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terça-feira, 29 de abril de 2014

[6846] - O MUSEU DO MAR NO MINDELO...

 
A VELHA RELAÇÃO: MINDELO E O MAR

_Breve testemunho sobre o tempo e a oportunidade de fazer:
"Museu do Mar", também foi sonho...

A irmandade da ilha de São Vicente com mar e, por outra via, a sua grata geografia oferecida pela natureza das coisas circundantes; fizeram da localidade do Mindelo, antes do seu apropriado nascimento, uma base de conforto às embarcações primitivas, até ao riquíssimo evento do comércio marítimo dos tempos modernos, incluindo certo esconderijo a embarcações submarinas durante as duas grandes guerras.
Anos de 1960, já no seu final, devorado calendário de recordações, boas e más, quando a luta armada na Guiné-Bissau, o PAIGC, preocupava a desafio, os quatro cantos do quartel-general do regime colonial, isolado do mundo, refugiado em Lisboa. Todos nós, duma maneira a outra, sentia em cada momento que a independência rondava, embora ninguém soubesse quando; bem, como ninguém acreditava, tal dia, Amílcar, pudesse, de maneira tão cobarde, ser assassinado por um dos seus... Contudo, o ideal não morria e, sonhos, ideias, juntavam valores, no final, a independência, era um dado adquirido. Uma forte certeza!
Na Suécia, das mesas de reunião para reunião, ferviam debates e projetos, onde grupos não filiados ao partido, quer em Gotemburgo ou Mondal (viajava-se aos fins de semana a Bergen, Fredriskhavn, entre outras localidades da Noruega), participavam, atuavam, apoiavam com entusiasmo, dedicação idealista, sem necessidade de forçar argumentos nem autoritarismo; tudo acontecia natural, descontraídos, às vezes, de forma espontânea. O importante era discutir a nossa terra, valorizar na nossa memória, aqueles que, de armas na mão davam suas vidas pela resistência a viver longe do fascismo, no fundo: ajudar a derrotar uma ditadura assanhada, prejorativa ao próprio povo português. Muitas foram as ocasiões nas quais, emigrantes portugueses (operários de Gotaverken) vinham assistir aos debates do futuro caboverdiano, vivendo essa esperança sem preconceitos. Uma grata experiência!
Enquanto a convivência subia em temperatura idealista, aproveitavam-se férias ou prolongamentos semanais num salto à Holanda e Bélgica; quando não, esticando o tempo até França ou ainda pela Alemanha. Em Roterdão, entrava-se a madrugada solidários em ajudas ao boletim "Nôs Vida", de boas recordações, escreviam-se uns textos para a Deutsche Welle e, de volta às paragens escadinavas, a própria Svenska Nyt, agradecia uma atualização de informações sobre a linha da frente na luta antiregime. Para jovens sonhadores, a participação, embora desinteressada, mas justa no senso da nossa consciência igualmente combativa, pela justiça, liberdade, donos das nossas vidas, aceitar esse arbítrio da nossa criação até à precisão exaustiva... que fazer com a futura autonomia, era uma preocupação latente, parte integrante ao debate.
O despertar pela auto-suficiência, aderindo à causa, foi das razões mais justas ao consciente, obrigou bem cedo mas de forma infantil; desenhar mais valias quando a independência chegasse, o que fazer com cada ilha, como aplicar uma economia evoluida capaz de oferecer estabilidade e desenvolvimento, protegendo populações da sangria emigratória. O terror das épocas famintas, histórias que sempre criaram uma longa sombra macabra em todos nós. Afinal, como sair da pobreza, era também lutar pela independência. Muitos de nós, conhecendo o sistema soviético, nunca acreditou ser um modelo aplicável em Cabo Verde. Alguns, particularmente quem escreve estas linhas, inicialmente, acreditou no modelo jugoslavo; porém, depois de andarilhar desde paragens albanesas até à Coreia do Norte e China, poucas eram as soluções, senão mesmo aplicar algo de inédito. Porque não?! Afinal, estavamos na Escandinavia! Talvez fosse este o estilo mais saudável de ter, já que duas nações irmãs, tomavam consciência unitária numa só bandeira, colocando sentimentos solidários no transe! Pois, a Escandinávia, era a existência real de três nações solidárias, sem fronteiras, dividindo e partilhando o pensamento social do bem-estar e da segurança, igual a todos.
Foi numa destas ocasiões (outono de 1972) quando ao falar-se na hipótese de investimentos a um Cabo Verde independente, saltando ideias ao debate, ficando na primazia cultural, obrigatoriamente, falou-se do mar; notou-se em quase todos os apontamentos da época, a necessidade de escolas, hospitais, transportes marítimos, agricultura, estabelecer zonas verdes, rede frigorífica, pescas, entre outras vontades óbvias. Saltaram três fortes debates sobre a criação estratégica num pólo de reparação nautica ou naval, museu dedicado à música e um museu do mar duplicado, sendo parte instalada na ilha de São Vicente e, outra, na Cidade Velha. Centro (pedagógico) marítimo de ciência marinha, história e aplicação financeira, em virtude da sua função direcionada ao mercado da investigação piscatória, das algas a crustáceos, bem como ponto de encontro ao turismo e a escolas técnico-profissionais do plano nacional até internacional, com particular destaque vocacionado ao continente africano. 
Aqui, a ideia, seria a instituição oferecer através do seu processo económico, fazer entrar divisas aos cofres do tesouro nacional. Porém, essa esperança participativa na reconstrução da terra e a dose de boa vontade, mergulhou com quantos sonhos existiam nesse mesmo mar, mas de escuridão, pelo regime fechado e obtuso instalado depois da independência. Apesar de todos os esforços, voltas e parcerias conseguidas pela valorização das ilhas; a porta política, na totalidade dos governos, até hoje, andou fechada. Nunca nenhuma administração, quer parlamentar ou governamental, soube corretamente atrair, conduzir, reformar, nem estabelecer linhas com as comunidades, perdendo-se assim muito dos valores existentes na emigração, capazes de apoiarem um Cabo Verde melhor, mas naturalmente diferente. Pessoalmente, nunca compreendi o papel do "Deputado da Emigração", a quem o erário público paga salário, mordomia e lugar cativo. Afinal, serve para quê? Nunca ficaram esclarecidas das razões do afastamento (numa atitude ingrata) aos países que durante a luta armada, tanto apoiaram o PAIGC, sem qualquer interesse ou acordos prévios. 
Em Nova York, depois de 1980, com a presença assegurada na ONU, pelo embaixador Amaro da Luz, outra vez, as ideias em torno das dúvidas e opções de modelos económicos capazes de produzir efeito pródigo para Cabo Verde; ficando assente da importância prioritária essa relação com o mar, nas reuniões associativas, criando documentação válida e trabalhosa, incluindo orçamentos, tudo muito claro e objetivo, oferecido por um grupo de credores do sonho, aos membros de governo, aquando da passagem em 1982, à conferência na Assembleia Geral das Nações Unidas. Até ao presente nunca se conheceu o destino de tanta tarefa, preocupações e dedicação à terra.
Com as voltas do mundo, saldos nem todos positivos na elaboração dessa idêntica luta pelo trabalho e da sustentabilidade falhada na sociedade crioula, não é novidade que outras exigências ocupem lugar nos dias decorrentes, pedindo reformas às políticas, nos partidos e do Estado. Sendo a Regionalização, um desses panoramas em discussão, novamente, levando em conta os muitos amigos de Cabo Verde a comungarem destas preocupações também à esperança. Seja, renascida vontade, esse lugar preferido dos sonhos, onde voltam a tomar caminho com gente solidária, acreditando que Cabo Verde merece mais e melhor. Instituições, ONGs, nações, organizações internacionais; mas inconfundivelmente, pessoas do povo desse primeiro plano, onde o interesse primitivo desde o acto solidário ao núcleo de afetos dessa mesma gente recuperando um pouco da justiça mantida nos sohos que levaram grupos de jovens caboverdianos na emigração, de marítimos a estudantes e membros partidários da luta armada, vivendo preocupações: do futuro aos valores.
Museus, são formatos geradores de importantes micro-receitas. Assim, recuperar essa ideia do Museu do Mar, Museu da Música, Museu das Comunidades Caboverdianas; são valores incompreendidos por quem tem liderado a governação das ilhas ao longo das últimas duas gerações, olhando apenas ao seu umbigo. Caindo na rede da crise deste capitalismo em agonia, vale a realidade, mais uma vez, o sonho de Amílcar Cabral, dos que acreditando, morreram de armas na mão. Aqui, igualmente já era tempo de ter-se feito o Museu dos Heróis, iniciativa pedagógica, devido respeito dedicado aos combatentes, pelo menos, isso a eles, como acertada dívida; em particular, na responsabilidade de quem foi e vai fazendo fortuna na política, alimentando o ego dessa grande feira das vaidades na qual se transformou o planeta dos macacos!

Veladimir Romano
Amesterdão, abril de 2014

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