uma economia centralizada e estatizada, a par da integração na organização africana CEDEAO e no movimento dos Não-Alinhados.
Esse quadro sócio-político tornou o país numa coutada do PAIGC e das estruturas e organizações de massas, favorecendo aqueles que estavam no tempo certo e no lugar certo da História, constituindo assim uma oportunidade de ouro para oportunistas de toda a espécie e pessoas mal preparadas ascenderem depressa ao poder e singrar na máquina do Estado. O Estado, a partir dessa data, tornou-se assim o feudo de oportunidades para progressão na vida e garante do exclusivismo de privilégios sociais e profissionais. Dava-se início à legitimação do sistema de partido único, invocando o argumento da legitimidade histórica e da necessidade da refundação do país de através de um acto criador Demiurgo. As coisas poderiam ter corrido mesmo mal como na República irmã da Guiné-Bissau, não fosse a moderação de muitos líderes do PAIGC.
Mas se o Estado cabo-verdiano não existia antes de 1975, é tese hoje aceite que a Nação e o povo cabo-verdiano existiram muito antes da formalização e do reconhecimento internacional do Estado de Cabo Verde.
A consolidação do centralismo, o triunfo da ruralidade e o utópico retorno ao passado, factores que contribuem lento apagamento do farol civilizacional no arquipélago são tema da 2ª parte deste artigo.
José Fortes Lopes
-JOSÉ FORTES LOPES Quando um filho de S. Nicolau, Baltazar Lopes da Silva, poderia ter jogado um papel político proeminente no Cabo Verde do pós-25 de Abril e do pós-Independência.http://www.jsn.com.cv/index.php/opiniao/84-jose-fortes-lopes-quando-um-filho-de-sao-nicolau-baltazar-lopes-da-silva-poderia-ter-jogado-um-papel-politico-proeminente-no-cabo-verde-do-pos-25-de-abril-e-do-pos-independencia. Jornal de São Nicolau, 14 Outubro de 2013
JOSÉ FORTES LOPES: Pensando Cabo Verde de outra maneira - Quando as Reformas Democráticas e o Conceito Plural de Cabo Verde deram razão a Baltazar Lopes da Silva http://www.jsn.com.cv/index.php/opiniao/93-jose-fortes-lopes-pensando-cabo-verde-de-outra-maneira-quando-as-reformas-democraticas-e-o-conceito-plural-de-cabo-verde-deram-razao-a-baltazar-lopes-da-silva. Jornal de São Nicolau, 15Outubro de 2013 -JOSÉ FORTES LOPES: Interdependência Portugal/Inglaterra - Pano de fundo da História de Cabo Verde (parte I).http://www.jsn.com.cv/index.php/opiniao/483-jose-fortes-lopes-interdependencia-portugal-inglaterra-pano-de-fundo-da-historia-de-cabo-verde-parte-i
-JOSÉ FORTES LOPES: Do fim da sociedade escravocrata à eclosão do Cabo Verde moderno no Mindelo. http://www.jsn.com.cv/index.php/opiniao/496-jose-fortes-lopes-do-fim-da-sociedade-escravocrata-a-eclosao-do-cabo-verde-moderno-no-mindelo
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