Quantos de nós nunca desenvolvemos um carinho especial por "uma coisa", um objecto às vezes trivial mas que, por isto ou por aquilo, encerrava um significado especial e cuja memória perdurará e nos acompanhará, vida fora?!
Recordo que, há cerca de 75 anos, tive a primeira emoção deste género, quando minha mãe me comprou umas meias altas, pretas, que estreei no funeral da minha bisavó Tuda, quiçá diminutivo de Gertrudes...Não consigo conceber que alguma vez alguém tenha estado numa cerimónia fúnebre tão contente consigo próprio e de olhar tão persistente às próprias canelas, convenientemente ornamentadas de negro...
Anos mais tarde, por volta de 1950, estava eu no Porto a estudar o 6º Ano do antigo Curso Geral do Liceu quando tive outro acesso de orgulho extremo, quando a minha avó paterna me ofereceu um sobretudo, muito quentinho, de um castanho escuro muito chique, que me dava pelos joelhos e que, segundo a saudosa avó Laura, me dava um ar muito elegante...
De volta ao Mindelo, tive o prazer de adquirir algo que estava na moda e cuja posse me marcou, pelos cuidados quase diários que era necessário dedicar-lhe...Foi um par de sapatos castanhos e brancos no peito do pé...Foi uma relação muito especial com a rotina de frequentemente retocar o branco, graças a uma escova de dentes velha e molhada e uma pedra especial que se comprava na Drogaria (Blanco)...Depois, era pôr ao sol, para secar!
Mais tarde, no dia em que completava o meu 20º aniversário, meu pai ofereceu-me uma cigarreira cromada, com isqueiro acoplado e cheia de cigarros...Senti-me a pessoa mais importante do mundo isto, claro, numa altura (1954), em que ainda o tabaco não era considerada um veneno mortal ...
Pelo meio, recordo, ainda, uma camisa de um castanho pouco usual que eu gostava imenso de usar, a pontos de esperar, pacientemente, que secasse, pendurada no estendal, à sombra, para não descorar...
Enfim, o rosário seria longo, já que a vida já não é nada curta mas atrevo-me a afirmar que, de todas as "coisas" que eu adorei possuir, nada se compara ao meu Opel Rekord Sprint 1.9, uma obra-prima de mecânica e de estilo e que me proporcionou, a mim e à minha família, muitos milhares de quilómetros de prazer, em segurança e comodidade extremas, em Cabo Verde e em Portugal, entre 1975 e 1990...
Confesso que senti o coração apertado quando tive que me desfazer dele!
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