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sábado, 1 de fevereiro de 2014

(6472) - UNIÃO MONETÁRIA?!




A entrada de Cabo Verde na segunda zona monetária da CEDEAO é mesmo inevitável? (I)

  • Escrito por João Estêvão
                      


A entrada de Cabo Verde na segunda zona monetária da CEDEAO é mesmo inevitável? (I)

No seu regresso da Cimeira de Chefes de Estado e de Governo da CEDEAO, realizada em Dakar, em Outubro passado, o Primeiro Ministro de Cabo Verde afirmou o seu empenho em que o país esteja na segunda zona monetária da CEDEAO, e já em 2020, ano agora previsto para a criação da moeda única do espaço oeste-africano.

Esta nova Zona Monetária da África Ocidental (ZMAO) foi proposta em 2000, para ser realizada em 2003 e conduzir à fusão com o Franco CFA, da UEMOA (União Económica e Monetária da África Ocidental), em 2004. Os comunicados das Cimeiras de Abril e Novembro desse ano falam de seis países que se comprometeram com um programa faseado para a criação da moeda única – Gâmbia, Gana, Guiné, Libéria, Nigéria e Serra Leoa. Em 2004, os comunicados de duas novas Cimeiras (sem a Libéria, que se afastou do processo) falavam da futura moeda da zona, o Eco, como uma realidade para Julho de 2005, devendo circular durante algum tempo conjuntamente com o Franco CFA, até se fundirem numa só moeda para a região. Em Maio de 2009, o Conselho de Convergência da CEDEAO aprovou um roteiro revisto para a realização da moeda única em 2020. Esperava-se, então, que em 2014 estariam concluídos os instrumentos legais e organizacionais para a criação da ZMAO em 2015 e a introdução do Eco, prevendo-se a criação da zona única em 2020. A Cimeira de Outubro de 2013 reafirmou o desejo político da criação da moeda comum e, em consequência, o compromisso com o roteiro revisto de 2009.
Esta apetência pela unificação constitui uma nova realidade na construção de mecanismos de gestão monetária. Com as independências do segundo pós-guerra, a maior parte dos novos países optou pela criação de moedas próprias, assumidas então como símbolos maiores da soberania nacional. Na década de 1990, as sucessivas situações de instabilidade financeira reduziram o empenho soberano e acabaram por ressuscitar, um pouco por todo o lado, o modelo de gestão monetária colonial, o currency board, com alguns países a optar pela ligação das suas moedas a divisas fortes da economia mundial, em cujas áreas de influência económica estavam relativamente inseridos. Posteriormente, começou a ganhar peso a ideia da fusão de moedas, sobretudo, com o desenvolvimento do processo de unificação monetária na Europa e a subsequente criação do Euro, processo que rapidamente se transformou na experiência modelo que deveria ser seguida. Foi neste quadro que se desenvolveu a tese de que a integração monetária pode constituir um instrumento poderoso para impulsionar a integração económica regional.
A grande atracção suscitada pela experiência europeia não conduziu, contudo, ao florescimento de novas uniões monetárias. Actualmente, existem várias situações de associação monetária informal, ou de projectos de união em andamento, como a ZMAO, mas, verdadeiramente, só podemos falar de três espaços formais de integração monetária na economia mundial: a área do Euro, as duas subáreas do Franco CFA (UEMOA e CEMAC, Comunidade Económica e Monetária da África Central) e a União Monetária das Caraíbas Orientais (ECCU). Enquanto o exemplo europeu revela um caso de união monetária construída após um percurso de integração económica regional e de convergência das economias, os dois últimos casos são, essencialmente, prolongamentos de antigas zonas monetárias colonias, cada uma delas com tradições institucionais comuns e com um longo percurso de utilização da mesma moeda.
Os dois exemplos colocam questões diferentes, mas igualmente importantes, na análise da integração monetária. O processo da área do Euro mostra-nos que o sucesso da integração depende da intensidade da convergência das economias nacionais. Com um elevado grau de convergência, os choques sobre a economia tendem a afectar de igual modo os países da união, o que não acontece se o grau de convergência for muito baixo. Se a utilização de políticas comuns pode ser adequada no caso de convergência, o mesmo já não acontece quando existe divergência entre os países da união. Como neste caso os choques não são simétricos, as políticas comuns deixam de ser adequadas e a utilização da taxa de câmbio para realizar os ajustamentos pode agravar ainda mais a situação, sobretudo, ao nível da produção e do emprego. Isso quer dizer que, na ausência de um elevado grau de convergência, os custos de uma integração prematura poderão ser desastrosos.
A integração na área do Euro é a experiência que mais se aproxima da zona monetária óptima tratada na teoria económica e aquela que seguiu o percurso esperado, desde a zona de comércio livre até à união económica e monetária. A sua particularidade reside no facto de o caminho de convergência económica ter assentado num elevado nível de relacionamento económico e de comércio intra-regional, que foi facilitado, mesmo impulsionado, por um percurso secular de convergências institucionais, políticas e sociais, baseadas numa longa tradição cultural e religiosa comum. Contudo, mesmo o nível elevado de convergência económica pode não garantir resultados óptimos de integração monetária, como nos mostram os sucessivos problemas com que a Eurozona se vem debatendo.
As duas outras experiências traduzem percursos que dão continuidade a espaços coloniais de circulação monetária. E é precisamente o prolongamento da modalidade de gestão colonial da moeda única que ajuda a explicar a estabilidade conseguida, nomeadamente, a reprodução do espaço monetário, as identidades institucionais e a gestão monetária específica dessas zonas. No caso da ECCU, a gestão monetária configura um currency board parcial, em que o Banco Central é obrigado a manter uma cobertura cambial mínima de 60%, possível porque os países membros revelam uma elevada capacidade de captação de divisas. Nas áreas CFA, os bancos centrais têm de depositar pelo menos 65% das suas reservas cambiais nas contas de operações abertas no Tesouro francês, o que implica um controlo apertado do sistema, mas que, em contrapartida, constitui uma garantia de convertibilidade ilimitada do franco CFA. Contudo, a estabilidade monetária dessas áreas não criou o esperado efeito dinâmico sobre o processo de integração económica regional, como nos mostram os dados estatísticos, ainda que tenha aumentado o nível de comércio intra-regional.
Das considerações anteriores decorrem algumas implicações importantes. Primeiro, a densidade das relações económicas intracomunitárias prévias constitui uma condição necessária fundamental para a integração monetária. Segundo, as relações intracomunitárias e a convergência económica devem ser suportadas por um processo de convergências institucionais, políticas, sociais e culturais. Terceiro, a convergência económica, ainda que decisiva, pode não conduzir a resultados óptimos, pois estes também dependem do modelo institucional da zona monetária e da profundidade das políticas comuns necessárias ao processo de integração. E, por último, os dois casos não europeus de integração monetária constituem situações muito específicas, cujo bom funcionamento resulta, principalmente, de serem prolongamentos de zonas monetárias coloniais.
Parece, por isso, duvidoso que um processo prematuro de integração monetária, num quadro de profundas divergências (económica, política, cultural e religiosa), possa ser assumido como uma alternativa viável e um objectivo político realizável em tão curto espaço de tempo.
sábado, 01 fevereiro 2014 00:00
in Expresso das Ilhas 

4 comentários:

  1. Fujo das questões que envolvam dinheiro a sete pés... embora me agradasse ter os bolsos cheios dele. Neste caso, limito-me a acreditar que o autor tem razão. Não apenas por ser um reputado especialista nesta área como porque foi meu colega de turma no velho Gil Eanes. E quem andou no Gil Eanes tem quase sempre razão...

    Braça com dnhêr mas longe dos problemas dele.
    Djack

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    1. Tem razão, meu caro,,,Esta análise do problema parece-me extremamente lúcida mas eu não queria estar na pele de quem decide estas coisas...E se dá para o torto?
      Braça, remediado,
      Zito

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  2. Isto da União Monetária e Livre Circulação é mais uma utopia e de utopias está o Inferno cheio. O sonho do anos 90 de virar Cabo Verde uma plataforma de negócios na Costa Africana não resultou, os ditos negócios redundaram em nada e talvez em prejuízo social.
    Enquanto os diplomatas vão atingir o expoente máximo da sua felicidade com cargos e mordomias nas estrutura burocráticas criadas, quem vai pagar isto tudo é o povo, isto é o zépovinho. Sigam o meu pensamento.
    Questão como é que Cabo Verde vai controlar o fluxo migratório para o arquipélago e para a Europa? Isto exigiriam investimentos e uma organização que ultrapassa a nossa pequenez e insignificância, quando comparado com uma Região de milhares de milhões de pessoas.
    Se os Boavistenses e Salenses estão-se a queixar da situação actual, que seria uma brincadeira com o que estaria para vir se por infelicidade e desgraça se avançasse para esta integração .
    Cabo Verde é claro não pode-se fechar à África nem ao Mundo mas neste preciso contexto tem que ter uma emigração controlada e desejada. Pés descalços já temos em maioria em Cabo Verde.
    Em conclusão sou redondamente contra a Livre Circulação e Moeda Única e até vou mais longe Cabo Verde tem que se manter numa posição equidistantes em relação a estas estruturas, não se alinhando a fundo. È por isso que se tem que ter um novo conceito estratégico para Cabo Verde

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  3. Só posso concordar com o articulista, e nesse sentido subscrevo o comentário do José Lopes. De resto, ainda recentemente, houve um artigo publicado no jornal A Semana sobre o assunto que mereceu o repúdio de 99,88% dos comentadores, e estes atingiram uma cifra impressionante e sem precedentes no jornal: 240 intervenções.

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